«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

É bom saber...

 O contexto da ocupação israelense 

Ilan Pappe

Historiador e diretor do Centro Europeu de Estudos da Palestina da Universidade de Exeter (Inglaterra). Autor, entre outros livros, de Dez mitos sobre Israel (Ed. Tabla) 

Tropas de Israel em Gaza, após uma destruição quase absoluta da parte norte da cidade

A des-historicização do que está acontecendo ajuda Israel a seguir políticas genocidas em Gaza

Em 24 de outubro, uma declaração do Secretário-Geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, causou uma forte reação de Israel. Ao se dirigir ao Conselho de Segurança da ONU, o chefe da ONU disse que, embora condenasse com veemência o massacre cometido pelo Hamas em 7 de outubro, queria lembrar ao mundo que ele não ocorreu em um vácuo. Ele explicou que não se pode dissociar nossa preocupação com a tragédia que ocorreu naquele dia e os 56 anos de ocupação israelense de territórios

O governo israelense não demorou a condenar a declaração. Autoridades israelenses exigiram a renúncia de Antonio Guterres, alegando que ele apoiou o Hamas e justificou o massacre. A mídia israelense se juntou ao movimento, afirmando, entre outras coisas, que o chefe da ONU “demonstrou um grau impressionante de falência moral”. 

Essa reação sugere que um novo tipo de alegação de antissemitismo pode estar surgindo. Até 7 de outubro, Israel pressionava para que a definição de antissemitismo fosse ampliada para incluir críticas ao Estado israelense e questionamentos sobre a base moral do sionismo. Agora, contextualizar e historicizar o que está acontecendo também pode provocar acusação de antissemitismo

A des-historicização desses eventos ajuda Israel e os governos do Ocidente a adotar políticas que eles evitavam no passado devido a considerações éticas, táticas ou estratégicas. 

Assim, o ataque de 7 de outubro é usado por Israel como pretexto para praticar políticas genocidas na Faixa de Gaza.

É também um pretexto para os Estados Unidos tentarem reafirmar sua presença no Oriente Médio. E é um pretexto para alguns países europeus violarem e limitarem as liberdades democráticas em nome de uma nova “guerra contra o terror”. 

Palestina em 1947, antes da criação do Estado de Israel: propriedades fundiárias judaicas (cor laranja escuro) e propriedades fundiárias dos palestinos e públicas (cor laranja claro) 

Religião une-se à política para justificar a ocupação 

Contudo, há vários contextos históricos para a situação atual em Israel-Palestina que não podem ser ignorados. O contexto histórico mais amplo remonta a meados do século XIX, quando o cristianismo evangélico no Ocidente transformou a ideia do “retorno dos judeus” em um imperativo religioso milenar e defendeu o estabelecimento de um Estado judeu na Palestina como parte do caminho que levaria à ressurreição dos mortos, ao retorno do Messias e ao fim dos tempos. 

A teologia tornou-se política no final do século XIX e nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial por dois motivos.

* Em primeiro lugar, ela serviu aos interesses daqueles que, na Grã-Bretanha, desejavam desmantelar o Império otomano e incorporar parte dele ao Império britânico.

* Em segundo lugar, repercutiu entre os membros da aristocracia britânica, tanto judeus quanto cristãos, que se encantaram com a ideia do sionismo como uma panaceia para o problema do antissemitismo na Europa Central e Oriental, que havia produzido uma onda indesejada de imigração judaica para a Grã-Bretanha. 

Quando esses dois interesses se fundiram, eles levaram o governo britânico a emitir a famosa – ou infame – Declaração de Balfour em 1917

Os pensadores e ativistas judeus que redefiniram o judaísmo como nacionalismo esperavam que essa definição protegesse as comunidades judaicas do perigo existencial na Europa, focando na Palestina como o espaço almejado para o “renascimento da nação judaica”

No processo, o projeto cultural e intelectual sionista transformou-se em um projeto de colonização por povoamento, cujo objetivo era judaizar a Palestina histórica, desconsiderando o fato de que ela era habitada por uma população nativa

Por sua vez, a sociedade palestina, bastante pastoril naquela época e em seu estágio inicial de modernização e construção de uma identidade nacional, produziu seu próprio movimento anticolonial. Sua primeira ação significativa contra o projeto de colonização sionista ocorreu com a Revolta de al-Buraq, em 1929, e não cessou desde então. 

Plano de Partilha da Palestina segundo a ONU (1947) - presente feito com a terra alheia: Estado de Israel (área em azul), zona internacional (amarelo com grelha) e Estado Árabe (cor bordô).

Um escândalo jamais condenado: limpeza étnica 

Outro contexto histórico relevante para a crise atual é a limpeza étnica da Palestina em 1948, que incluiu a expulsão forçada de palestinos para a Faixa de Gaza a partir de vilarejos em cujas ruínas foram construídos alguns dos assentamentos israelenses atacados em 7 de outubro. Esses palestinos desenraizados faziam parte dos 750.000 palestinos que perderam suas casas e se converteram em refugiados

Essa limpeza étnica foi percebida pelo mundo, mas não foi condenada. Como resultado, Israel continuou a recorrer à limpeza étnica como parte de seu esforço para garantir o controle total da Palestina histórica com o menor número possível de palestinos nativos. Isso incluiu a expulsão de 300.000 palestinos durante e após a guerra de 1967 e a expulsão de mais de 600.000 da Cisjordânia, de Jerusalém e da Faixa de Gaza desde então. 

Há 50 anos, um pesadelo sem fim 

Há também o contexto da ocupação israelense da Cisjordânia e de Gaza. Nos últimos 50 anos, as forças de ocupação impuseram uma punição coletiva contínua aos palestinos nesses territórios, expondo-os à perseguição constante dos colonos e das forças de segurança israelenses, e prendendo centenas de milhares deles

Desde a eleição do atual governo fundamentalista messiânico israelense em novembro de 2022, todas essas políticas severas atingiram níveis sem precedentes. O número de palestinos mortos, feridos e presos na Cisjordânia ocupada disparou. Ainda por cima, as políticas do governo israelense em relação aos locais sagrados cristãos e muçulmanos em Jerusalém se tornaram ainda mais agressivas. 

Gradual despossessão da terra dos palestinos por parte de Israel desde 1946 até o presente.

Explicando os mapas da imagem acima:

Mapa 1: Após a Segunda Guerra Mundial, a propriedade da terra em Israel-Palestina era de aproximadamente 6% judaica e 94% palestina. Isto, apesar da emigração maciça de judeus para a região nas décadas anteriores.

Mapa 2: O Plano de Partilha da ONU de 1947 atribuiu 53% das terras a um estado de maioria judaica e 47% das terras a um estado de maioria palestina. Neste momento, os judeus representavam apenas 33% da população de Israel-Palestina. Os países ocidentais votaram a favor do Plano, enquanto quase todos os países asiáticos e africanos votaram contra.

Mapa 3: No conflito armado de 1948, Israel derrotou os seus oponentes e confiscou vastas quantidades de terras destinadas ao Estado de maioria palestina. Pelo menos 700.000 palestinos tornaram-se refugiados entre 1947-1949, mas Israel nunca permitiu o regresso destes refugiados. Em 1967, Israel invadiu a Cisjordânia e Gaza, e desde então tem controlado militarmente estes territórios.

Mapa 4: Com a sua ocupação militar da Cisjordânia, Israel continua a confiscar terras com colônias ilegais exclusivamente judaicas (também conhecidas como “assentamentos”), estradas exclusivas para judeus, zonas de “segurança” e 700 km de extensão. Muralha. Os palestinos estão separados das suas terras, das suas escolas, dos serviços de saúde e das comunidades palestinas vizinhas pelo que alguns chamam agora de “matriz de controle” de Israel.

Faixa de Gaza: uma prisão a céu aberto 

Por fim, há também o contexto histórico do cerco de 16 anos a Gaza, onde quase metade da população é composta por crianças. Em 2018, a ONU já estava alertando que a Faixa de Gaza se tornaria um lugar impróprio para humanos até 2020. 

É importante lembrar que o cerco foi imposto em resposta às eleições democráticas vencidas pelo Hamas após a retirada israelense unilateral de Gaza. Ainda mais importante é retroceder à década de 1990, quando a Faixa de Gaza foi cercada por arame farpado e desconectada da Cisjordânia ocupada e de Jerusalém Oriental após os Acordos de Oslo. 

O isolamento de Gaza, a cerca ao seu redor e o aumento da judaização da Cisjordânia foram uma indicação clara de que, aos olhos dos israelenses, Oslo significava uma ocupação por outros meios, não um caminho para a paz genuína. 

Israel controlava os pontos de entrada e saída do gueto de Gaza, monitorando até mesmo o tipo de alimento que entrava, às vezes limitando-o a um determinado número de calorias.

O Hamas reagiu a esse cerco debilitante lançando foguetes em áreas civis de Israel. 

O governo israelense alegava que esses ataques eram motivados pelo desejo ideológico do movimento de matar judeus – uma nova forma de nazismo – desconsiderando tanto o contexto da Nakba quanto o cerco desumano e bárbaro imposto a dois milhões de pessoas e a opressão de seus compatriotas em outras partes da Palestina histórica

O Hamas, em muitos aspectos, foi o único grupo palestino que se comprometeu a retaliar ou responder a essas políticas. No entanto, a maneira como ele decidiu reagir pode levar à sua própria ruína, pelo menos na Faixa de Gaza, e também pode fornecer um pretexto para uma maior opressão do povo palestino. 

A selvageria de seu ataque não pode ser justificada de forma alguma, mas isso não significa que não possa ser explicada e contextualizada. Por mais terrível que tenha sido, a má notícia é que não se trata de um evento que mude o jogo, apesar do enorme custo humano de ambos os lados. O que isso significa para o futuro? 

Muros e torres de vigilância cercam a inteira Gaza, tudo o que entra e sai e muito controlado

O quer esperar para o futuro? 

Israel permanecerá um Estado estabelecido por um movimento de ocupação colonial, que continuará a influenciar seu DNA político e a determinar sua natureza ideológica. Isso significa que, apesar de seu autorretrato como a única democracia do Oriente Médio, ele continuará sendo uma democracia apenas para seus cidadãos judeus

A luta interna em Israel entre o que se pode chamar de Estado da Judeia – o Estado colonizador que deseja que Israel seja mais teocrático e racista – e o Estado de Israel – que deseja manter o status quo – que movimentou Israel até 7 de outubro, entrará em erupção novamente. De fato, já há sinais de seu retorno. 

Israel continuará a ser um Estado de apartheid ― conforme declarado por várias organizações de direitos humanos ― independentemente do desenrolar da situação em Gaza.

Os palestinos não desaparecerão e continuarão sua luta pela libertação, com muitas sociedades civis a seu lado, ao mesmo tempo em que seus governos apoiam Israel e lhe concedem uma imunidade excepcional. 

A saída continua a mesma: uma mudança de regime em Israel que traga direitos iguais para todos, do rio ao mar, e permita o retorno dos refugiados palestinos. Caso contrário, o ciclo de derramamento de sangue não terá fim. 

Artigo traduzido do inglês por Pedro Paulo Zahluth Bastos. A versão original encontra-se aqui.

Fonte: a terra é redonda – Colaboradores/História/Oriente Médio – Terça-feira, 7 de novembro de 2023 – Internet: clique aqui  (acesso em: 09/11/2023).

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