«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

O que deseja a extrema direita

 O golpe de Estado continuado*

 Boaventura de Sousa Santos

Professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Autor, entre outros livros, de “O fim do império cognitivo” (Autêntica) 

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

Com a vitória de Lula, a democracia brasileira sobreviveu a esta nova fase do golpe de Estado continuado. E agora? Quais os próximos passos?

Neste domingo tornou-se evidente que está em curso um golpe de Estado no Brasil. É um golpe de tipo novo, cujo curso poderá não ser substancialmente afetado pelo resultado das eleições, ainda que a vitória de Lula da Silva certamente afetará o seu ritmo. 

Em destaque o presidente da Câmara dos Deputados Federais, Eduardo Cunha, na sessão de cassação do mandato de Dilma Rousseff

1ª Fase do Golpe de Estado

É um golpe que:

a) começou a ser posto em movimento em 2014 com a contestação dos resultados das eleições presidenciais ganhas pela presidente Dilma Rousseff;

b) prosseguiu com o impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016;  

c) com a prisão ilegal do ex-presidente Lula da Silva em 2018 de modo a impedi-lo de concorrer às eleições que foram ganhas pelo presidente Jair Bolsonaro, beneficiário principal do golpe de Estado na sua fase atual. 

2ª Fase do Golpe de Estado

Com a eleição de Jair Bolsonaro encerrou-se a primeira fase do golpe e iniciou-se uma segunda. Tal como Adolf Hitler em 1932, Jair Bolsonaro tornou claro desde o primeiro momento que se servira da democracia exclusivamente para chegar ao poder e que, uma vez atingido este objetivo, exerceria o poder com o exclusivo objetivo de a destruir. Nesta segunda fase, o golpe assumiu a forma de esvaziamento lento da institucionalidade e da cultura política democráticas, cujos principais componentes foram os seguintes. 

No domínio da institucionalidade:

* exploração de todas as debilidades do sistema político brasileiro, nomeadamente do poder legislativo, aprofundando a mercantilização da política, a compra e venda de votos dos representantes do povo no período entre eleições e a compra e venda de votos de eleitores durante os períodos eleitorais;

* a cumplicidade do sistema judiciário conservador incapaz de imaginar a igualdade dos cidadãos perante a lei e habituado a conviver tanto com o primado do direito como com o primado da ilegalidade, dependendo dos interesses em causa;

* a captura das Forças Armadas através da distribuição massiva de cargos ministeriais e administrativos. 

No domínio da cultura política democrática:

* a apologia da ditadura e dos seus métodos repressivos, incluindo a tortura;

* utilização massiva das redes sociais para divulgar notícias falsas e promover a cultura do ódio e uma ideologia de bem-estar esvaziada de outro conteúdo que não o do mal-estar ou sofrimento infligido ao “outro” construído como inimigo;

* a capilarização no âmago do tecido social do imperialismo religioso conservador dos Estados Unidos (evangelismo neopentecostal) em vigor desde 1969 como preferencial política contra-insurgente. 

ADOLF HITLER, em 1932, faz seu "Apelo à Nação": por vias eletivas ele conquistou o poder para, depois, usurpá-lo e transformá-lo em um regime autoritário e genocida!

3ª Fase do Golpe de Estado

Esta fase concluiu-se no final do primeiro turno das eleições presidenciais em 2 de outubro passado. A partir daí, entrou numa fase nova assente no ataque frontal ao núcleo duro da democracia liberal, o processo eleitoral e as instituições encarregadas de garantir o seu decurso normal. Esta fase é qualitativamente nova em razão de dois fatores. 

Em primeiro lugar, tornou-se mais clara a internacionalização do ataque à democracia brasileira por via de organizações de extrema direita globais originárias e financiadas pela plutocracia norte-americana.

O Brasil transformou-se no laboratório da extrema direita global; aí se testa a vitalidade do projeto fascista global em que o neoliberalismo joga um novo (último?) fôlego.

O objetivo principal é a eleição de Donald Trump em 2024. Informações fidedignas dão-nos conta de que as empresas de desinformação e de manipulação eleitoral ligadas ao notório fascista Steve Bannon estiveram instaladas em dois andares de uma das ruas principais de São Paulo donde dirigiram as operações. 

Nesta fase eleitoral, as duas estratégias principais foram as seguintes.

a) A primeira foi a intimidação para impedir o “voto errado” e os benefícios em troco do “voto certo” oferecido pelo baixo empresariado e por políticos locais.

b) A segunda, há muito utilizada pelas forças conservadoras nos Estados Unidos, sob o nome de vote suppression, foi a supressão do voto. Tratou-se de um conjunto de medidas excecionais, sempre sob o verniz da normalidade legal, destinadas a impedir os grupos sociais mais inclinados a votar no candidato oposto aos golpistas de exercer o seu direito de voto:

* bloqueios de estradas,

* excesso de zelo na fiscalização de veículos que transportam potenciais votantes,

* intimidação de modo a provocar a desistência,

* suspensão de transportes gratuitos decretados pela lei eleitoral para promover o exercício do direito de voto aos mais pobres. 

E agora, Brasil? A democracia brasileira sobreviveu a esta nova fase do golpe de Estado continuado. Para isso contribuiu o notável e destemido envolvimento dos democratas brasileiros que viram no seu voto a prova de uma vida minimamente digna, a afirmação da sua autoestima civilizatória, o princípio ativo da energia democrática para os tempos difíceis que se avizinham. Contribuiu também a firmeza das instituições da justiça eleitoral, no meio de pressões, de desautorizações e de intimidações de todo o tipo.

Mas seria estultícia irresponsável pensar que o processo golpista terminou. Não terminou e vai entrar numa nova fase porque as condições e as forças nacionais e internacionais que o reclamam desde 2014 continuam vigentes e só se fortaleceram nestes anos mais recentes. 

STEVE BANNON, norte-americano, um dos mais empenhados em organizar e fazer a extrema-direita chegar ao poder no ocidente. Foi preso e multado por desvio de dinheiro em seu país, os Estados Unidos da América

4ª Fase do Golpe de Estado

O golpe de Estado continuado vai entrar numa nova fase. De imediato, será provavelmente a contestação dos resultados eleitorais para compensar o fracasso dos golpistas em não terem conseguido os resultados que pretendiam com as múltiplas fraudes que praticaram. Depois, o golpe assumirá outras formas, ora mais subterrâneas:

* com a utilização do crime organizado para intimidar as forças democráticas,

* ora mais institucionais com a mobilização desviante do poder legislativo para criar uma situação de permanente ingovernabilidade, nomeadamente com a ameaça de impeachment do governo eleito e dos quadros superiores do sistema judicial. 

A democracia insuficiente

Embora o objetivo de médio prazo dos golpistas seja impedir que o Presidente Lula da Silva termine o seu mandato, o processo do golpe continuará e só será verdadeiramente neutralizado quando os democratas brasileiros se derem conta de que a vulnerabilidade da democracia é em boa medida autoinfligida, pela arrogância em pretender ser a única condição para a legitimidade do poder em vez de assumir que a sua legitimidade estará sempre à beira do colapso numa sociedade socioeconômica, histórica, racial e sexualmente muito injusta. 

Assista a esta ótima entrevista com o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, clicando sobre a imagem abaixo:

* Publicado originalmente no jornal Público (Lisboa, Portugal). 

Fontes: a terra é redonda – Artigos – Segunda-feira, 31 de outubro de 2022 – Internet: clique aqui (Acesso em: 05/11/2022 – às 14h00).

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