Um Brasil que ninguém quer ver!
13,5
milhões na extrema pobreza,
2,4
milhões “nem-nem” e
desigualdade
em alta
Redação RBA
Em tempos de corte de gastos públicos, IBGE
destaca necessidade de políticas voltadas para segmentos mais vulneráveis da população
O Brasil
tinha 13,5 milhões de pessoas na extrema pobreza
em 2018, 6,5% da população, nível recorde desde 2012, segundo a Síntese de
Indicadores Sociais (SIS), divulgada hoje (6 de novembro) pelo IBGE. O
instituto adota critério do Banco Mundial, que inclui na extrema pessoa quem
tem renda mensal per capita inferior a US$ 1,90 por dia. “Esse número é
equivalente à população de Bolívia, Bélgica, Cuba, Grécia e Portugal”, diz
o IBGE. A pesquisa inclui outros dados negativos, como a desigualdade no
mercado de trabalho, e a chamada geração “nem-nem”. Recentemente, o
ministro da Economia, Paulo Guedes, queixou-se que os pobres “consomem tudo” o
que ganham.
Em um
momento de corte de gastos públicos, o gerente do estudo, André Simões, afirma
a necessidade de políticas públicas voltadas para esse segmento mais
vulnerável da população. “Esse grupo necessita de cuidados maiores que
seriam, por exemplo, políticas públicas de transferência de renda e de dinamização
do mercado de trabalho. É fundamental que as pessoas tenham acesso aos
programas sociais e que tenham condições de se inserir no mercado de trabalho
para terem acesso a uma renda que as tirem da situação de extrema pobreza”,
afirma o IBGE.
O país tem
também 52,5 milhões na chamada linha da pobreza,
vivendo com menos de R$ 420 per capita por mês. O índice até caiu de 2017 para
2018, de 26,5% para 25,3% da população, mas, como lembra o instituto, está
longe do melhor resultado da série: 22,8%, em 2014. “Em 2012, foi registrado o
maior nível da série para a pobreza, 26,5%, seguido de queda de 4 pontos
percentuais em 2014. A partir de 2015, com a crise econômica e política e a
redução do mercado de trabalho, os percentuais de pobreza passaram a subir com
pequena queda em 2018, que não chega a ser uma mudança de tendência”, diz o
analista Pedro Rocha de Moraes.
Mesmo o
valor do indicador de pobreza do Bolsa Família, R$ 89, é inferior ao parâmetro
global, equivalente a R$ 145. Mas o pesquisador do IBGE Leonardo Athias observa
que, em 2011, o valor de R$ 70 para o BF era compatível com o valor global da
época, de US$ 1,25 por dia. “Por falta de correções monetárias, hoje o valor
de R$ 89 é abaixo do valor global indicado pelo Banco Mundial”, acrescentou.
Brancos
ganham 74% a mais que negros
Em outro
aspecto da pesquisa, o IBGE mostrou que no ano passado pretos e pardos –
classificação usada pelo instituto – correspondiam a dois terços (66%) dos
chamados subocupados por insuficiência de horas – quem trabalha menos de 40
horas semanais e gostaria de trabalhar mais. As mulheres, que são 43,7%
dos ocupados, correspondem a 54,6% dos subocupados.
A taxa de
desemprego para a população preta e parda foi de 14,1%. Entre os
brancos, 9,5%, e eles também ganhavam, em média, 73,9% a mais. Quando se
calcula o rendimento-hora, a diferença é de 68,3%. Dos pretos e pardos,
47,3% estão na informalidade, ante 34,6% dos brancos.
Ainda de
acordo com o IBGE, 2,4 milhões de jovens de 15 a 29
anos não estudavam nem trabalham em 2018, a chamada geração
“nem-nem”. O total corresponde a 23% das pessoas nessa faixa etária.
“Este patamar coloca o Brasil entre os cinco piores colocados entre os 41
países membros ou parceiros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE)”, observa o instituto. Mais da metade (57,4%) desses
jovens era de desalentados.
Fonte: Rede
Brasil Atual – Economia – Quarta-feira, 6 de novembro de 2019 – 15h31
(Horário de Brasília – DF) – Internet: clique aqui.
A
desigualdade trava o crescimento
Entrevista
com Joseph Stiglitz
Prêmio
Nobel de Economia (2001)*
Francesco
Manacorda
Jornal
«La Repubblica» - Roma (Itália)
07-11-2019
"Precisamos de uma caixa de ferramentas
para reparar o capitalismo.
Caso contrário, os populistas de todo o mundo
se unirão."
![]() |
JOSEPH E. STIGLITZ |
"O
capitalismo não está acabado, mas precisa de um novo contrato social". O Prêmio
Nobel de Economia Joseph E. Stiglitz - uma das vozes mais fortes do
mundo na crítica à globalização e ao liberalismo - pede que sejam revistas
as regras para chegar a um "capitalismo progressivo". Ele explica
isso em seu último livro, lançado este ano nos Estados Unidos, People,
Power, and Profits [trad. livre: Povo, Poder e Lucro], e o explicará
nos próximos dias em uma série de encontros na Itália que se iniciam com esta
entrevista.
Stiglitz
certamente não é um revolucionário: se na cena estadunidense é um
iconoclasta que se tornou por sua vez objeto de culto por teorias que muitos
veem se embrenhando pelos territórios proibidos do socialismo, na Europa sua
proposta soa muito mais familiar. Não muito diferente, no fundo, daquela
que poderia apresentar um socialdemocrata sueco ou mesmo um bom e velho
democrata-cristão da esquerda social. "Mas, se não ajustarmos o quanto
antes o capitalismo - ele diz - corremos o risco de sermos tragados pela
força das desigualdades que esse sistema sem controles está nos impondo"
e pela igualmente violenta reação dos populistas de todo o mundo que também
tendem a se unir, justamente como Marx pediu para fazer cento e setenta anos
atrás - desde então com altos e baixos - aos proletários.
Eis a
entrevista.
Ajustar
o capitalismo, professor Stiglitz. Mas com que ferramentas? Para que ter à
disposição ferramentas para tentar mudar o que não está dando certo? E quem
deveria fazer isso?
Joseph
E. Stiglitz: Os Estados devem fazer isso e da caixa de ferramentas
devem retirar normas fortes que limitem o excessivo poder das empresas; investimentos
públicos em infraestrutura e que, em geral, aumentem a eficiência e a
produtividade da economia; um sistema tributário progressivo (onde os
ricos paguem em proporção mais impostos do que os pobres, ndr) em vez de
regressivo como é hoje nos Estados Unidos; impostos sobre a poluição e
as transações financeiras; um Estado de bem-estar que não seja apenas
assistência social, mas ajude as pessoas a investirem em si mesmas.
Em
suma, um forte papel do Estado, como regulador, investidor, redistribuidor de
recursos. Muitos o consideram completamente anti-histórico.
Stiglitz:
Certamente precisamos de um melhor equilíbrio entre Estado e mercado.
Quando se deixa um mercado sem regras, quando prevalece aquele "neoliberalismo"
que reinou nos últimos quarenta anos, então acontece tudo o que vimos nos
Estados Unidos nesta década:
* bancos que
assumem riscos excessivos,
* empresas
que se aproveitam de seus clientes e dos poupadores,
* crises
financeiras,
* empresas
automobilísticas que tentam enganar sobre as emissões poluentes de seus carros,
* gigantes
da alimentação que induzem as crianças a comer produtos que poderiam torná-las
diabéticas.
E só estou
fazendo uma lista parcial.
Por
muitos anos, pensou-se que nenhum poder estatal pudesse limitar o poder das
grandes corporações, semelhante a navios corsários que não usavam nenhuma
bandeira nacional. É isso mesmo?
Stiglitz:
Não, acredito que os Estados Unidos e a Europa tenham uma maneira de
incidir profundamente sobre o comportamento das grandes corporações,
principalmente atuando sobre as práticas anticoncorrenciais ou evitando
concentrações excessivas e melhorando a regulamentação financeira. Os países
maiores, incluindo a China, na realidade têm um poder enorme.
Parar
o poder esmagador das grandes corporações também não significaria parar, ou
pelo menos, pôr em risco o crescimento econômico?
Stiglitz:
Foi o que tentaram e tentam nos fazer acreditar. Mas o que a longo
prazo realmente trava o crescimento e o desenvolvimento é o aumento das
desigualdades, o fato de que os que estão embaixo têm cada vez menos
oportunidades e os que estão no topo podem agir sem restrições.
Existe
um paradoxo, no entanto. Na Europa, a partir da Itália, temos um capitalismo
muito temperado pela intervenção do Estado. No entanto, a Europa, em termos de
puro crescimento do PIB, está bem atrás dos altamente desregulados Estados
Unidos. Por quê?
Stiglitz:
Antes de tudo, acho que devemos ser muito cautelosos com a forma como se
mede a produção de uma empresa. Se o PIB aumenta, mas também aumentam os
obesos ou os alcoólatras que precisam de tratamento, qual é o efeito geral
sobre o crescimento de um país? Além disso, o crescimento da população e da
força de trabalho nos EUA nas últimas décadas foi muito superior àquela da
Europa e contribuiu para impulsionar o crescimento econômico. Finalmente, há
uma infinidade de fatores que podem influenciar a relação entre estado, mercado
e crescimento econômico. Veja a Suécia ou a Noruega, que tiveram crescimento
satisfatório e uma intervenção estatal. De maneira mais geral, se
considerarmos o período que abrange aproximadamente o último século, aqueles
que colocaram o Estado e o mercado em campo tiveram um crescimento mais justo e
mais forte do que aqueles que não o fizeram.
Ninguém
nega que em cada país as desigualdades tenham crescido nos últimos quarenta
anos. Mas o neoliberalismo não reduziu também as desigualdades no mundo? Você
não acha que, no fundo, suas ideias são um exemplo de primazia cultural
ocidental?
Stiglitz:
Sim, os países do sudeste da Ásia, principalmente a China e a Índia,
estão entre os que mais se beneficiaram do crescimento e, em muitos casos,
tiveram uma redução das desigualdades dentro deles. Mas, para atingir esse
objetivo, o Estado interveio de maneira forte. Portanto, vejo o que
aconteceu naqueles países como a prova de que o mercado, para funcionar da
melhor maneira possível, deve ser temperado por um forte papel do Estado.
Sabe-se
que você é um crítico do euro e das políticas de austeridade ligadas à
manutenção da moeda única. Hoje precisamos menos ou mais da Europa? Ou apenas
de uma Europa diferente?
Stiglitz:
Existe uma percepção generalizada de que os acordos atuais na base da
Europa, incluindo o euro, não funcionam bem. Os baixos níveis de crescimento
no continente demonstram isso. Acredito que precisamos de mais Europa: a
união bancária, um fundo de solidariedade entre países europeus, um seguro de
desemprego em nível continental. Mas se não conseguirmos chegar a isso, então é
melhor um pouco menos Europa. Não critico a construção europeia, mas apenas
a moeda única que obriga países com políticas orçamentárias muito diferentes a
se adaptarem à mesma moeda. Além disso, nem todos os países da UE adotam o
euro.
As democracias
sociais do norte da Europa são o verdadeiro exemplo de seu "capitalismo
progressivo"?
Stiglitz:
É preciso olhar ao redor do mundo e entender os diferentes aspectos do
capitalismo progressivo. Claro, a Suécia tem muito a nos ensinar: por
exemplo, sobre o sistema de ensino ou sobre o Estado de bem-estar social,
enquanto a Noruega é provavelmente o melhor país do mundo em
capacidade de gerenciar seus recursos naturais. Outros países conseguiram
alcançar um bom grau de cooperação entre as empresas e seus reguladores. Mas é
um processo em constante mudança, no qual não se pode parar de tentar, de
experimentar.
*
Joseph Eugene Stiglitz: clique aqui para
informações detalhadas de sua carreira acadêmica, profissional e política.
Comentários
Postar um comentário