Evangélicos e a política
Evangélicos podem ser fiel de balança que pesará contra esquerda no futuro
Repórter especial
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA se reúne com evangélicos em São Paulo, capital - Marlene Bergamo - 19 de outubro de 2022 / Folhapress |
Parte
dos pastores reforçou tese de que o mal venceu por ora, enquanto outros
baixaram o tom
É provável que, em alguns anos, evangélicos sejam a maioria da população. José Eustáquio Alves, doutor em demografia aposentado do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), projetou que isso aconteceria em 2032.
Se a democracia passar bem depois desta eleição, sem golpismos prósperos, teremos mais dois pleitos presidenciais até lá. Não é preciso dizer que a já expressiva polpa eleitoral desse bloco vai dar mais suco daqui para frente. Um refresco, claro, para o bolsonarismo.
Dá para cravar que Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) ganhou esta eleição apesar dos evangélicos, e não com
eles. Todas as pesquisas às vésperas do segundo turno mostravam uma ampla
preferência do grupo pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
O peso da identidade religiosa fica mais evidente
quando lembramos que a face média do crente é negra, pobre e feminina.
Nichos que tendem a Lula, e mesmo assim a onda pró-Bolsonaro nos templos foi
avassaladora. Neles, Lula é o demônio que vai trazer comunismo, aborto,
drogas e toda a sorte de males aos olhos do povo evangélico.
Não precisa ser verdade, precisa convencer. E a máquina bolsonarista
é boa nisso.
Alguns dos pastores que assumiram a linha de frente contra o
petismo reforçaram a tese da batalha espiritual, com um mal que por ora
triunfou, após o anúncio da vitória lulista contra Bolsonaro.
André Valadão, o membro mais
barulhento do clã à frente da Igreja Batista Lagoinha, postou uma
montagem do rosto de Lula como dom Pedro 1º. “Dom Preso Primeiro –se for para
roubar, diga ao povo que volto!”
Apontado como sucessor do bispo
Edir Macedo na Igreja Universal, seu genro Renato Cardoso pediu numa live que seus seguidores
orem por Bolsonaro e sugeriu que o momento é de provação. “Tudo isso aí
simplesmente vai fortalecer aqueles que já são da fé. Vamos ver daqui pra
frente uma distinção cada vez maior entre o bem e o mal.”
De João Vitor Ota, pregador
de 13 anos com 1 milhão de seguidores no Instagram: “Infelizmente a minha
geração não pode definir o futuro, mas se prepare, daqui a quatro anos, chegará
a nossa vez. Glória a Deus”.
Outra parte expressiva da liderança abaixou o tom. O pastor Silas Malafaia diz que orou por Lula em
culto noturno neste domingo (30 de outubro), porque a Bíblia manda que todos orem
pelas autoridades constituídas. Ele como pessoa física pode ser Bolsonaro, mas “a
vontade soberana do povo se estabeleceu”, afirma.
O deputado Marco Feliciano seguiu trilha parecida. “Vi o discurso de Lula. Começou agradecendo a Deus. Falou de Deus em vários momentos. Reafirmou compromisso pela liberdade religiosa, evitou temas que causam divergências com o segmento evangélico e terminou agradecendo a Deus. Aprendeu a nos respeitar? Tenho dúvidas. O tempo dirá”, disse em rede social.
JAIR BOLSONARO, em uma das "Marchas para Jesus", fazendo o seu característico gesto de "revólver" com as mãos, em pleno ato religioso |
Depois de anos sob uma campanha bolsonarista intensa, com
cismas internos que provocaram expurgo de pastores à esquerda e fuga de
fiéis, as igrejas devem se reorientar para entender como marcharão sob o
futuro governo Lula.
Uma coisa é certa: será muito difícil para futuros candidatos abrir
mão da força política que se tornaram.
O sociólogo Paul Freston,
que estuda essa parcela religiosa desde 1989, sintetizou assim o horizonte:
“A cada
eleição, o crescimento evangélico é um problema crônico para o campo, pois
representa uma porcentagem maior do eleitorado. A dificuldade de se conectar
com esse segmento implica um preço cada vez maior. Não vai ser fatal nesta
eleição, mas, na próxima, volta a ser um problema, como quase foi em 2014, como
foi em 2018”.
E como não foi por um triz em 2022, podemos agora
acrescentar.
Seria um erro da esquerda, contudo, deixar que essa
predileção por Bolsonaro a afaste de vez
do segmento. Há muito ressentimento de ambos os lados, e em algum
momento alguém vai ter que estender a mão em busca do diálogo. Se o campo
progressista se acastelar no alto de sua torre de marfim, vendo apenas
fundamentalismo no lado de lá, e não uma rede complexa de quereres, quem vai
perder a médio e longo prazo é ele.
Os acenos até aqui são tímidos, até atabalhoados. Lula não colocou um pastor pentecostal para falar no
dia em que lançou uma carta aos evangélicos. Aliás, só se decidiu pela missiva
de última hora, o que foi explorado como oportunismo eleitoral por seus
detratores.
A esquerda parece se apegar a poucas e legítimas
lideranças progressistas que, no entanto, falam mais para uma bolha secular
do que para as igrejas. Como vai fazer para alcançar as massas crentes?
O sequestro ideológico existe,
mas é um erro promover uma versão às avessas da guerra entre o bem e o mal que
Bolsonaro tentou vender ao longo da campanha, com ajuda dos pastores amigos. Mais
importante é tentar entender como o projeto bolsonarista conseguiu cooptar num
tempo relativamente curto uma fatia tão larga do evangelicalismo nacional.
E aqui há um tanto de viés de confirmação, que atinge fiéis
e líderes. É quando a pessoa dá um peso desproporcionalmente alto a tudo o
que confirma o que ela já acredita, e inconscientemente desdenha evidências
que contrariam suas teses. Se eu creio que Bolsonaro é o melhor para o país, e
todos em volta fazem o mesmo, acabo ignorando o que possa causar fissuras nessa
aparente unanimidade.
A questão armamentista é um bom exemplo. Quase nenhum
desses pastores de maior expressão se anima com ela, mas ninguém vê a
necessidade de se contrapor abertamente à causa agora.
Uma pastora que não morre de amores pelo presidente,
ex-católica convertida há quase 25 anos, viu o bolsonarismo aflorar em todo o
seu entorno. É verdade que seus colegas nunca foram petistas roxos, diz. No
máximo, deixaram-se contagiar pela empolgação que tomou o segmento quando Lula
chegou ao poder em 2002, rodeado de pastores que hoje o espinafram.
Uma leitura possível para o fisiologismo que norteia boa parte desses líderes é o que ela chama de síndrome do cachorro correndo atrás do caminhão de mudança. Evangélicos se sentiam vira-latas em pleitos passados, ganhando quando muito alguns biscoitos eleitorais. Fechadas as urnas, voltavam a dormir ao relento, longe do aconchego do Palácio do Planalto.
ANDRÉ MENDONÇA, o pastor presbiteriano bolsonarista, indicado para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) |
Com Bolsonaro,
isso mudou. Evangélicos entraram na Esplanada, até no STF (Supremo
Tribunal Federal), representados pelo pastor presbiteriano André Mendonça. Pela primeira vez, um presidente
inclui em seu calendário a Marcha para Jesus, evento que atravessou três
décadas e seis mandatários. O simbolismo aqui é forte.
Eles sentem que alguém se importa com eles agora e acabam cegos e
surdos para excessos patentes do bolsonarismo, diz essa pastora.
Se a esquerda continuar demonstrando que não está nem aí para eles, evangélicos poderão ser o fiel da balança que devolverá o país à direita bolsonarista daqui a quatro anos. Não vai dar para dizer que ninguém a avisou.
Fontes: Folha de S. Paulo – Política – Eleições 2022 – Terça-feira, 1º de novembro de 2022 – Pág. A14 – Internet: clique aqui (Acesso em: 01/11/2022 – às 20h10).
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