5º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia

 Evangelho: Lucas 5,1-11 

Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Deixar-se guiar pela Palavra

Segundo o profeta Ezequiel, a abundância de pesca era sinal de bênção divina. No capítulo 47 ele imagina esses pescadores que realizam uma pesca abundante e a pesca abundante é pela água que sai do templo em Jerusalém. Pois bem, o evangelista Lucas, no capítulo 5 do seu Evangelho, nos apresenta uma farta pesca não mais pela água que sai do templo, mas pela palavra de Jesus. 

Lucas 5,1-2:** «Jesus estava na margem do lago de Genesaré, e a multidão apertava-se ao seu redor para ouvir a palavra de Deus. Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago. Os pescadores haviam desembarcado e lavavam as redes.»

Portanto, Jesus manifesta a Palavra de Deus ao povo. E aqui há uma repentina e estranha mudança de cenário, porque deixamos Jesus na Judeia. O evangelista concluiu o capítulo 4, no versículo 44 escrevendo: “E ele foi anunciando pelas sinagogas da Judeia”. E começa o capítulo 5, versículo 1, assim: “... quando Jesus estava na margem do lago de Genesaré...”. Portanto, nos encontramos, imediatamente, projetados na Galileia.

Porém, aqui deve-se fazer um adendo: na nomenclatura romana, daquela época, a Palestina toda, inclusive a Galileia, era denominada “Judeia”. Basta ver que todas as atividades narradas no capítulo 4 de Lucas se passam na Galileia.

Várias vezes, nesta passagem, encontraremos essa alusão aos pescadores, uma citação do profeta Ezequiel com a pesca abundante. 

Lucas 5,3: «Subindo numa das barcas, que era de Simão, pediu que se afastasse um pouco da margem. Depois sentou-se e, da barca, ensinava as multidões.»

Jesus, no evangelho de Lucas, já conhece Simão porque curou sua sogra (cf. Lc 4,38-39). O fato de sentar-se, revela que Jesus ocupa a posição de mestre, aquele que ensina. 

Lucas 5,4-5: «Quando acabou de falar, disse a Simão: “Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”. Simão respondeu: “Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes”.»

E, aqui, há algo estranho, porque Jesus é um homem do campo, do interior, que se permite dar aulas de pesca a quem fez da pesca o seu trabalho, a sua vida, ou seja, Simão. Bem, Simão aceita. Ele respondeu: “Mestre (literalmente “chefe”, tem uma relação hierárquica com Jesus), trabalhamos a noite inteira”, então apesar do horário favorável para a pesca... a hora não se refere ao dia porque o tempo propício é à noite. Lembremo-nos que o evangelista apresentou a palavra como “a palavra de Deus”. Então Simão confia, aceita esse desafio. 

Lucas 5,6-7: «Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam. Então fizeram sinal aos companheiros da outra barca, para que viessem ajudá-los. Eles vieram, e encheram as duas barcas, a ponto de quase afundarem.»

O evangelista não quer nos contar, apenas, um episódio jornalístico, mas uma reflexão teológica. O termo, aqui, traduzido como “quantidade” significa literalmente “multidão” e indica a comunidade cristã primitiva. Portanto, seguindo a palavra do Senhor, um convite para lançar as redes aos marginalizados, aos excluídos, é lá que a pesca será abundante. 

Lucas 5,8: «Ao ver aquilo, Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus, dizendo: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!”»

O evangelista Lucas é quem escreveu que nada é impossível para Deus, então depois de uma noite infrutífera, ir pescar durante o dia é impossível. No entanto, ao aceitar a palavra de Deus, o que era impossível se torna realidade.

E, aqui, o evangelista acrescenta o apelido negativo ao nome de Simão, indicando sua teimosia, sua dureza, a da Pedra (= Pedro). Simão Pedro diz: “Afasta-te de mim, Senhor...”. Literalmente, ele disse “saia”, quase se sentindo possuído por Jesus! Aqui, Simão está em contradição com Jesus, que disse que veio para chamar os pecadores, mas ele quase o rejeita. 

Lucas 5,9-10: «É que o espanto se apoderara de Simão e de todos os seus companheiros, por causa da pesca que acabavam de fazer. Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram sócios de Simão, também ficaram espantados. Jesus, porém, disse a Simão: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens”.»

O evangelista sublinha, destaca a pesca escrevendo, literalmente: «pela pesca dos peixes». Eis aqui a novidade trazida por Jesus, Jesus disse a Simão: “Não temas”. Jesus não se importa se ele é pecador ou não, muito menos, com o que diz respeito ao seu relacionamento com Deus, ao seu passado. Ele está interessado em seu relacionamento com os homens, o futuro. Felizmente, Jesus não se prende ao passado dos seres humanos, não se fixa no que foram ou fizeram!

Pedro disse “afasta-te de mim”, “saia de mim porque sou pecador”, destacando a relação com Deus. Jesus o convida a uma relação com os seres humanos. “Pescadores de homens”, literalmente o evangelista diz “você apanhará os vivos”. O que isso significa? Sabemos que pegar um peixe significa removê-lo de seu habitat vital para dar-lhe a morte. Pescar um homem que está na água, ao contrário, significa tirá-lo da esfera que pode lhe dar a morte e trazê-lo para uma esfera vital.

Então o convite que Jesus faz a Simão é este: tirar os homens dos âmbitos de morte onde correm o risco de se afogar, morrer. 

Lucas 5,11: «Então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram a Jesus.»

A comunidade em torno de Jesus começa a se estabelecer, uma comunidade não de pastores, Jesus não os convida a ser pastores, mas uma comunidade de seres humanos, ou seja, comunicadores de vida a quem precisa. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“Mas, agora, SENHOR, tu és o nosso pai! Nós somos o barro, tu és o nosso oleiro! Todos nós somos obra das tuas mãos.”

(Isaías 64,7)

* Você anda desanimado, pessimista, desiludido com o que se passa em nossa Igreja, nos tempos de hoje?

* Você acha que a Igreja Católica não cresce, não “pesca mais homens e mulheres” como nos tempos antigos?

* Você olha em nossas igrejas, em nossas pastorais, movimentos, equipes e grupos e não vê gente nova, pessoas recém chegadas?

* Você não encontra um testemunho autêntico, profundo e sincero de FÉ por parte de muitos cristãos?

* Você observa a falta de COMUNHÃO de muitos católicos com seus padres, bispos e o próprio Papa? Críticos sem fundamento de uma Igreja que deseja ser fiel a Cristo!

* Você percebe que a nossa Igreja está perdendo, a cada dia, mais e mais espaço de influência em nossa sociedade? 

Então, você não está sozinho(a)! Você não é o(a) único(a) que enxerga tudo isso! O que é muito bom, sinal de que, ainda, há gente viva, gente inteligente, gente atenta, gente crítica no interior de nossa Igreja! 

Nesse sentido, o Evangelho deste domingo é muito oportuno! É um guia para nos tirar desse “deserto” em que nos encontramos! Eis algumas dicas preciosas que a Palavra de Cristo nos oferece, hoje:

a) Jamais estarmos, completamente, seguros achando que sabemos de tudo e que tudo já fizemos ou tentamos em nossa pescaria por novos homens e mulheres! A figura de Simão Pedro, no Evangelho deste domingo, é um exemplo disso: o pescador experiente, “calejado”, “vivido” sede lugar ao apelo de Jesus!

b) Enquanto muitos, à margem da vida (= lago), estão recolhendo suas redes, suas iniciativas, suas propostas e trabalhos, Jesus nos desafia e irmos “mais para o fundo”, ao encontro de situações e pessoas que, ainda, pouco atingimos! Basta olhar ao nosso redor que descobriremos, há muitíssimas!

c) A novidade sempre nos assombra, nos espanta! O Evangelho traz um termo grego exato para isso: thambos (= profundo estupor que se apodera de uma pessoa, quando se vê diante de uma revelação divina). Precisamos nos “maravilhar”, nos deixar tomar pelo “estupor”, pelo “assombro” diante de Deus e suas ações!

d) Perceber que Deus se revela não no “sagrado”, “no templo”, nos “espaços eclesiais”. Assim como na cena deste domingo, Jesus se revela “no profano”, no trabalho da pesca! É ele quem “subiu num dos barcos”, é ele que se coloca dentro dos ambientes e da vida das pessoas. Essa é a grande dica! Com isso, Jesus desloca a religião, como constatou o teólogo espanhol José María Castillo:

“Retirou-a do templo e do culto; e a colocou nas tarefas da vida e nos afazeres da produtividade, que necessitamos, neste mundo, para podermos viver com dignidade.”

e) Última dica que o Evangelho nos dá é que Jesus associa a presença de Deus com a ABUNDÂNCIA. É muito interessante observar, nos evangelhos, que o Deus de Jesus não combina com a escassez! Vejamos alguns exemplos: 1) relatos da multiplicação dos pães (Mc 6,43; 8,8; Mt 14,20; 15,37; Lc 9,17; Jo 6,13); 2) o vinho bom das bodas de Caná (Jo 2,1-11); 3) a pesca milagrosa do ressuscitado (Jo 21,6-11). O nosso trabalho, a nossa atuação deve produzir não ganância, mas produtividade, a qual gera abundância! A mentalidade mesquinha não combina com o Deus de Jesus nem com ele próprio! 

Quem sabe, levando em conta e aplicando essas “dicas” possamos voltar a ter mais fé, esperança e amor! Afinal, o decisivo, sempre, como o Evangelho nos relata em seu último versículo é: “deixaram tudo e o seguiram”.

A religião, o trabalho, os afazeres da vida devem se concentrar em “seguir” Jesus.

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor, tu abriste o mar e vieste até mim; tu rompeste a noite e inauguraste um novo dia para a minha vida! Tu me dirigiste a tua Palavra e me tocaste o coração, me fizeste subir contigo na barca e me levaste para o mar. Senhor, tu fizeste coisas grandiosas! Louvo-te, te bendigo e te agradeço, na tua Palavra, no teu Filho Jesus e no Espírito Santo. Leva-me sempre para o mar, contigo, dentro de ti e tu em mim, para lançar redes, redes de amor, de amizade, de partilha, de buscar juntos a tua face e o teu reino já nesta terra. Senhor, sou pecador, eu sei! Mas, também por isso eu te agradeço, porque tu não vieste chamar os justos, mas os pecadores e eu escuto a tua voz e te sigo. Pois bem, Pai, deixo tudo e vou contigo... Amém.»

(CUCCA, Maria Anastasia di Gerusalemme O. Carm. 5ª Domenica del tempo ordinario. In: CILIA, Anthony O.Carm. Lectio Divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico C. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 382.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – V Domenica del Tempo Ordinario – 10 febbraio 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 03/02/2022).

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