6º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia

 Evangelho: Lucas 6,17.20-26 

Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Felizes os que não se deixam escravizar pelos bens e pelas riquezas deste mundo

Não haverá pobres no meio de ti”, esta é a vontade de Deus, a qual encontramos expressa no livro de Deuteronômio no capítulo 15, versículo 4, e que, então, achará a sua realização nos Atos dos Apóstolos, onde o evangelista escreve que a primitiva comunidade cristã testemunhava com força a ressurreição de Cristo, porque nenhum membro passava necessidade. Por esta razão, os pobres são considerados infelizes, pois é dever da comunidade cristã tirá-los da sua condição de pobreza.

Jesus jamais proclamou os pobres bem-aventurados, os pobres são infelizes e é dever da comunidade cristã retirá-los da sua condição.

Encontramos as bem-aventuranças em duas versões:

a) no Evangelho de Mateus são oito (Mt 5,1-12a), onde Jesus se dirige àqueles que devem optar por entrar nessa condição, por isso Jesus fala de pobres de espírito, de força interior;

b) no Evangelho de Lucas que examinamos agora, no capítulo 6 do versículo 17 em diante, ao contrário, a pobreza é uma condição que os discípulos já escolheram.

Portanto, Jesus nunca proclama bem-aventurados os pobres que a sociedade fez, mas aqueles que livre e voluntariamente entraram nessa condição e não são abençoados porque são pobres, são abençoados pela resposta de Deus à sua escolha. 

Lucas 6,17.20:** «Jesus desceu da montanha com os discípulos e parou num lugar plano. Ali estavam muitos dos seus discípulos e grande multidão de gente de toda a Judeia e de Jerusalém, do litoral de Tiro e Sidônia. E, levantando os olhos para os seus discípulos, disse: “Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus!»

Escreveu o evangelista: “Vós que fizestes esta escolha, que deixastes tudo e o seguistes, sois abençoados, isto é, plenamente felizes”. Essa não é uma condição estática, mas dinâmica, em andamento, porque o reino de Deus é de vocês, isto é, Deus cuida de vocês. 

Lucas 6,21: «Bem-aventurados, vós que agora tendes fome, porque sereis saciados! Bem-aventurados vós, que agora chorais, porque havereis de rir!»

Jesus veio para inaugurar o Reino de Deus, uma sociedade alternativa onde, em vez de acumular para si, se reparte generosamente pelos outros e, para quem faz isso, há a resposta de Deus que cuida dele e de quaisquer elementos negativos dessa escolha. A necessidade e a perseguição são neutralizadas pela ação do Pai. 

Lucas 6,22-23: «Bem-aventurados, sereis, quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome, por causa do Filho do Homem! Alegrai-vos, nesse dia, e exultai, pois, será grande a vossa recompensa no céu; porque era assim que os antepassados deles tratavam os profetas.»

Qual é o motivo dessa perseguição? Que a bem-aventurança da pobreza torna a pessoa totalmente livre. Jesus diz: “por causa do Filho do Homem”. O Filho do Homem é o homem que tem a condição divina, portanto o homem totalmente livre, e a instituição, toda instituição seja religiosa que política, detesta as pessoas livres e desencadeia a perseguição.

Mas Jesus diz “não vos preocupeis porque Deus está do vosso lado”. Entre os perseguidos e os perseguidores, Deus está sempre do lado dos perseguidos. É por isso que Jesus diz: “Alegrai-vos”. E, Jesus acrescenta: “assim que os antepassados deles tratavam os profetas”.

Para Jesus o papel do discípulo na comunidade cristã é o do profeta, quem é o profeta? Aquele que torna visível o Deus invisível em sua própria existência, aquele que, sobretudo, em harmonia com Deus, amplia o horizonte da comunicação entre Deus e os homens. 

Lucas 6,24-25: «Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai de vós, que agora tendes fartura, porque passareis fome! Ai de vós, que agora rides, porque tereis luto e lágrimas!»

Mas, depois de ter proclamado plenamente felizes aqueles que fizeram a escolha de compartilhar seus bens, porque é disso que se trata neste texto do Evangelho, Jesus faz um lamento fúnebre sobre os ricos. É traduzido como um problema, mas não são ameaças, não são palavrões, é uma compaixão. O “ai” refere-se à expressão hebraica “hoi” que era o lamento fúnebre. Jesus chora os ricos como se já estivessem mortos, aqueles que, em vez de compartilhar para os outros, acumularam para si.

Não esqueçamos que é o evangelista Lucas quem nos conta a parábola do rico e do pobre Lázaro (Lc 16,19-31), o rico que vive só para si e é condenado não porque maltratou os pobres, mas simplesmente porque os ignorou em sua existência.

Aqui, Jesus passa a chorar, poderíamos traduzir “infelizmente” ou “pena de”: «vós que agora estais fartos, vós que agora estais rindo», isto é, vocês que causaram a fome, vocês que causaram sofrimento. E Jesus chora por eles como gente já morta!

No Evangelho, o ensinamento de Cristo é que se possui apenas o que se dá. O que retemos para nós não é possuído, mas nos possui.

Essas pessoas ricas acreditavam que possuíam bens, na verdade elas eram possuídas por esses bens, adoravam Mamon! E Mamon, o lucro e a conveniência, os destruiu.

[Observação: Mamon era considerado o deus das riquezas entre o povo Sírio. Os evangelhos também consideram Mamon como sendo o demônio das riquezas e o demônio de uma forma geral. Essa palavra vem do hebraico, significa “dinheiro”.] 

Lucas 6,26: «Ai de vós quando todos vos elogiam! Era assim que os antepassados deles tratavam os falsos profetas”.»

O critério de autenticidade do discípulo, do profeta pode ser visto pela relação que ele tem com o sistema: se o sistema lhe elogia, lhe gratifica, lhe recompensa, vê-se logo que você é um falso profeta!

Se, por outro lado, o sistema persegue você, significa que você está indo contra a corrente, você está seguindo Jesus. Mas, é bom saber que, só indo contra a corrente você encontrará a água sempre cristalina, sempre fresca. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“Odeio o privilégio e o monopólio. Para mim, tudo o que não pode ser dividido com as multidões é tabu.”

(Mahatma Gandhi: 1869-1948 – filósofo e político indiano)

Primeiramente, deve ficar bem claro que as bem-aventuranças, seja aquelas de Mateus, seja estas de Lucas (provavelmente as mais originais e antigas), foram pensadas e pronunciadas tendo como destinatários os(as) discípulos(as). Jesus fala para aqueles que se sentem vinculados, unidos a ele, ao seu projeto de Reino de Deus. Ele tem consciência de que apenas uma minoria está disposta a ser pobre por opção, por iniciativa e não por consequência de uma situação social injusta. 

Jesus não é ingênuo, ressentido ou impotente diante do empobrecimento e da miséria de seus irmãos! Ele possui uma “visão intensa da justiça de Deus, que não pode permitir o triunfo final da injustiça” (J. A. Pagola). Por isso, ele não amaldiçoa os ricos, nem requer a vingança divina para eles. O que Jesus faz é compadecer-se, até o luto (!) daqueles que se deixam escravizar pelo dinheiro, pelas riquezas, pelos seus bens, mesmo que, para isso, tenham de explorar, expropriar e tomar, sempre mais, daqueles que já são pobres, já são humildes, já são pequenos! 

Jesus vai no cerne da questão:

Para ter sempre mais, para acumular sempre mais, o ser humano se desumaniza, esquece-se de seus semelhantes, torna-se indiferente, insensível ao que se passa na vida de seus irmãos e irmãs! Por isso, essas pessoas ricas já estão mortas para a vida autêntica, para a verdadeira felicidade, para o Bem, para o Reino de Deus!

A partir disso, surge a proposta radical das bem-aventuranças de Lucas: fazer-se pobre, acontentar-se com o essencial, saber partilhar, saber se doar, viver na sobriedade de quem sabe que nada é seu, tudo é de todos, tudo é de Deus! No fundo, Jesus pede que seus autênticos discípulos sejam pessoas livres que não se igualem ao pensamento predominante que há neste mundo! 

Não é por acaso que Jesus respondeu a Pedro, quando este lhe interrogou sobre a recompensa que teriam seus discípulos, aqueles que deixaram tudo, pelo fato de o seguirem:

“Em verdade, vos digo: ninguém que deixe casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos e campos, por causa de mim e do Evangelho, ficará sem receber cem vezes mais: neste tempo agora, casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos – com perseguições –; e no mundo futuro, a vida eterna” (Mc 10,29-30).

Que fique bem claro algo fundamental: “Se no mundo, chamado cristão, há a desigualdade que sabemos e sofremos, é que não cremos no Evangelho” (J. M. Castilo). Como dizia-nos o saudoso profeta, bispo-emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga: “Na dúvida, fique do lado dos pobres”

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Duas coisas eu te pedi, esperando que não as recuses, antes de eu morrer: afasta de mim vaidade e mentira, e não me dês indigência nem riqueza, concedendo-me apenas minha porção de alimento. Isto para que, estando farto, eu não seja tentado a renegar-te e comece a dizer: “Quem é o Senhor?” ou, tendo caído na indigência, me ponha a roubar e profane o nome do meu Deus.»

(Provérbios 30,7-9)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – VI Domenica del Tempo Ordinario – 17 febbraio 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 10/02/2022).

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