Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 9,11b-17
Alberto Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Eucaristia: festa da partilha do amor
Na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, a liturgia nos apresenta o evangelista Lucas no capítulo 9, versículos 11 a 17. Jesus e seus discípulos retiraram-se para Betsaida, fora do território judaico. Mas as multidões souberam disso e o seguiram. As multidões se sentem atraídas por Jesus porque sentem em sua mensagem a resposta de Deus à necessidade de plenitude que cada pessoa carrega dentro de si.
Lucas 9,11b:** «Naquele tempo, Jesus acolheu as multidões, falava-lhes
sobre o Reino de Deus e curava todos os que precisavam.»
Jesus não
lhes fala sobre o reino de Israel. Jesus não veio para restaurar o reino de
Israel, mas para inaugurar o Reino de Deus, um reino sem fronteiras, porque o
amor de Deus não tolera nenhuma barreira.
Diante da doença, Jesus não tem palavras de consolo, mas ações que curam, que eliminam esse mal. Este é um efeito do Reino de Deus. No Reino de Deus, o bem e o bem-estar do homem vêm em primeiro lugar.
Lucas 9,12: «A tarde
vinha chegando. Os doze apóstolos aproximaram-se de Jesus e disseram: “Despede
a multidão, para que possa ir aos povoados e campos vizinhos procurar
hospedagem e comida, pois estamos num lugar deserto”.»
O
evangelista destaca uma diferença. Enquanto a multidão segue Jesus – e Jesus
havia convidado seus discípulos, os Doze, a segui-lo – os Doze estão longe
dele, quase mantêm uma distância segura, precisam se aproximar dele, mas se
aproximam por um motivo negativo. E o evangelista usa um verbo no imperativo,
por isso quase ordena a Jesus: “Despede (isto é, manda embora) a
multidão..."
Os Doze tratam Jesus quase como se ele estivesse despreparado, como se não soubesse que estava em uma área deserta, que não havia nada para comer, então sua preocupação é mandar o povo embora. Não se diz que o povo estava cansado de ouvir os ensinamentos de Jesus; são os discípulos que pensam apenas em si mesmos.
Lucas 9,13a: «Mas
Jesus disse: “Dai-lhes vós mesmos de comer”.»
Literalmente, o evangelista escreve: “Dai-vos vós mesmos de comer”. O significado é duplo. Além do óbvio “obtende vós mesmos de comer”, há o significado “dai-vos de comer”. O evangelista antecipa aqui o que será o significado da Eucaristia, onde Jesus, o Filho de Deus, se torna pão, alimento de vida, para que aqueles que o acolhem, o comem e o assimilam. Portanto, que os discípulos sejam então capazes, por sua vez, de se tornar pão, alimento de vida para os outros!
Lucas 9,13b: «Eles responderam:
“Só temos cinco pães e dois peixes. A não ser que fôssemos comprar comida para
toda essa gente”.»
Mas aqui está a objeção dos doze. Há um contraste entre o convite de Jesus, “dai”, isto é, “compartilhai”, e a mentalidade dos discípulos, “comprar”. Eles ainda não entenderam a mensagem de Jesus, da partilha. E eles dizem: “... comida para toda essa gente”, literalmente povo, e é um termo depreciativo. Os apóstolos veem quase com aborrecimento toda aquela multidão que segue Jesus.
Lucas 9,14a: «Estavam
ali mais ou menos cinco mil homens.»
Por que esse número? Porque a comunidade cristã primitiva, segundo os Atos dos Apóstolos, era composta por cerca de cinco mil pessoas. Portanto, o evangelista quer dizer que essa é a ação que constitui a comunidade.
Lucas 9,14b: «Mas
Jesus disse aos discípulos: “Mandai o povo sentar-se em grupos de cinquenta”.»
Enquanto os
apóstolos usavam o imperativo "Mande-os embora,", Jesus responde com
outro imperativo contrário: "Fazei-os sentar", literalmente deitar.
Nos almoços festivos, nos almoços solenes, as pessoas comiam deitadas em camas,
mas quem podia comer assim? Os senhores, aqueles que tinham servos que os
atendiam e serviam. Então, Jesus pede à comunidade de discípulos que se
certifique de que os presentes se sintam senhores, para que se colocam a seu
serviço!
Nesta passagem do Evangelho, há muitos números. Os números da Bíblia sempre têm um significado figurativo, simbólico, nunca matemático ou aritmético. Cinquenta é a ação do Espírito. Pentecostes é o quinquagésimo dia, portanto, cinquenta e seus múltiplos indicam a ação do Espírito.
Lucas 9,15: «Os
discípulos assim fizeram, e todos se sentaram.»
Assim, todos os participantes desta ação são tratados como senhores. E aqui o evangelista antecipa quais serão os gestos de Jesus na Última Ceia.
Lucas 9,16: «Então
Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, elevou os olhos para o céu,
abençoou-os, partiu-os e os deu aos discípulos para distribuí-los à multidão.»
“[Jesus] ergueu
os olhos ao céu, [em comunhão com Deus] pronunciou a bênção sobre eles...”,
dando graças, fazendo-os compreender que já não possuem este pão e estes
peixes, mas que são um dom de Deus e os dons de Deus devem ser
partilhados para multiplicar os efeitos da sua ação criadora.
Os
discípulos não são os proprietários, os donos deste pão, mas são servos cuja
tarefa é distribuí-lo à multidão. Não cabe a eles decidir quem é digno e quem
não é de tomar este pão, de participar ou não desta mesa; sua tarefa é apenas
distribuir.
Destaca-se a omissão de um rito importantíssimo na refeição judaica: a purificação. Por que Jesus não pede à multidão que se purifique para ser digna de participar dessa refeição? O evangelista antecipa a grande novidade de Jesus: enquanto a religião ensina que o ser humano deve purificar-se para ser digno de acolher o Senhor, com Jesus é acolher o Senhor que purifica o ser humano e o torna digno d'Ele.
Lucas 9,17: «Todos
comeram e ficaram satisfeitos. E ainda foram recolhidos doze cestos dos pedaços
que sobraram.»
O
evangelista conclui: “Todos comeram e ficaram satisfeitos”. Quando se
partilha, há abundância para todos.
É o último número que aparece neste Evangelho. Por que doze? Doze é o número das tribos que compõem Israel. O evangelista quer dizer que, através da partilha do pão, o problema da fome é resolvido. Enquanto as pessoas acumulam para si, guardam para si, há injustiça e há fome; quando o que se tem não é considerado exclusivamente seu, mas é partilhado para multiplicar a ação criadora do Pai, a saciedade e a abundância são criadas.
* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José
Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“O pão da vida, a comunhão, nos une a Cristo e aos
irmãos. E nos ensina a abrir as mãos para partir, repartir o pão.”
(Pe.
José Weber (nasc. 1932): presbítero
verbita e doutro em música sacra)
O que começou com uma suposta experiência mística e devocional, atribuída à Santa Juliana de Cornillon, uma freira agostiniana que teria tido revelações divinas sobre a importância da Eucaristia, no século XIII, hoje precisa ser ressignificado e contextualizado. O Evangelho proposto para o dia de hoje é bem claro: a Eucaristia traz em si o sentido da “comida partilhada”. Somente na partilha, na generosidade há abundância e alegria para todos!
É bom nos recordarmos dos banquetes, das refeições que Jesus teve em sua vida. Ele se fez acompanhar, nessas ocasiões, por pecadores, publicanos, pobres, mendigos, vagabundos, enfim, os últimos que tinham de ser os primeiros. Com esse gesto, Jesus deixou claro que tipo de sociedade ele desejava: não aquela que discrimina, marginaliza, descarta e separa as pessoas, mas aquela que integra, acolhe e provê a todos a sua dignidade. Afinal, não existe nada mais humilhante do que depender dos outros até para se ter um simples prato de comida! A caridade é, justamente, trabalhar para que todos, neste mundo, possam ter seus direitos e dignidade respeitados.
Um dos motivos do vertiginoso crescimento da Igreja, nos
séculos III e IV, foi justamente sua capacidade de acolhida, expressada
sobretudo nas refeições com todas as pessoas, em uma época de grande angústia e
insegurança. O cristianismo se distinguia das religiões tradicionais daquele
mundo, justamente por ter poucos cultos e ritos e ser uma religião mais
pessoal. Nas comunidades cristãs, as pessoas encontravam acolhida:
a) nas
refeições (eucaristias),
b) nas ajudas
às suas necessidades,
c) na segurança e proteção que sentiam.
Isso tudo deveria nos inspirar também hoje. A Eucaristia deve nos lembrar que o mistério da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus está envolto e contextualizado nas várias refeições que ele teve em toda a sua vida e no desejo de que todos os seres humanos sejam felizes, sejam tratados com igualdade e justiça. Uma Igreja mais acolhedora, em todos os sentidos, experimentará a adesão daqueles que Jesus sempre desejou incluir com seus gestos e atitudes.
«Ó Jesus,
sabemos que nada pode nutrir e confortar plenamente nossa vida senão a partir
do teu corpo e do teu sangue. Agradecemos-te e te bendizemos, Pai, pelo tesouro
imenso da Eucaristia, promessa suprema de teu amor misericordioso, selo da
nossa redenção, alegria e maravilha das nossas almas. Faz, te pedimos, que a
Eucaristia seja verdadeiramente o centro, o coração, o segredo da nossa vida, a
fonte de uma caridade que nos molde e se exprima em gestos e ações concretas.
Inspira a todos os responsáveis das nações coragem e perseverança nas
iniciativas de diálogo e nos gestos de paz. E tu, Jesus, una-nos estreitamente
a ti, a ponto de podermos também nós dizermos: “Seja feita, Pai, a tua vontade”.»
(Carlo Maria Martini. Corpo e Sangue di Cristo. In:
CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura di]. Lectio Divina per l’anno liturgico
C. Sui vangeli festivi. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 327)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – Corpo e Sangue di Cristo – 29 maggio 2016 – Internet: clique aqui (Acesso em: 19/06/2026).
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