Solenidade da Santíssima Trindade – Ano C – Homilia
Evangelho: João 16,12-15
Alberto Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Deus é por dentro igual ao que mostra por fora: amor
Introdução
(TABORDA, Francisco; KONINGS, Johan.
Celebrar o Dia do Senhor. Volume 4: subsídios bíblicos – Ano C. São
Paulo: Paulus, 2021, p. 295-296):
Para
não alimentar ideias fantasiosas em torno da Santíssima Trindade, é bom expor
algo da teologia da Trindade, sem transformar a homilia em aula acadêmica. Tal
teologia procura, por um lado, descrever a manifestação e a obra das três
“Pessoas” para fora, ad extra, na “economia da salvação”, e, por outro
lado, evocar o mistério íntimo de Deus, a “Trindade imanente”, ad intra:
o amor entre o Pai e o Filho, sendo esse amor o próprio Espírito,
segundo Santo Agostinho. Por isso, a Trindade é celebrada na esteira de
Pentecostes.
Não se deve esconder do povo o fato de que o termo “pessoa” hoje não tem o mesmo sentido que tinha no tempo em que foi definida a doutrina da Santíssima Trindade (Concílio de Niceia, 325 d.C.), pois o conceito moderno de “pessoa” (um indivíduo com nome e sobrenome, direitos civis etc.) torna praticamente inacessível a percepção da obra da Trindade. Quando foi formulada a doutrina, o termo “pessoa” (latim persona, grego prosopon) significava a máscara acústica que os atores usavam nos teatros ao ar livre para caracterizar seu papel e fazer ressoar sua voz (per-sonare, “soar através de...”). Aplicado à Trindade, “pessoa” significa o papel na economia da salvação (ad extra), ao qual corresponde também a relação imanente (ad intra). Deus é por dentro igual ao que mostra por fora: amor.
João 16,12:** «Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Tenho ainda
muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora.»
O
que Jesus quer dizer? Que pode entender sua mensagem só quem, como ele, está
pronto para o dom da vida. Os discípulos ainda são incapazes de dar a vida
pelos outros. Isso vale também para toda a comunidade dos que creem, para o
crescimento dos seguidores de Jesus. Sua mensagem só é compreendida na medida
em que se eleva o nível de amor, não para com Deus, mas para com os outros.
Quanto mais amor pelos outros, mais comunicação divina para com o ser humano. Mas é importante, aqui, o que o evangelista escreve: “Tenho ainda muitas coisas a vos dizer”, ou seja, Jesus fala, fala mesmo. Isso era tão verdade que nas comunidades primitivas havia, por exemplo, Santo Inácio que na carta aos Efésios escreve “vocês não prestam atenção a ninguém, exceto a Jesus, o Messias, que realmente continua a falar”. Jesus continua a falar. Ele continua a falar na liturgia eucarística, continua a falar através de seus profetas, são necessários ouvidos e corações para ouvi-lo.
João 16,13a: «Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos
conduzirá à plena verdade.»
O
Espírito Santo é chamado de espírito da verdade e guia à toda verdade. O tema
da verdade é muito caro ao evangelista. Em resposta a um dos discípulos, a
Tomé, Jesus havia dito: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6).
Jesus é a verdade, ele não tem a verdade. E é importante. Qual é essa verdade
no evangelho? Não é uma doutrina que se possui, porque quem tem a verdade, quem
possui uma doutrina, inevitavelmente se separa de quem não pensa como ele e se
considera no direito de julgá-lo. Esta verdade é e está sendo feita.
E o que significa ser e fazer a verdade? A verdade não se expressa através de fórmulas doutrinárias, mas através de ações com as quais a vida é comunicada aos outros. Estar na verdade significa estar em plena harmonia com o dinamismo do amor do Criador, que cuida da vida de suas criaturas.
João 16,13b: «Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver
ouvido; e até as coisas futuras vos anunciará.»
O
que significa este anúncio de coisas futuras? Não é uma nova relação de Deus
por parte do Espírito, mas a atualização da única e mesma mensagem de Jesus em
novos caminhos e formas para toda a comunidade.
A comunidade muda, a comunidade se transforma, cresce, surgem novas necessidades, surgem novos problemas, bem, a ação do Espírito nos fará entender, graças à mensagem de Jesus, como atender a essas necessidades. Portanto, a garantia do Espírito presente na comunidade é que diante das novas demandas, das novas necessidades da comunidade, sempre novas respostas serão encontradas. Não devemos dar as velhas respostas, devemos sempre poder, graças à mensagem de Jesus, a única mensagem de Jesus, dar novas respostas.
João 16,14: «Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo
anunciará.»
Glorificar significa tornar cada vez mais evidente o amor de Jesus por seus entes queridos. Portanto, não é uma nova mensagem, mas a compreensão da mesma.
João 16,15: «Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que
ele receberá e vos anunciará, é meu”.»
O que Jesus e o Pai possuem é o Espírito, a plenitude do amor. E o verbo anunciar é repetido três vezes. O significado desta passagem muito importante é que o que Deus é e o que o homem é não pode ser conhecido exceto através de graus cada vez mais profundos de conhecimento e experiência. Há um amor recebido e amor comunicado: quanto maior o amor comunicado, maior a possibilidade de receber esse amor do Pai.
* Traduzido e editado do italiano por Pe.
Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão
Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“O mistério da
Santíssima Trindade cristã é o mistério do amor Divino. Você vê a Santíssima
Trindade, se você vê o amor [Deus é ágape].”
(Santo Agostinho: 354-430 ― filósofo, teólogo, escritor, bispo e
Doutor da Igreja)
Não adianta! Quem não vive para amar e não faz a experiência do amor, jamais poderá compreender o sentido de um Deus-Trindade, um Deus-comunhão, um Deus-comunitário! A Deus, mesmo, não temos e, muito provavelmente, jamais teremos pleno acesso! Afinal, ele é o “totalmente Outro”, o “Transcendente”, aquele que ultrapassa todas as possibilidades de compreensão por parte de nós, humanos!
Somente há uma via, um caminho para conhecermos algo de Deus: seu Filho, Jesus Cristo! E Jesus nos apresenta Deus, primeiramente, como Pai. Ele é bondade e misericórdia infinitas! Ele abençoa a vida, promove a vida, defende a vida! Para Jesus, Deus é uma presença próxima, cotidiana, “que está abrindo caminho no mundo para construir conosco e junto a nós, uma vida mais humana. Jesus não separa nunca esse Pai de seu projeto de transformar o mundo” (J. A. Pagola). Crer no Pai, apoiar-se no Pai faz com que Jesus se preocupe em construir um mundo mais justo e feliz para todos!
Em segundo lugar, Jesus nos apresenta Deus, em si mesmo, como Filho. Ele se sente nascido para realizar na terra o projeto humanizador do Pai. Então, ele admite, a todo momento, que busca sempre concretizar a vontade de seu Pai. A sua “paixão por Deus se traduz em compaixão por todos os que sofrem. Por isso, a existência inteira de Jesus, o Filho de Deus, consiste em curar a vida e aliviar o sofrimento, defender as vítimas e reclamar para elas justiça” (J. A. Pagola).
Em terceiro lugar, Jesus age sempre impulsionado pelo Espírito de Deus. Esse Espírito é o amor do Pai que o estimula a anunciar aos pobres a Boa Notícia de seu projeto de salvação. Essa força divina, trazida pelo Espírito de Deus, move Jesus a curar a vida e ser um profeta neste mundo. E esse Espírito não partiu com ele, não retornou a Deus, mas está junto daqueles que buscam seguir Jesus, sendo testemunhas vivas do projeto do Pai, o Reino de Deus.
Portanto, o nosso conhecimento do Deus-Trindade é prático, ou seja, é na ação cotidiana e nas atitudes que temos em favor da vida, da justiça e da paz, que experimentamos a presença desse Deus de Jesus: Pai, Filho e Espírito Santo.
«Espírito de verdade,
tu nos fazes filhos e filhas de Deus, para que possamos nos aproximar do Pai
com confiança. Pai, nos dirigimos a ti com um só coração e uma só alma e te
pedimos: Pai, envia o teu Espírito Santo! Envia teu Espírito sobre a Igreja.
Que cada cristão cresça, em harmonia com o amor de Cristo, no amor a Deus e aos
irmãos. Ó Pai, renova nossa confiança no Reino que Jesus veio anunciar e
encarnar na terra. Não nos deixa ser dominados pela decepção e ser vencidos
pelo cansaço. Que nossas comunidades sejam fermento que faça crescer a justiça
e a paz na sociedade. Amém.»
(Cosimo Pagliara. SS. Trinità. In: CILIA, Anthony, O.Carm.
Lectio Divina sui vangeli festivi: per l’anno liturgico C. Leumann
[TO]: Elledici, 2009, p. 317)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – Santissima Trinità – 16 giugno 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 07/06/2022).
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