7º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 6,27-38
Alberto Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Deus é bondade e misericórdia sempre!
“Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso”. Todo o Evangelho de Lucas nada mais é do que uma variação desse tema (a misericórdia), uma reproposição dessa expressão em múltiplas formas. É o que vemos na passagem que comentamos, o capítulo sexto de Lucas, dos versículos 27 a 38, onde Jesus convida seus discípulos a colocarem suas vidas em harmonia com a onda de amor de Deus para torná-la indissolúvel. Mas vamos ouvir Jesus.
Lucas 6,27-28:** «Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “A vós que
me escutais, eu digo: Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam,
bendizei os que vos amaldiçoam, e rezai por aqueles que vos caluniam.»
O
evangelista escreve que Jesus se dirige “A vós que me ouvis”. Portanto, aos
discípulos que Jesus proclamou bem-aventurados, e tudo é um convite a um amor
dinâmico, a um fazer, não passivo. Ao ordenar “amai os vossos inimigos”, ele
revela o que significa harmonizar a vida com o amor de Deus. E Jesus
complementa, dizendo: “fazei o bem aos que vos odeiam”. Em grego,
literalmente, aqui o evangelista escreve “torna belo, faz bonito”. O termo que
é traduzido como “bem”, em grego, tem o significado de “belo” e este
termo é muito importante, inclusive, porque, com ele, esta passagem termina. O
amor é usado para tornar belos aqueles que são feios, porque quem odeia é gente
feia.
Então, com o nosso amor, devemos torná-los belos! Isso significa colaborar na ação criadora de Deus que lemos no livro de Gênesis, quando ele cria tudo, ele “viu que era muito bom”, ou seja, muito belo (Gn 1,31). E, por isso, Jesus nos convida a abençoar aqueles que nos amaldiçoam, a rezar por aqueles que nos tratam mal, para harmonizar a nossa própria extensão de amor com a de Deus.
Lucas 6,29-30: «Se alguém te der uma bofetada numa face, oferece também a
outra. Se alguém te tomar o manto, deixa-o levar também a túnica. Dá a quem te
pedir e, se alguém tirar o que é teu, não peças que o devolva.»
Também convida a uma atitude positiva em relação à violência, no sentido de que a violência não deve ser sofrida passivamente, mas a violência deve ser neutralizada. É por isso que Jesus diz: “Ao que te bate numa face, oferece-lhe também a outra”. A dignidade é perdida por aqueles que esbofeteiam, não por aqueles que são esbofeteados. Depois, com a plenitude da própria atividade, mostrar ao outro a inconsistência de sua ação violenta.
Lucas 6,31: «O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também
vós a eles.»
Então, Jesus se refere ao que era uma regra bem conhecida, chamada de “regra de ouro”. Também a encontramos na história de Tobias, no livro de Tobias no capítulo 4 versículo 15, que era o de não fazer aos outros o que você não quer que seja feito a si mesmo. Bem, para Jesus nunca há o negativo, mas sempre o positivo, por isso, ele muda essa expressão para: “Assim como quereis que os outros vos façam, fazei-o vós a eles”. Portanto, Jesus afirma: “faça aos outros o que você faz a si mesmo”. Então, é uma atitude positiva, é uma atitude criativa.
Lucas 6,32-35a: «Se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Até os pecadores amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem somente aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis? Até os pecadores fazem assim. E se emprestais somente àqueles de quem esperais receber, que recompensa tereis? Até os pecadores emprestam aos pecadores, para receber de volta a mesma quantia. Ao contrário, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar coisa alguma em troca. Então, a vossa recompensa será grande, e sereis filhos do Altíssimo,»
Jesus,
depois de ter feito o contraste entre o crente e os pecadores, constata que não
há necessidade de crer em Deus, ser filho/filha de Deus para amar aqueles que
nos amam. Jesus afirma que filho de Deus não se nasce, mas um se torna através da
aceitação e imitação de seu amor. Na verdade, Jesus diz: “Amai os vossos
inimigos”. Portanto, nesta página não há tantas indicações sobre as
atitudes que os homens devem ter e o que os homens devem fazer, mas esta página
é o retrato de quem é Deus, porque Deus é assim.
Filhos de Deus não nascemos, mas nos tornamos pela imitação de seu amor.
Lucas 6,35b: «porque Deus é bondoso também para com os ingratos e os
maus.»
E,
aqui, Jesus derruba um dos pilares da religião. Pois, em toda religião e em
cada religião, Deus recompensa os bons, mas pune os maus. Bem, Jesus supera
tudo isso, Jesus apresenta um Deus não bom, mas exclusivamente bom, cujo amor
se dirige a todos. Aqui, Lucas também supera a teologia de Mateus, que havia
dito que “Deus era bom para com os maus e para os bons”, aqui não, os bons
desaparecem, ele é benevolente para com os ingratos e os maus.
Deus é amor e a sua é uma oferta contínua e crescente de amor a cada pessoa.
Lucas 6,36: «Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é
misericordioso.»
Aqui
está a palavra que dissemos, é aquela sobre a qual todo o Evangelho de Lucas
está centrado: “Sede misericordiosos”. É a única vez que o termo “misericordioso”
aparece no Novo Testamento, há, apenas, uma outra vez como uma citação na carta
de Tiago. Esta palavra “misericordioso” vem de um termo hebraico que indica o
ventre, o útero. E, aqui, Jesus contrasta, ele diz “sede misericordiosos”, ele
poderia dizer “como é misericordiosa uma mãe”, porque é disso que se fala, o
que está no ventre da mãe. Porém, ele afirma: “como vosso Pai é
misericordioso”. Ele contrasta a atitude da mãe com a do pai, mas não a
contrasta, na realidade a une: Jesus apresenta um pai que é materno e o amor
materno é o do amor incondicional.
Jesus nos convida para sermos misericordiosos como o nosso Pai é misericordioso. Enquanto, no Antigo Testamento, o Senhor concluía suas prescrições com o convite “sede santos como eu sou santo”, – mas a santidade pode separar dos outros, santidade entendida como observância de regras, – aqui, Jesus nos convida a sermos misericordiosos como nosso Pai é misericordioso. E este amor, este amor maternal, este amor visceral não só não afasta, mas aproxima, não separa, mas une.
Lucas 6,37: «Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não
sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados.»
E Jesus prossegue em um crescente. E, aqui, está outra surpresa: “perdoai, e sereis perdoados”. O perdão não é obtido indo ao templo, por meio de uma ação litúrgica, mas por uma atitude dinâmica que significa encher de amor quem errou. Perdoar não significa esquecer, mas significa fazer o outro entender que a sua capacidade de me ferir nunca será tão grande quanto a minha de lhe amar e lhe fazer bem.
Lucas 6,38: «Dai e vos será dado. Uma boa medida, calcada, sacudida,
transbordante será colocada no vosso colo; porque com a mesma medida com que
medirdes os outros, vós também sereis medidos”.»
Em seguida, vem a conclusão, Jesus se refere ao uso dos mercados quando as mercadorias eram colocadas na roupa, que era recolhida e feita tipo de um saco, uma bolsa. O Senhor não se deixa vencer pela generosidade. Nessa dinâmica de amor recebido e amor comunicado, quanto maior o amor comunicado aos outros, maior será a possibilidade de Deus nos transmitir seu amor.
* Traduzido e editado do italiano por Pe.
Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão
Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“A medida do amor é amar sem medida.”
(Santo Agostinho: 354-430 – filósofo, teólogo,
bispo e doutor da Igreja)
Lendo e refletindo esse texto de Lucas, é impossível não nos admirarmos de quanto Jesus é desconcertante! Quanto ele nos surpreende, sempre! Afinal, nós, seres humanos, temos a mania de medir, calcular, delimitar todas as coisas. Porém, Jesus Cristo nos faz perceber e enxergar que não há limites para Deus! Ele ama, ele perdoa, ele é misericordioso sem limites, sem cálculos!
Ouso dizer que, nessas palavras de Jesus
encontra-se, na verdade, o grande segredo da felicidade e capacidade de
vivermos neste mundo sem nos deixarmos vencer pelo estresse que significa conviver
com outras pessoas. Sim, a convivência é desafiadora! Estar com o outro, viver
junto a outros, partilhar a vida com outros pode, aparentemente, significar
algo óbvio, normal, da natureza humana. Porém, o outro sempre nos desafia, nos
invade, nos inquieta, nos desinstala! Não é por acaso que São Paulo nos diz:
“...suportai-vos uns aos outros e, se um tiver motivo de queixa
contra o outro, perdoai-vos mutuamente. Como o Senhor vos perdoou, fazei assim
também vós. Sobretudo, revesti-vos do amor, que é o vínculo da perfeição” (Cl
3,13-14; cf. Ef 4,1-3).
Sem sermos bondosos não conseguiríamos viver juntos sobre a face da Terra! Como nos recorda J. M. Castillo: “O centro e o eixo de nossa vida de crentes em Jesus, tem que ser sempre a bondade, a generosidade, a caridade, o amor fraterno. Tudo que não seja isso, é deixar o cristianismo”. Isso não é uma utopia, mas também não é algo fácil, algo óbvio! Não significa despir-me dos meus direitos, renunciar a minha dignidade!
As palavras de Jesus, neste domingo, nos
apresentam dois fortes e urgentes desafios:
1º) Termos a coragem de rompermos com o
ciclo da violência, da agressão mútua, da vingança, da mania de superioridade
que impera neste mundo! Aprendermos a tratar quem diverge de mim, quem discorda
de mim, quem pensa diferente de mim, quem vive diferente de mim, quem encara a
vida de modo diverso do meu, não como um inimigo, mas como um irmão ou irmã a
quem devo respeitar e amar sempre, incondicionalmente! Para o cristão, não deve
haver “inimigos”!
2º) Amarmos gratuitamente. Sim, a
gratuidade é algo em extinção nesse mundo! Corremos o grave perigo de
transformarmos tudo em nossa vida em uma mera troca de serviços, favores,
valores e assim por diante! A grande infelicidade do ser humano, nos tempos
atuais, está em não amar e não ser amado! Muitos não possuem a capacidade de
amar! Tudo transformou-se em interesses, satisfações momentâneas, desfrutar o
aqui e o agora.
Aqui, cabem, perfeitamente, as sábias e
proféticas palavras de Dom Hélder Câmara (1909-1999), arcebispo-emérito de
Olinda e Recife (PE):
“Para libertar-te de ti mesmo, lança uma ponte para além do abismo
que teu egoísmo criou. Procura ver além de ti mesmo. Procura escutar a um outro
e, sobretudo, tenta fazer um esforço para amar em vez de amar a ti mesmo”.
Oração
após a meditação do Santo Evangelho
«Ó alta e eterna
Trindade, voltai o olhar da vossa misericórdia para as vossas criaturas. Eu sei
que a misericórdia é vossa; e onde quer que eu olhe, não encontro nada além de
vossa misericórdia; por isso corro e clamo diante da vossa misericórdia para
que façais misericórdia ao mundo. Vossa misericórdia nos criou; a própria
misericórdia nos resgatou da morte eterna. Vossa misericórdia nos preserva e
prolonga a vida dando-nos tempo para voltar e reconciliar convosco. Ó Pai
misericordioso e compassivo, por misericórdia nos concedeis grandes
consolações, para que sejamos movidos a amar, pois o coração da criatura é
atraído pelo amor. Vossa misericórdia também nos dá e nos permite dores e
aflições para que aprendamos a nos conhecer e adquirir a pequena virtude da
verdadeira humildade. Por misericórdia reservastes as cicatrizes no corpo de
vosso Filho, para que com elas peça misericórdia para nós diante de vossa
majestade. Nós vos damos graças. Amém.»
(Santa Catarina de Sena, Oratio IX)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – VII Domenica del Tempo Ordinario – 24 febbraio 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 17/02/2022).
Comentários
Postar um comentário