19º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 12,32-48
Alberto
Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
O verdadeiro santuário de Deus é
uma comunidade e indivíduos que sabem servir e se doar
No capítulo 12 do Evangelho de Lucas o evangelista apresenta a nova realidade do reino. Se os discípulos cuidarem de seus irmãos, permitirão que Deus, como Pai, cuide de seu bem e de seu bem-estar. Aqui, agora, o evangelista nos apresenta os versículos finais deste capítulo.
Lucas 12,32:** «Não tenhas
medo, pequeno rebanho, pois agradou ao vosso Pai dar-vos o Reino.»
Jesus tira toda ansiedade, toda preocupação: “Não tenhas
medo”. É,
Mesmo, minúsculo o rebanho. O termo “pequeno” é micron (grego), significa algo bastante inconsistente. O evangelista contrasta a pequenez, o pequenino - quase microscópico - rebanho, a comunidade que segue Jesus, com a grandeza do Reino de Deus, do plano de Deus para a humanidade.
Lucas 12,33: «Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei para vós bolsas que
não se estraguem, um tesouro no céu que nunca se acabe, aonde não chega o
ladrão, nem a traça corrói.»
Então Jesus com três imperativos passa a definir as
características que tornam possível a realidade deste Reino. O primeiro é “Vendei
vossos bens”. Não é um convite, é um imperativo. Então venda o que
você tem, “e dai esmola”, ou seja, com o que você obteve, faça o bem
a quem precisa. Em seguida, está a mudança, a nova realidade do Reino:
“Fazei para vós bolsas que não se estraguem, um tesouro no céu que nunca se
acabe”.
Sabemos que o termo “céu”, na linguagem da época,
significa “em Deus”. O que Jesus quer dizer?
Jesus diz que, à medida que o crente experimenta que dar não
significa perder, ele deposita sua confiança no Pai, isso o liberta das
preocupações materiais e ele se enche de uma confiança crescente na ação do
Senhor.
Portanto, “fazei um tesouro seguro no céu”, isto é, em Deus, “aonde não chega o ladrão, nem a traça corrói”. Portanto, esse tesouro está além de qualquer preocupação.
Lucas 12,34: «Onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso
coração.»
E, então, aqui está a declaração clara de Jesus: “Onde
estiver o vosso tesouro (isto é, onde você deposita sua confiança, o que
lhe dá segurança), aí estará também o vosso coração”.
O coração, na cultura judaica, não é a sede do afeto como na nossa cultura ocidental, o coração significa a mente, a consciência, então onde estiverem seus pensamentos – diz Jesus – também estará sua vida. Então, para onde você direcionou seus pensamentos, lá estará toda a sua vida, se você pensar no bem dos outros, essa será sua riqueza segura.
Lucas 12,35: «Ficai cingidos, em prontidão, com as lâmpadas acesas.»
Então Jesus novamente, com um imperativo, – e aqui está
uma imagem muito importante que, se bem compreendida, muda a relação com
Deus e, consequentemente, a relação com os irmãos –, diz: “Estejais
prontos, com vossas roupas apertadas nos quadris”. Por que essa recomendação?
A vestimenta comum dos homens, na Palestina, era uma túnica até o tornozelo.
Quando era preciso sair e, principalmente, quando era preciso trabalhar,
essa túnica era um empecilho, por isso ela era amarrada na cintura.
Então Jesus pede que a característica, o que
distingue a sua comunidade de discípulos, o seu traço distintivo,
seja esta ATITUDE DE SERVIÇO. Não um serviço qualquer, mas um serviço que se
torna o traço distintivo da pessoa e da comunidade.
E então Jesus acrescenta: “com as lâmpadas acesas”. Por
que essa referência às lâmpadas acesas? A referência é ao livro do Êxodo
onde, em uma tenda, havia a presença do Senhor, e havia a exigência de que uma
lâmpada deveria estar sempre acesa [Ex 27,20-21]. Com esta preciosa indicação, ...
... Jesus diz que o indivíduo e a comunidade que se manifestam no SERVIÇO são o verdadeiro santuário onde Deus revela a sua presença.
Lucas 12,36: «Sede como quem está esperando seu senhor voltar de uma
festa de casamento, para lhe abrir a porta, logo que chegar e bater.»
Assim como Javé era o noivo de seu povo, Jesus é o noivo da nova comunidade. Jesus não se comporta como o dono que entra, abre bem a porta. Ele bate. É um grande sinal de respeito e gentileza para com os outros.
Lucas 12,37-38: «Bem-aventurados os servos que o Senhor encontrar acordados
quando chegar. Em verdade, vos digo: ele mesmo se cingirá, os fará assentar-se
à mesa e passará a servi-los. E caso ele chegue pela meia-noite ou já perto da
madrugada, bem-aventurados serão, se assim os encontrar!»
E, aqui, Jesus proclama algo inconcebível para a cultura da
época. Jesus proclama “bem-aventurados”, isto é, extraordinariamente e
plenamente felizes, “os servos que o senhor encontrar acordados quando
chegar”. Então essa atitude de serviço não é algo que vale a pena de
vez em quando, é uma atitude que continuamente distingue e identifica a
comunidade de Jesus.
O que Jesus pediu que
seus discípulos tivessem como distintivo, o serviço, é o seu distintivo.
Jesus, em sua comunidade, é quem serve. E aqui está algo inédito. Jesus
se apresenta como o Senhor, o dono da casa e, em vez de se sentar à mesa e ser
servido pelos servos, servirá. Jesus diz: “Ele os fará assentar-se à mesa
(literalmente deitar-se à mesa) e passará a servi-los”. Esta é a
novidade de Jesus. Jesus, no evangelho de Lucas, na última ceia, ele faz esta
afirmação: “Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve” [Lc
22,27].
Esta imagem do evangelista é uma alusão à Eucaristia. A
Eucaristia não é um culto, mas é a comunidade que, continuamente em
atitude de serviço, é convidada a descansar por Jesus, para restaurá-la,
para recarregá-la com uma nova carga de seu amor.
O próprio Jesus passa a servir, esta é a imagem que o
evangelista nos apresenta. Portanto, não uma comunidade a serviço de Deus, mas Deus
que se põe a serviço da comunidade.
Então o culto da comunidade cristã não é dirigido a Deus, ao Pai,
mas do Pai, por meio de Jesus, passa aos homens para que se manifestem
continuamente por meio dessa atitude de serviço.
Lucas 12,39-48: «Sabei isto: se o dono da casa soubesse a que hora viria o
ladrão, não deixaria que sua casa fosse arrombada. Também vós, ficar
preparados, pois na hora em que menos pensais virá o Filho do Homem. Então
Pedro disse: “Senhor, é para nós ou para todos, que contas essa parábola?” O
Senhor respondeu: “Quem é o administrador fiel e prudente, que o senhor
encarregará dos servos da casa para lhes dar a alimentação na hora certa?
Bem-aventurado aquele servo que o senhor, ao chegar, encontrar agindo assim!
Verdadeiramente, vos digo: ele o encarregará de todos os seus bens. Porém, se
outro servo pensar consigo mesmo: ‘Meu senhor está demorando’ e começar a bater
nos criados e nas criadas, a comer, a beber e a embriagar-se, então o senhor
daquele servo chegará num dia em que não o espera e numa hora que desconhece, e
o aniquilará e lhe destinará à sorte dos infiéis. Quanto ao servo que,
conhecendo a vontade do senhor, nada preparou, nem agiu conforme a sua vontade,
receberá muitas chicotadas. O servo, porém, que, não conhecendo essa vontade,
fez coisas que merecem castigo, receberá poucas chicotadas. Todo aquele a quem
muito foi dado, muito lhe será pedido; se a alguém muito se confiou, muito mais
se exigirá!”»
E Jesus continua com esta atitude de disponibilidade que
torna reconhecível a sua comunidade. Essa presença de Jesus em sua comunidade,
esse súbito aparecimento dele não tem prazo, é de repente. O que significa
de repente?
Sempre que há situações de necessidade, de necessidade dos outros, a
comunidade deve estar pronta.
Mas também há o lado negativo. Jesus diz que se na
comunidade, em vez de servir uns aos outros, se na comunidade não se tratam com
amor e respeito, mas com arrogância, com prepotência, com desejo de poder,
escravizam os outros por conveniência própria, Jesus usa uma expressão
terrível. Ele diz “quando o senhor chegar” – a expressão é muito
forte – “ele o dividirá em dois” [na tradução da CNBB consta “aniquilará”].
Ser dividido em dois era a pena para os traidores.
Por isso, Jesus adverte que aqueles da comunidade que, ao invés de
servir, se colocar a serviço dos outros, pretendem comandar, dominar, agir com
arrogância, para Jesus são traidores que nada têm a ver com sua realidade.
* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 5. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2021.
Reflexão PessoalPe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“Quem
não vive para servir, não serve para viver.”
(Mahatma Gandhi: 1869-1948 – líder
pacifista indiano que lutou pela independência da Índia e pela paz entre hindus
e muçulmanos)
A questão mais importante de todas, quando se trata de religião, é uma só:
* Cremos,
de verdade, naquilo que professamos com nossos lábios?
*
Acreditamos, de fato, em Deus e em seu Reino?
* Ou
possuímos um tipo de “fé” que poderíamos denominar de “cultural”,
fruto do ambiente, produto da sociedade na qual vivemos?
Eu ponho essa questão, aqui, desde o início porque Jesus insiste, demasiadamente, em uma ideia: “Não tenhais medo!” O medo é fruto da falta de fé! Medo é produto da desconfiança! Medo é uma atitude de covardia! Daí, Jesus não tolerar o medo.
E qual é a garantia que
Jesus nos dá para não termos medo? No Evangelho deste domingo, ele diz: “agradou
ao vosso Pai dar-vos o Reino”. É preciso ficar claro uma coisa: o Reino não
é uma promessa! O Reino não é algo para o futuro, para o além desta vida! O
Reino é Deus mesmo! O Reino é Deus presente, atuante, realizando a sua Vontade,
aqui, nesta terra! Portanto, quando Jesus diz que o Pai deu para nós o Reino, é
o mesmo que dizer: “Deus é vosso”, “Deus se entregou por vós”.
Como afirma J. M. Castillo: “O dom de Deus a
seus fiéis é Deus mesmo”.
Então, se temos a
Deus, devemos nos perguntar:
* por
que temos medo?
* Por
que temos tanta dificuldade em desapegar-nos de nossos bens, nosso dinheiro,
nossas riquezas?
* Por
que depositamos nossa segurança nos tesouros acumulados, aqui, nesta terra?
* Por
que temos a vontade de dominar, comandar e nos sobrepor aos outros?
* Por
que queremos mais ser servidos do que servir?
O que Jesus nos pede é aquilo que, ele mesmo, faz: SERVIR AOS OUTROS. Deus se desfaz em AMOR e SERVIÇO à humanidade, enquanto que, nós, seres humanos, temos muitíssima dificuldade em fazermos o mesmo! Por quê? Porque não temos fé! Não acreditamos, para valer, que Deus esteja aqui, que ele esteja no comando da vida, do mundo, da história! Não nos sentimos seguros neste mundo, porque somos, por demais, apegados ao que é “nosso”, à propriedade, aos bens, ao material. E isso é muito fugaz! Isso tudo, como Jesus frisa no Evangelho deste domingo, pode ser levado por ladrões ou corroído pelas traças e vermes!
No fundo, temos dificuldade
em crer naquilo que o Evangelho tanto insiste: sermos de Deus, de verdade!
Pertencermos a ele e a nada mais! Se fôssemos, verdadeiramente, de Deus
teríamos:
*
confiança,
*
tranquilidade,
*
paz,
* segurança,
*
amor e alegria!
* Enfim,
seríamos bons cidadãos, boas cidadãs, pessoas comprometidas com o bem de todos
e não, apenas, de alguns!
* Seríamos tão humanos como foi Jesus: Deus humanizado em seu Filho!
Afinal, nos sentimos herdeiros, portadores, de fato, do Reino de Deus nesta terra? Nossas comunidades vivem e respiram, de verdade, esse clima do Reino? Se, assim, não for, não somos comunidade de Jesus!
«Que a
mesma fé que moveu Abraão a viver na terra como peregrino arda em nossos
corações, ó Pai, e não deixe que nossa lâmpada se apague, para que, vigilantes
na espera da tua hora, sejamos introduzidos por ti na pátria eterna. Amém.»
(Oração da Coleta – 19º Domingo do Tempo Comum – Ano C –
Missal italiano)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – XIX Domenica del Tempo Ordinario – Anno C – 11 agosto 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 03/08/2022).
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