A república não é a do Brasil

 A ultradireita da França assusta, a do Brasil é normalizada e avança

 Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha de S. Paulo. É mestre em Administração Pública pela Universidade Harvard (Estados Unidos) 

Cartazes do partido de extrema-direita da França, com fotos de Marine Le Pen e Jordan Bardella - Foto: Benoit Tessier/Reuters

Política francesa entretém e alarma, mas líder golpista é o maior cabo eleitoral no Brasil

Alguns brasileiros estamos entretidos com as reviravoltas da política francesa. Alguns estivemos alarmados com as ameaças à liberdade, à igualdade, à fraternidade e à dignidade humana em geral, postas em risco pela possibilidade de vitória do partido Reunião Nacional, de Marine Le Pen, de ultradireita ou o nome que se dê. 

Um rótulo político qualquer não vai esconder que se trata de um partido adversário da república, ideia para a qual jamais demos muita bola, mas que na França ainda comove muita gente. A república envolve princípios e direitos reais e muito caros para massas de pessoas; sua instituição periclitou por um século e meio e custou muito sangue e guerra civil. 

Faz menos de dois anos, vimos aqui no Brasil assaltos até contra o direito de termos um sistema eleitoral democrático, que é um meio para se chegar a uma democracia substantiva e à república. 

O líder do golpe contra as eleições é o maior líder político do país além do presidente da República. Trata-se, claro, de Jair Bolsonaro, que proclamou em público que cancelaria eleições —e muito mais. Quanto ao caráter republicano do presidente das trevas, basta lembrar sua pregação:

* do genocídio,

* da guerra civil,

* da tortura,

* o preconceito criminoso contra indígenas, mulheres etc. 

Em menos de dois meses, começa a campanha eleitoral municipal. Não é possível saber ainda quantos dos candidatos serão liderados ou vão aderir a Bolsonaro, tal como o fez o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes. Sabe-se que a maioria do centrão direitão que domina prefeituras e Congresso já sustentou o governo Bolsonaro, é adepto do seu programa ou vai se valer de seu apoio. 


Políticos sem um projeto para o Brasil

O centrão direitão e suas alas mais bolsonaristas tiveram sucesso em 2020 e 2022, base do seu domínio e expansão políticos. Não têm programa quanto a questões essenciais:

* gasto público e impostos,

* transição energética,

* saúde pública,

* devastação ambiental etc.

No essencial, não importa muito se as coisas continuarem como estão desde que tenham mais poder sobre o Orçamento (emendas gastas à matroca) e fundos para feudalizarem a política. São pontas de lança do movimento que vai esgotar todo o Orçamento até que governo e Estado se tornem inviáveis, daqui a um lustro, talvez. 

Quanto à ideia maior de república, jamais foi uma preocupação nacional explícita, se foi preocupação. Agora, se trata de acabar com a possibilidade de que tenhamos uma, dados a liderança normalizada de um golpista e o avanço de suas tropas contra os direitos mais elementares. 

O Brasil está longe de ser uma república 

República, aqui, fazia parte do nome do golpe militar que derrubou o império agrário escravista de Pedro 2º e é parte do nome oficial do país, República Federativa do Brasil. Por falar nisso, diga-se, de passagem, que tratamos mais de “federação” do que de república, pois está em jogo o interesse de elites regionais e dos centrões. 

República está longe de haver, pois os direitos mais básicos, como os civis ou mesmo o direito à vida, não se estendem a massas de pobres, ainda menos se pretos e pardos. São pessoas largadas em calabouços sem processos ou advogados, assassinadas aos montes pelo crime privado ou estatal, discriminadas negativamente até por serem discriminadas (sic), pois condenadas a pobrezas e outras opressões. 

A república depende de direitos sociais. Um dos mais básicos é o direito universal à escola, que não havia na prática faz meros 30 anos e, substantivamente, ainda não há, dada a educação péssima e muito desigual. 

Enfim, deu para entender. A democracia e a república estão sob ataque contínuo e despercebido. O maior cabo eleitoral do país é golpista. Como se fosse normal. 

Fonte: Folha de S. Paulo – Mercado/colunas e blogs – Quarta-feira, 10 de julho de 2024 – Pág. 5 – Internet: clique aqui (Acesso em: 11/07/2024).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A necessidade de dessacerdotalizar a Igreja Católica

Vocações na Igreja hoje

Eleva-se uma voz profética