«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Padres da ultradireita se envolvem na política

 Religião e Golpismo no Brasil: o rosto católico da necrorreligião 

Jorge Alexandre Alves

Sociólogo, professor do IFRJ e integra o Movimento Nacional Fé e Política 

 Uma articulação perversa entre religião, capital financeiro e militarismo

Nestes dias, o país foi sacudido por uma sequência de ações da Polícia Federal. Algo sem precedentes na história republicana. A operação Tempus Veritatis [= Tempo da Verdade] prendeu assessores diretos do ex-presidente da República e recolheu passaportes de importantes figuras das Forças Armadas. Generais tiveram celulares apreendidos. 

O ineditismo dos fatos revela que os militares jamais estiveram, de fato, subordinados ao poder civil na história do Brasil. Quando muito, houve uma coexistência pacífica, embora tensa, muito longe da normalidade que se imagina existir nas sociedades democráticas. Diferente de nossos vizinhos argentinos, nunca punimos cúpulas militares envolvidas em conspirações contra o Estado de Direito

As investigações que levaram à operação da PF desnudaram nomes das mais diversas origens, que estiveram diretamente envolvidos na trama golpista. Se tivessem sido bem sucedidos, muito provavelmente o país teria entrado em uma espiral de autoritarismo cujos efeitos seriam terríveis, sobretudo para o nosso povo mais sofrido das favelas e periferias Brasil afora. 

A tentativa de instaurar um regime de exceção por parte da extrema-direita é efeito da articulação perversa entre religião, capital financeiro e militarismo. Vem sendo feita com sucesso desde o tempo em que o capitão golpista era um obscuro deputado federal, então conhecido apenas por suas bravatas. 

Aqui se destaca uma figura cuja presença em artimanhas políticas que atacam a democracia causaria estranheza aos desavisados. Trata-se de um padre ligado à Diocese de Osasco, José Eduardo de Oliveira e Silva, cuja vetusta aparência de professor doutor em teologia moral esconde sua atuação nas sombras contra as causas populares e a democracia.

Padre José Eduardo, da Diocese de Osasco (SP), em culto religioso fazendo uso do símbolo nacional, a bandeira brasileira, fé e religião se misturam!

Este clérigo sempre procurou demonstrar proximidade com o poder religioso e com autoridades eclesiásticas. Há cinco anos, falou na Suprema Corte como representante da CNBB, juntamente com o então bispo de Rio Grande e atual secretário-geral da conferência dos bispos. Se pronunciaram acerca da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que tratava da descriminalização do aborto no Supremo Tribunal Federal. 

A conexão entre este padre e o referido bispo, apresentada naquela oportunidade foi apenas eventual ou revela maior comunhão de posicionamentos, seja no campo teológico, moral, social e político? Se a resposta for positiva, a Igreja tem um sério problema. Ora, o episcopado brasileiro alçou à condição de voz do catolicismo brasileiro uma autoridade eclesiástica que, no mínimo, tem alguma proximidade com sacerdotes dados a flertes com o autoritarismo

O círculo de amizades deste padre de Osasco é revelador das conexões íntimas entre segmentos do ultraconservadorismo católico com a extrema-direita. O site The Intercept revelou, em uma reportagem investigativa do ano de 2021 [cf.: aqui], a atuação deste mesmo padre de Osasco, associado a um espanhol e a um casal de ultracatólicos ligados a grupos antiaborto, chamados pró-vida

Ignacio Arsuaga, espanhol, criador da "Hazte Oir" ("Se Faça Ouvir", em espanhol), posteriormente, transformada na "CitizenGo" (algo como "Vamos, Cidadão", em inglês). Ele veio ao Brasil assessorar os grupos católicos ultraconservadores e de direita

O estrangeiro aliou-se a esse clérigo há mais de dez anos para disseminar técnicas de comunicação digital, arrecadação de recursos e arregimentação de pessoas com a finalidade de constituir grupos articulados em uma lista de pautas conservadoras. Estes deveriam ser preparados para produzir a guerra cultural hoje em curso, que gira em torno da:

* chamada agenda moral dos costumes,

* da luta contra um suposto comunismo no Brasil e

* dos ataques a tudo que possa remeter à Teologia da Libertação. 

O casal pró-vida é muito próximo de uma poderosa organização católica internacional, originária também na Espanha, cujas origens se confundem com a ascensão do fascismo espanhol ao poder, após a guerra civil de 1936. Um dos cônjuges se notabilizou como influenciador nas redes digitais e esteve presente na estrutura do ministério comandado pela atual senadora Damares Alves, no governo anterior. 

Portanto, este sacerdote foi o precursor das estratégias adotadas pela extrema-direita no Brasil muito antes de Jair Bolsonaro ser ungido como o messias político destes setores. Logo, o religioso em questão foi pioneiro no treinamento de pessoas e grupos de radicais católicos no que se refere às técnicas de guerrilha digital, a produzir na internet ataques a adversários, táticas de intimidação física baseadas na provocação e na disseminação de conteúdos mentirosos (fakes news) nas redes sociais. 

São as mesmas artimanhas usadas para difamar o trabalho profético do Padre Júlio Lancelotti com a população de rua em São Paulo. Não é à toa. Padre Júlio sintetiza em sua pessoa e na sua atuação tudo aquilo que o fundamentalismo católico e a extrema-direita mais detesta. 

Ora, foi bebendo dessa fonte que a equipe de comunicação do capitão ex-presidente desenvolveu as estratégias bem sucedidas que transformaram um inexpressivo deputado do baixo clero do Congresso Nacional em campeão de votos em 2018. Dessa forma, passa pelo padre de Osasco a expertise que depois foi tenazmente aplicada pelo famoso “Gabinete do Ódio, que quase reelegeu seu messias político. 

ALLAN DOS SANTOS - jornalista ligado a grupos católicos de ultradireita e ao bolsonarismo

Foram graças às técnicas ensinadas no Brasil por este clérigo que figuras como Allan dos Santos, hoje foragido da justiça e radicado Estados Unidos, pôde se tornar um dos maiores influenciadores digitais da extrema-direita. Não é à toa que ele esbraveja raivosamente nas redes sociais contra a operação da Polícia Federal

Os cursos de formação dados pelo sacerdote e seus aliados tiveram influência importante no surgimento ou reinvenção de centros e institutos católicos de matriz conservadora. Tais agremiações levam nomes de santos fundadores de várias ordens e congregações católicas. 

Sendo juridicamente associações civis de direito privado, não estariam sob a jurisdição direta das autoridades eclesiásticas. O que é muito conveniente para segmentos católicos e certa parcela do episcopado brasileiro que, veladamente, se opõem ao magistério do Papa Francisco. 

Essas organizações acabam por fazer o serviço sujo que os antagonistas do pontífice não podem fazer publicamente. Com volumosos recursos financeiros à disposição, investem pesado em “videocasts”, cursos de formação on line e documentários, produzindo material em alta resolução de vídeo, angariando milhares de seguidores, de forma particular no YouTube. 

Entretanto, tais associações nada tem a ver com mensagem nem com o carisma dos santos, tratando-se de uma tentativa de usurpação de seus nomes e legados. Este uso ocorre à revelia das próprias congregações religiosas. 

Isso posto, é necessário fazer uma observação importante. Para além do senso comum, parcelas significativas da sociedade parecem imputar ao segmento neopentecostal do campo cristão evangélico a responsabilidade sobre a força política que a direita mais radical adquiriu no Brasil. 

Essa percepção grosseira, que associa diretamente o neopentecostalismo e ignora outros segmentos do fundamentalismo cristão, como os ultracatólicos, é míope. Segmentos importantes da esquerda e dos movimentos sociais reproduzem essa narrativa equivocada. 

É preciso reconhecer que o pentecostalismo, seja ele católico ou evangélico, não tenha produzido grupos que abraçaram o extremismo no campo da fé. Muito menos ignorar que sua cosmovisão por vezes se aproxime do fundamentalismo religioso, inclusive traindo suas propostas religiosas originais. Contundo, generalizações e simplismos embotam nossa capacidade de leitura dos fatos. 

Aqui vale ressaltar o primoroso trabalho desenvolvido por Magali do Nascimento Cunha no campo da comunicação. Seu trabalho revela o papel de setores do protestantismo histórico na construção de um projeto conservador, cujo objetivo seria fazer do Brasil uma nação cristã evangélica. 

MAGALI DO NASCIMENTO CUNHA - pesquisa o envolvimento dos evangélicos e neopentecostais com a política e as mídias sociais no Brasil, dentre seus livros, destacamos: MyNews Explica - Evangélicos na Política Brasileira (Actual - 2022); Do púlpito às mídias sociais: evangélicos na política e ativismo digital (Appris - 2019); A Explosão Gospel: um Olhar das Ciências Humanas Sobre o Cenário Evangélico no Brasil (Mauad X - 2009)

Esses segmentos operam no campo das ideias e trazendo recursos financeiros ao país. Possuem uma rede de universidades e de escolas básicas, atuam no poder judiciário e articulam a injeção de recursos financeiros oriundos sobretudo de grupos evangélicos norte-americanos. 

São mais discretos publicamente do que seus pares de matriz pentecostal, mas são muito influentes. O último ministro da educação do governo passado foi vice-reitor de importante universidade privada mantida por uma denominação histórica do protestantismo, além de ser pastor desta mesma confissão. Mais, conseguiram emplacar a indicação de um ministro terrivelmente evangélico ao STF

Em artigo escrito em 2019 [cf.: aqui], afirmei que um dos pilares de sustentação da necropolítica perpetrada pela extrema-direita no Brasil era sustentada por uma necrorreligião. Muitos entendem essa necrorreligião enquanto um fenômeno exclusivamente evangélico. Trata-se de um grave erro de análise. 

A operação Tempus Veritatis, ao revelar a participação do padre de Osasco no núcleo central dos articuladores de um golpe de Estado no Brasil, demonstra que a sustentação política do ex-presidente por grupos religiosos não é uma exclusividade dos neopentecostais. É preciso olhar com mais atenção para a face católica da necrorreligião que opera no país

O fundamentalismo católico pode não ser tão barulhento quanto a atuação dos chamados “coronéis da fé” que lideram várias denominações neopentecostais. Mas a presença deste sacerdote no comando das maquinações golpistas revela o protagonismo dos ultracatólicos na extrema-direita brasileira

Infelizmente, esse extremismo católico se esgueira sorrateiramente pelo catolicismo em escala nacional. Seja pela liturgia, pelo clericalismo e pela narrativa política e pela sua produção digital, sua mensagem ecoa de alguma forma no cotidiano católico. Muitas vezes acirrando antagonismos e alimentando a polarização nas comunidades, reproduzindo o que se passa no país hoje. 

Mas o clérigo paulista não atua sozinho. Um colega seu, do Centro-Oeste, também tem atuação destacada no extremismo católico. É presença constante como pregador de retiros para seminaristas em várias dioceses brasileiras. 

No passado, foi mentor daquele foragido blogueiro ultracatólico, quando este era seminarista em uma das maiores arquidioceses do país. Mais recentemente, este sacerdote se envolveu em uma polêmica ao criticar a edição da Bíblia Sagrada voltada para grupos populares, cuja publicação pertence a uma das mais renomadas e ilibadas editoras católicas em língua portuguesa. 

É lamentável ver que segmentos católicos estão tão envolvidos e são tão influentes em tramas arquitetadas com a intenção de instaurar o arbítrio e perpetuar a necropolítica no Brasil. Hoje, tais sacerdotes – que infelizmente não são os únicos – constituem a face visível do extremismo cristão. São alguns dos rostos católicos da necrorreligião no Brasil. 

Fonte: Movimento Nacional Fé e Política – Artigos – 10 de fevereiro de 2024 – Internet: clique aqui (acesso em: 19/02/2024).

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