24º Domingo do Tempo Comum – Ano B – Homilia

 Evangelho: Marcos 8,27-35 

Frei Alberto Maggi *

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas)

Viver para Jesus é encontrar a plena realização

Jesus repreende seus discípulos, diz-lhes: “Tendes olhos e não vedes, ouvidos e não ouvis?” (Mc 8,18), como mostram os episódios da cura do surdo-gago e do cego, que eram imagens de resistência por parte dos discípulos que não entendem e não aceitam nem quem Jesus seja, nem a sua mensagem. Então, Jesus os leva ao extremo norte do país, na fronteira com a terra pagã, para ver se conseguem entender algo dele, longe da ideologia nacionalista dominante. Isso é o que Marcos escreve para nós no capítulo 8, nos versículos 27 a 35, vamos ler. 

Marcos 8,27a:** «Naquele tempo, Jesus partiu com seus discípulos para os povoados de Cesareia de Filipe. No caminho perguntou aos discípulos:»

Estamos no extremo norte do país, portanto longe da influência da Judeia e também da Galileia. Prossegue o Evangelho: “No caminho”, aqui, o evangelista já está nos dando uma pista que nos faz entender como termina a narrativa: “no caminho” é onde a semente lançada não deu fruto porque os pássaros, imagem de Satanás, vieram e a levaram. Portanto, esta mensagem de Jesus será ineficaz. Satanás, a imagem do poder, é refratário às boas novas de Jesus. 

Marcos 8,27b-29: «“Quem dizem os homens que eu sou?” Eles responderam: “Alguns dizem que tu és João Batista; outros que és Elias; outros, ainda, que és um dos profetas”. Então ele perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o Messias”.»

Jesus questionou seus discípulos dizendo: “Quem dizem os homens que eu sou?” E eles responderam-lhe: “João Batista”, porque se acreditava que os mártires seriam ressuscitados prontamente, “outros que és Elias”, Elias é o grande e violento profeta que viria para preparar o caminho para o Messias, “outros, ainda, que és um dos profetas”. Eles não entenderam absolutamente nada, todas as pessoas mencionadas são personagens que se relacionam com o passado. Continua o Evangelho: “Então ele perguntou: ‘E vós, quem dizeis que eu sou?’” A pergunta de Jesus é dirigida a todos os seus discípulos, mas apenas um responde, justamente Pedro, que é apresentado pelo apelido negativo que indica a sua teimosia, que o levará a negar Jesus. Diz o Evangelho: “Pedro respondeu: ‘Tu és o Cristo’”, com o artigo definido. O Cristo significa o Messias esperado pela tradição, aquele que deveria vir para fazer a lei ser observada, para ocupar o poder em Jerusalém, este é o Cristo. Mas Marcos em seu Evangelho apresenta Jesus como Cristo, mas sem o artigo definido, isto é, um messias que está para ser descoberto. 

Marcos 8,30-31: «Jesus proibiu-lhes severamente de falar a alguém a seu respeito. Em seguida, começou a ensiná-los, dizendo que o Filho do Homem devia sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei; devia ser morto, e ressuscitar depois de três dias.»

Na verdade, Jesus não concorda, isso se observa imediatamente em sua reação, como traz o Evangelho: “Jesus proibiu-lhes severamente”, literalmente “recriminou”. O evangelista usa por três vezes, nessa passagem, o mesmo verbo que é usado para recriminar e expulsar os endemoniados, portanto, o que Pedro disse a Jesus não lhe agrada! Pedro respondeu “tu és o Cristo”, o messias da tradição, Jesus se apresenta como o Filho do Homem. Jesus é o Filho de Deus na medida em que representa Deus em sua condição humana. E ele é o Filho do homem na medida em que representa o homem em sua condição divina, ou seja, o pleno desenvolvimento do plano de Deus para a humanidade, de que o homem tenha a condição divina.

O Evangelho revela o que Jesus está ensinando aos discípulos: “o Filho do Homem devia sofrer muito, ser rejeitado”. Por quem? Não pelos pecadores.

Aqueles que são hostis ao projeto de Deus para a humanidade são justamente os que deviam torná-lo conhecido e promovê-lo, ou seja, as autoridades religiosas.

Na verdade, todo o Sinédrio é contra o Filho do Homem, são “os anciãos”, os presbíteros, “os sumos sacerdotes e os doutores da Lei”, os teólogos oficiais. Jesus continua ensinando, dizendo: “devia ser morto”, os representantes da instituição religiosa matam o plano de Deus sobre a humanidade. 

Marcos 8,32-33: «Ele dizia isso abertamente. Então Pedro tomou Jesus à parte e começou a repreendê-lo. Jesus voltou-se, olhou para os discípulos e repreendeu a Pedro, dizendo: “Vai para longe de mim, Satanás! Tu não pensas como Deus, e sim como os homens”.»

O Evangelho diz que: “Então Pedro tomou Jesus”, aqui, novamente com o apelido negativo, literalmente o original afirma: “agarrou-o a si”. Segue o Evangelho: “e começou a repreendê-lo”, exatamente como Jesus começou a ensinar seus discípulos, Pedro começa a repreendê-lo, isto é, a “recriminá-lo”, este é o mesmo verbo usado por Jesus para os endemoniados. O que Pedro está dizendo sobre Jesus é algo que não vem de Deus, mas do maligno.

E esta é a reação de Jesus: “Jesus voltou-se, olhou para os discípulos e repreendeu a Pedro”. Porém, a censura diz respeito a todos os discípulos porque todos eles compartilham dessa mentalidade, ele recriminou Pedro pela terceira vez e disse: “Saia detrás de mim Satanás!” (= Deixe de ser meu discípulo!). Jesus define Pedro como Satanás, por quê? Porque ele age tal como Satanás:

* tentando Jesus a se desviar de seu plano para a humanidade e,

* como Satanás, anulando o efeito da palavra, como a semente caída no chão que os pássaros carregam, imagem de Satanás na parábola do “Semeador”.

Assim sendo, Jesus recrimina Pedro e o trata como Satanás, ou seja, como diabo, mas ele não o expulsa, ele lhe diz, ele lhe pede: “volta e pôr-se atrás de mim”. Não é Pedro quem deve mostrar o caminho, mas é Jesus, porque: “Tu não pensas como Deus, e sim como os homens”. 

Marcos 8,34-35: «Então chamou a multidão com seus discípulos e disse: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, vai salvá-la”.»

Diz o evangelista: “chamou a multidão”, agora o discurso se amplia. há o condicional: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo”, ou seja, renuncie a esses ideais de sucesso, de ambição, de poder. Prossegue dizendo: “tome”, literalmente erga sua cruz. A cruz, nos Evangelhos, não é dada por Deus, mas levantada pelo homem. A que Jesus se refere? Não se refere à morte na cruz. Refere-se ao momento em que, no tribunal, o réu era condenado a essa tortura, que o levaria à morte, e tinha de içar sobre os ombros o “patibulum”, que é o eixo horizontal da cruz. Depois, acompanhado, arrastado pelo carrasco, percorria toda a cidade e para o povo era uma obrigação moral e religiosa insultá-lo e espancá-lo. Significava a solidão total, rejeição total, desprezo total, esta é a cruz!

A cruz, para Jesus, significa aceitar perder a própria reputação, os próprios ideais. Não é uma imposição para todos, mas é uma consequência para quem realmente deseja segui-lo. Quem quiser realizar seus ideais de sucesso, de plenitude de sua existência enfrentará o desastre!

Jesus garante que viver para ele, mesmo passando pelo desprezo, pela rejeição da sociedade, não será um desastre, mas será a plena realização da pessoa. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Com efeito, enquanto os judeus pedem sinais e os gregos buscam sabedoria, nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios. »

(1Coríntios 1,22-23)

O Evangelho deste domingo é muito denso de significados! Sintetizando, poderíamos dizer que ele nos revela dois aspectos desafiadores do seguimento de Jesus:

1º) Muitos creem e seguem o Messias, o Cristo errado! É o que se depreende das respostas que alguns discípulos de Jesus lhe dão, quando ele deseja saber o que o povo pensa a seu respeito.

2º) Por acreditar e seguir o Cristo errado, há pessoas que não querem assumir o projeto de Deus nem obedecer às palavras de seu Filho! Essas pessoas criam um messias próprio, um messias light, com menos teor de exigências e, por isso, incoerente com a cruz que Jesus disse que devemos erguer para segui-lo!

E o mais absurdo de tudo isso é que, os líderes religiosos que, em teoria, mais deveriam conhecer e anunciar Jesus, o Messias, o Filho de Deus e o Filho do Homem, ao mesmo tempo, são os principais oponentes e inimigos do projeto de Deus para renovar a humanidade!

Fica-nos, então, a seguinte pergunta, bem colocada pelo teólogo espanhol José María Castillo:

“Ou Jesus era um falso profeta e um falso Messias; ou a falsidade e a mentira estavam na religião que iria matar Jesus”.

Os tempos que vivemos, hoje, estão muito perigosos e difíceis! Há vários líderes religiosos e igrejas ditas cristãs, que estão distorcendo completamente seja o projeto seja a palavra de Jesus Cristo para as pessoas. O que mais existe, atualmente, são falsos profetas, falsos pastores que não querem dar sua vida pela salvação de seu rebanho, mas tosquiá-lo, arrancar-lhe tudo, para poderem viver na riqueza, no luxo, no fausto, na fama e no poder.

E, cuidado, isso ocorre no interior de todas as igrejas e denominações religiosas ditas cristãs!

É raro encontrarmos pastores e padres que desejam, de verdade, erguer a cruz de Cristo, como ele exige no Evangelho deste domingo. Afinal, é muito mais seguro, muito mais compensador, muito mais fácil, muito mais vantajoso estar ao lado dos que tem poder, dinheiro e influência, podendo usufruir de tudo isso, ao invés, de dar a “cara a tapas”, erguer a cruz de Cristo e ser rejeitado, abandonado, ficar sozinho em meio à uma sociedade cada vez mais vazia, mais egoísta, consumista e idólatra!

Esse é o grande Satanás (= adversário, agente hostil) a ser expulso das pessoas nos tempos de hoje! Não por acaso, Jesus identificou em Pedro, o líder da Igreja, o seu adversário agindo, tentando-o a desviar-se de seu projeto original e de sua coerência com a Vontade do Pai!

Hoje, sem dúvida, as maiores tentações sofrem os líderes religiosos e os fiéis que se propõem a viver uma fé viva e autêntica!

Todo cuidado é pouco! 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor Jesus, a tua Palavra nos propôs aspectos incômodos e onerosos do ideal cristão. Não se está, jamais, disposto nem pronto para aceitar a cruz, a qual contrasta com os nossos desejos que tendem a distanciar a dor e a recolher alegrias. Quem acolhe a tua Palavra e se põe ao teu seguimento vai ao encontro de maus-tratos e perseguições, como foi para ti. O preço da coerência é o salário de quem te escolhe. Tu nos pedes confiança inabalável em ti, somente em ti, sem procurarmos outras seguranças. Tu nos pedes saltos no vazio e, até que não os façamos, não nos daremos conta que no fundo estás tu a esperar-nos e não o vazio. Jesus, dá-nos a coragem de seguir-te e a força para perseverar, mesmo que seja necessário remarmos contra a correnteza. Amém.» 

(Fonte: Carlos Mesters. 24ª Domenica del Tempo Ordinario. In: Anthony Cilia, O.Carm. [Org.] Lectio Divina sui vangeli festivi per l’anno litúrgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 534.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – XXIV Domenica Tempo Ordinario – 16 settembre 2018 – Internet: clique aqui (Acesso em: 02/09/2024).

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