«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 2 de novembro de 2019

Para ler... E pensar!

1º) Por que não falei de flores

Miguel Reale Júnior*

Pelas manifestações do presidente, 
vê-se estar no ar a tentação autoritária
diante do empobrecimento e decadência de
nossa sociedade
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MIGUEL REALE JÚNIOR

O Chile foi convulsionado por protestos detonados pelo aumento da passagem de metrô. A população repeliu a elevação de 800 para 830 pesos, correspondentes a R$ 4,73. O salário mínimo é de 301 mil pesos, cerca de R$ 1.715,70, mas a maior parte da população recebe por volta de 400 mil pesos, ou seja, R$ 2.280, bem mais que o percebido por imensa parcela dos brasileiros.

Comentaristas políticos ponderam ser o preço da passagem apenas a ponta do iceberg, pois é a desigualdade social o pano de fundo da insatisfação popular, em face do custo da eletricidade, da água e da crise nos setores de saúde e educação. Acrescem as injustiças do sistema privatizado de previdência, que onera o trabalhador e proporciona proventos irrisórios.

O presidente Piñera decretou o estado de emergência, com interferência das Forças Armadas, o que resultou em confrontos com a morte de 19 pessoas, uma criança entre elas, além de milhares de detenções.

Diante da revolta surgida de modo espontâneo, o presidente do Chile veio a público, com humildade, reconhecer ter faltado visão para entender a dimensão dos problemas, pedindo perdão por ter demorado a agir para corrigir a situação. Anunciou a adoção de agenda social para promover reformas do sistema previdenciário e de saúde, elevar o salário mínimo e reduzir as tarifas de energia. Mesmo assim, na sexta-feira, dia 25, mais de 1 milhão de pessoas foram às ruas em pacífica marcha de protesto.
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Manifestações no Chile - o povo não aguenta mais tanta desigualdade, penúria para viver
e a indiferença do Estado e dos "ganhadores" endinheirados

Modelo neoliberal é insensível às penúrias do povo

As dificuldades cotidianamente sofridas pela população, fruto de um modelo neoliberal insensível às penúrias e ao malogro no acesso ao bem-estar, foram reconhecidas pelo presidente chileno.

Em contraste, o nosso presidente, Jair Bolsonaro, que gosta de palpitar sobre os países vizinhos, voltou a elogiar a ditadura de Pinochet ao dizer que a crise de hoje decorre do fim do regime militar, com interferências de Cuba e governos de esquerda. Com considerações em nada fundamentadas, disse Bolsonaro sobre a crise chilena: “O problema do Chile foi gravíssimo. Aquilo não é manifestação nem reivindicação. São atos terroristas”. Vendo terrorismo nos movimentos de reivindicação social, disse o capitão presidente ser preciso, em vista de protestos semelhantes, além do monitoramento, ter as tropas “preparadas” para reprimi-los.

Mais ainda: revelou o mandatário brasileiro ter conversado com o Ministério da Defesa, pois “a tropa tem que estar preparada porque, ao ser acionada por um dos três Poderes, de acordo com o artigo 142 (da Constituição), deve ter condição de fazer a manutenção da lei e da ordem”.
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O sofrimento do povo brasileiro só aumenta

O sofrimento vivido pelo povo brasileiro desde o desastre econômico do irresponsável governo Dilma apenas se tornou mais grave até o segundo trimestre do ano em curso, como mostra pesquisa recente da FGV [Fundação Getulio Vargas]. O quadro é desesperador. A Escalada da Desigualdade, estudo da FGV divulgado em meados de agosto, indica serem há quatro anos arrasadoras as condições socioeconômicas, com grande perda da renda dos mais pobres, havendo, na outra ponta, elevada concentração de riqueza. A partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, mostrou-se pelo Gini – indicador que mede a diferença de renda – que a concentração de renda alcançou seu máximo histórico: 0,6291, no segundo trimestre de 2019.

Medindo o bem-estar da população, o estudo da FGV indica, do quarto trimestre de 2.014 ao segundo deste ano:
1) a metade mais pobre experimentou variações reais acumuladas de -17,1% [de sua renda] desde o início da crise;
2) os 40% intermediários seguintes, isto é, a classe média, tiveram perdas de 4,16%;
3) os 10% mais ricos – espécie de classe média tradicional, mais alinhada aos padrões americanos –, apresentaram ganhos de 2,55% no período;
4) o 1% mais rico, incluído no grupo anterior, obteve ganhos de dois dígitos, de 10,11%.

Em resumo, a desigualdade entre o 1% mais rico e os 50% mais pobres cresceu 41,7% desde o fim de 2014 até o presente momento. Mas para Bolsonaro a evidente questão social é a priori enquadrada como questão de polícia. Eventuais protestos serão vistos como ato de terroristas a serem enfrentados pelas Forças Armadas, a estarem preparadas para a repressão.
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O que está faltando ao atual governo

Se a penúria não foi criada por este governo – e por isso lutei pelo impeachment –, é bem verdade, no entanto, que a crise deveria ter sido enfrentada prioritariamente com medidas de cunho econômico-social, pois soluções não brotam por obra da mão invisível do mercado. A cada semana o Ministério da Economia lança balões de ensaio, agora corre atrás de providências que não teriam sido implementadas por causa da votação da reforma da Previdência. Desculpa esfarrapada. Na verdade, a questão social foi secundária ao longo de dez meses.

Fora o 13.º salário do Bolsa Família, durante 300 dias o jovem desempregado, a mãe no subemprego, os universitários na informalidade ainda não receberam acenos do governo. Bolsonaro e seu filho, feito líder do PSL, perigosamente qualificam possível protesto por melhores condições de vida, nesta sociedade desigual, como ato terrorista, justificando antecipadamente o uso das Forças Armadas contra movimentos de rua.

Em maio de 2018 escrevi nesta página artigo intitulado A volta da ditadura pelo voto. Era previsão baseada na vida pregressa do capitão adorador da tortura. Hoje, diante de manifestações do presidente, se vê estar no ar a tentação autoritária, conforme ressalta editorial do Estado domingo passado.

Bolsonaro gosta do confronto e forja inimigos:
* vislumbra a ONU, a CNBB, o STF e a OAB como hienas a devorá-lo;
* usa fake news e o poder em favor do seu clã;
* ameaça não renovar a concessão à Globo por notícia que lhe desagrada.
É bem possível, portanto, esperar caminho antidemocrático ao se admitir a volta do AI-5 e a convocação das Forças Armadas perante reclamo social.

* MIGUEL REALE JÚNIOR é advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras; foi Ministro da Justiça.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Espaço aberto / Opinião – sábado, 2 de novembro de 2019 – Página A2 – Internet: clique aqui.

2º) Vivandeiras

Editorial

Ao invocar a possibilidade de edição de um “novo AI-5”,
Eduardo Bolsonaro externou o que pensa o grupo
que ora está no poder, a começar pelo seu pai,
o presidente Jair Bolsonaro
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EDUARDO E JAIR BOLSONARO
Atrás do filho, está sempre o pai, principalmente, nas ideias

O arroubo do deputado Eduardo Bolsonaro, que invocou a possibilidade de edição de um “novo AI-5” para enfrentar opositores, não foi um exagero retórico. Ele externou o que pensa o grupo que ora está no poder, a começar pelo pai, o presidente Jair Bolsonaro, que passou toda a sua vida como político a lamentar o fim da ditadura.

O objetivo é claro: dar vida ao que deveria estar morto e enterrado. O bolsonarismo desde sempre pretende acostumar os ouvidos da sociedade a ideias autoritárias como solução para os problemas nacionais. O método é escorar-se na liberdade de expressão e na imunidade parlamentar, dois dos pilares da democracia liberal, para acalentar a possibilidade de instalação de um regime de exceção, em que essas mesmas liberdades, entre outras tantas, são sumariamente cassadas.

De certa forma, a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República, mesmo depois de décadas defendendo reiterada e inequivocamente o regime militar, a tortura, o banimento (e até o fuzilamento) de opositores e o silenciamento da imprensa, é um preocupante indicativo de que parte da sociedade já se deixou seduzir pelo discurso antidemocrático.

Para a parcela mais radical dos eleitores de Bolsonaro, que o trata como “mito” e o segue fanaticamente, o pacto pela transição para a democracia foi imperdoável traição aos ideais da ditadura militar. Graças ao sucesso eleitoral de Bolsonaro, essas vivandeiras [= indivíduo que leva víveres para vender às feiras e tropas militares] não se sentem mais constrangidas em demandar abertamente:
* o fechamento do Congresso, sob o argumento de que se trata de um valhacouto de corruptos que tramam contra o Brasil;
* exigir a interdição do Supremo Tribunal Federal, visto como um antro de advogados que defendem petistas e minorias em geral; e
* torcer pela asfixia da imprensa livre, considerada veículo de esquerdismo e imoralidade.
Em resumo, nutrem a esperança delirante de que o presidente Bolsonaro se aventure num golpe de Estado e consequentemente estabeleça uma ditadura.

Nesse sentido, a ordem do presidente Bolsonaro para que o filho pedisse desculpas por suas declarações não tem valor nenhum. É o presidente, afinal, quem desde sempre incita essa retórica autoritária, elogiando ditadores, fazendo apologia de torturadores e ameaçando sistematicamente a imprensa. Os filhos, entre eles Eduardo, só agem – e só existem politicamente – em nome do pai.

Não se trata de relativizar a responsabilidade do deputado Eduardo Bolsonaro por seu discurso antidemocrático – que ademais, enquanto repugna o País, serve também para desviar a atenção da ainda nebulosa menção ao nome do presidente no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco. Trata-se, sim, de perceber que o problema vai muito além do palavrório autoritário de um político medíocre.
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O grave perigo que ronda o nosso país

Há hoje no País uma atmosfera cada vez mais pesada, fruto do extremismo, à esquerda e à direita, que tenta inviabilizar a política e, consequentemente, a democracia. É contra essa ameaça, cada vez mais concreta, que as forças democráticas devem se mobilizar. Laivos golpistas não podem ser tratados como manifestações anedóticas ou inconsequentes. Devem ser denunciados de forma resoluta por todos aqueles que prezam a liberdade.

Por esse motivo, é alvissareiro que as lideranças institucionais do País tenham se manifestado tão prontamente para condenar, de forma cristalina e nos mais duros termos, a manifestação irresponsável do deputado Eduardo Bolsonaro, mostrando rejeição absoluta a qualquer possibilidade de retrocesso em nossa democracia.

Que a Câmara dos Deputados, ao lidar com o caso, não reaja com a pusilanimidade demonstrada em 1999, quando apenas advertiu o então deputado Jair Bolsonaro depois que este defendeu o fechamento do Congresso, disse que “o erro do regime militar foi torturar, e não matar” e lamentou que a ditadura não tivesse fuzilado vários políticos, a começar por Fernando Henrique Cardoso, então presidente da República.

Na ocasião, exatamente como agora, Jair Bolsonaro, ante a repercussão negativa, disse que havia “exagerado”. Mas a mensagem já estava dada – e, ante a complacência dos democratas, ajudou a manter vivo o ânimo reacionário que tantos votos rendeu e, lamentavelmente, continua a render aos liberticidas.

Fonte: O Estado de S. Paulo – Notas & Informações – Sábado, 2 de novembro de 2019 – Página A3 – Internet: clique aqui

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