«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Contra as três ''libidos'', resistir, resistir, resistir

Enzo Bianchi *
La Stampa
29-09-2013
Há três dominantes fundamentais que atuam sobre as esferas humanas: 
  • do amar - a dominante do eros (libido amandi), 
  • do ter - a dominante da posse (libido possidendi) e 
  • do querer - a dominante do poder e da afirmação de si (libido dominandi).
Não é possível a edificação de uma personalidade humana e espiritual robusta sem a luta interior, sem um exercício ao discernimento entre bem e mal, de modo a chegar a dizer "sins" convencidos e "nãos" eficazes:
  • "sim" ao que podemos ser e fazer para viver uma vida humana digna desse nome; 
  • "não" às pulsões idolátricas e egocêntricas que nos alienam e contradizem as nossas relações com nós mesmos, com os outros e com as coisas e, para quem crê, com Deus: relações chamadas a ser marcadas por liberdade e amor.
Nesse sentido, eu gostaria de analisar três dominantes fundamentais que atuam sobre as esferas humanas do amar, do ter e do querer: a dominante do eros (libido amandi), a dominante da posse (libido possidendi), a dominante do poder e da afirmação de si (libido dominandi).

[1ª] O homem encontra o sentido da sua vida no amar, e o eros é a pulsão fundamental que o habita, é parte integrante da sua fome de amor. No entanto, ele também deve encontrar limites, isto é, deve ser atravessado pela dinâmica do desejo. O eros deve aceitar a diferença e a distância: não é por acaso que o interdito primário fundamental em todas as culturas é o do incesto.

Em um tempo em que a imagem é galopante, enquanto se perdeu o valor do símbolo, o eros é mais espetacularizado do que vivido na sua profundidade. E talvez esteja aqui, na atual tirania da imagem, a raiz da idolatria da esfera erótica: a idolatria é construção de uma imagem para substituir a realidade, é fuga no imaginário, perdendo a adesão à realidade e evitando também as dificuldades, os sofrimentos, as angústias que ela traz consigo. Na imagem publicizada, a sexualidade é vivida sem angústias, sem conflitos: eis a ilusão sedutora do erotismo tornado ídolo, às custas de uma sexualidade despersonalizada, sem mais nenhum valor simbólico, sem o outro, sem o seu rosto. Nesse sentido, não se pode esquecer o imperante exercício da sexualidade virtual, consumida online, além da pornografia disponível na rede sob várias formas...

Como lutar nesse âmbito? O dominante do eros deve fugir da coisificação do outro e da perversão do desejo, para voltar a ser dinamismo de encontro e imersão no mistério de comunhão em que o homem e a mulher expressam o seu amor, até celebrá-lo naquela que João Paulo II ousava chamar de "liturgia dos corpos". Nesse caminho, é preciso se exercitar na ascese humana, na luta contra a despersonalização da pulsão e a reificação da sexualidade.

[2ª] O ser humano não tem só o direito, mas também o dever de viver uma relação com as coisas e com os bens: sem essa relação que lhe permite satisfazer a necessidade de pão, de casa e de roupas, o homem não constrói a si mesmo e não vive aquela plenitude que lhe cabe como homem e que a fé cristã lê como vocação para ser pastor, rei e senhor dentro da criação.

No entanto, nessa relação com as coisas, é grande a tentação idolátrica, a sedução do anseio pela posse. Mas quando a relação com as coisas se torna idolátrica? Quando a posse se torna um fim em si mesmo, justificando também qualquer meio a fim de obtê-lo, quando se quer afirmar "o meu" e "o teu" – essas frias palavras, diziam os Padres da Igreja! –, contradizendo uma elementar exigência de justiça e desconhecendo o destino universal dos bens. Há, portanto, um claro discernimento a ser feito: ou sermos guiados pelo dinamismo da comunicação e da comunhão, ou sermos alienados pela dominante da posse, tertium non datur (trad.: o terceiro excluído)**.

Neste tempo de crise da interioridade, de remoção da interioridade da esfera da existência, grande é a tentação de se deixar definir por aquilo que se tem, ou, correlativamente, por que se faz, em suma, por aquilo que é visível e quantificável, por aquilo que é exterior: pela imagem que o outro vê. Cada vez mais, nessa pseudocultura, o outro é entendido não como o diferente com o qual se possa comunicar, mas como espectador: em particular espectador do meu sucesso, da minha riqueza.

Certamente, o anseio por possuir responde a uma forma de angústia e de luta contra a morte, a uma busca de onipotência e de tranquilização que vêm da sensação de poder adquirir tudo, eliminar as necessidades satisfazendo-as imediatamente. Afinal, vivemos em um canto do mundo em que é possível a satisfação de qualquer necessidade, mas em que se perdeu o sentido da autêntica necessidade, da necessidade real: muitas vezes, as necessidades são induzidas, criadas, mas exigem, com toda a força do ídolo, uma força que repousa em uma radical inconsistência, a satisfação.

Começa-se a desejar a posse de uma coisa e, pouco a pouco, o anseio por possuir leva a não considerar os outros: quer-se tudo e já, mesmo às custas dos outros. Esse aspecto surge com força particular da constatação do sentimento generalizado de irresponsabilidade com relação àqueles que virão depois de nós. O "tudo e já" se torna também "tudo é meu", "tudo é nosso".

Aqui, a luta exige da parte de cada um a capacidade de pôr uma distância entre si mesmo e as riquezas, para não cair no terrível equívoco daqueles que se deixam definir por aquilo que possuem. É preciso sair da lógica estreita e angustiada do "meu" e do "teu", para entrar na liberdade da partilha e da comunhão dos bens.

[3ª] A última tentação "mãe" é a do poder, da afirmação de si sobre os outros: a libido dominandi, talvez o ídolo que requer a adoração mais total, quando chega até a exigir o sangue dos outros nossos irmãos e irmãs em humanidade. Não por acaso, para o Apocalipse de João, esse ídolo chega a assumir os traços do próprio Deus (cf. Ap 13), a se travestir de Deus para ver voltadas a si a adesão e a adoração que devem ir somente a Deus.

Ora, é evidente que o homem é um ser-em-relação e, por conseguinte, exerce uma influência sobre os outros, pelos quais, por sua vez, é influenciado: desse jogo relacional brota a criação de uma vida comum, a construção de uma cidade, de uma polis, a edificação de uma convivência. Mas quando se passa da lógica da inter-relação e da troca – em que a presença dos outros é vista como positiva e sentida como essencial – a uma afirmação de si contra ou acima dos outros, quando se transforma o próprio eu em absoluto, quando nos deixamos inebriar pela sede de poder, então se precipita na idolatria.

Se não for freada e se não receber um limite, a libido dominandi se torna o ídolo mais devastador em nível social e político. Segundo Julia Kristeva, ele é a forma culminante do narcisismo e leva o indivíduo ou o sujeito político ou institucional a olhar para si mesmo como para Deus. Mas o resultado sociopolítico de um narcisismo extremo é o poder totalitário, ditatorial. Uma instituição, um partido, um sistema que faça de si mesmo e da sua própria sobrevivência o único fim ou, melhor, que se considere depositário do único e verdadeiro bem para todos, bem que, portanto, poderá e deverá ser imposto a todos, torna-se liberticida. Isto é, incapaz de aceitar que haja quem tome e mantenha uma distância dele, que conserve uma alteridade, uma diversidade.

Não por acaso, uma sociedade como a nossa, em forte condição de instabilidade e de crise, carente de ideais coletivos, esfacelada no seu tecido social, com perda de confiança nas instituições políticas, vê surgir o culto à personalidade e crescer os fenômenos de personalização e de espetacularização de todos os poderes. E torna-se assim terreno de possíveis soluções políticas "idolátricas".

Diante desses riscos decisivos, a luta interior é o caminho através do qual, no espaço da liberdade e do amor, aprende-se a arte da resistência à tentação e da arte da escolha. Ter um coração unificado, um coração puro, sensível e capaz de discernimento, um coração que cuide e gere pensamentos de amor: eis o objetivo do combate e da resistência interior, arte realmente apaixonante. É necessária uma grande luta anti-idolátrica para sermos livres para servir e amar cada homem, cada mulher, cada criatura; em suma, para chegar a fazer da nossa vida humana uma obra-prima.

* Enzo Bianchi é monge e teólogo italiano.  Prior e fundador da Comunidade de Bose, na Itália.

** A lei do terceiro excluído (em latim resumida na expressão tertium non datur), é um princípio cujo enunciado consiste no seguinte: "ou A é x ou não é x e não há terceira possibilidade". Uma proposição só pode ser verdadeira se não for falsa e só pode ser falsa se não for verdadeira, porque o terceiro valor é excluído.

Tradução do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Quarta-feira, 2 de outubro de 2013 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/524266-contra-as-tres-libidos-resistir-resistir-resistir-artigo-de-enzo-bianchi

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