17º Domingo do Tempo Comum – Ano B – Homilia
Evangelho: João 6,1-15
Frei
Alberto Maggi *
Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas)
A Eucaristia nos faz pessoas livres
O episódio da partilha dos pães e dos peixes é relatado por todos os quatro evangelistas. Qual é a sua importância? Esta narração antecipa e retrata o significado da Eucaristia. Em particular, João faz disso o tema do sexto capítulo de seu evangelho, o mais longo, de 71 versículos. O contexto em que se enquadra é o do livro do Êxodo e, de fato, encontramos o tema do mar, o tema da montanha, o tema da Páscoa, o tema da tentação e o tema do pão. E, enquanto no deserto era a multidão que tinha de pedir a Deus para ser alimentada, aqui é Jesus, que é Deus, que antecipa os desejos e as necessidades das pessoas, mas os resultados são decepcionantes.
João
6,1-10a:** «Naquele tempo, Jesus foi para o
outro lado do mar da Galileia, também chamado de Tiberíades. Uma grande
multidão o seguia, porque via os sinais que ele operava a favor dos doentes. Jesus
subiu ao monte e sentou-se aí, com os seus discípulos. Estava próxima a Páscoa,
a festa dos judeus. Levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão estava
vindo ao seu encontro, Jesus disse a Filipe: “Onde vamos comprar pão para que
eles possam comer?” Disse isso para pô-lo à prova, pois ele mesmo sabia muito
bem o que ia fazer. Filipe respondeu: “Nem duzentas moedas de prata bastariam para
dar um pedaço de pão a cada um”. Um dos discípulos, André, o irmão de Simão
Pedro, disse: “Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas
o que é isso para tanta gente?” Jesus disse: “Fazei sentar as pessoas”.»
O evangelista escreve que André, irmão de Simão Pedro, conta a ele que: “Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes”. Os cinco pães de cevada lembram o milagre de Eliseu que alimentou cem pessoas com vinte pães de cevada e dois peixes (cf. 2Rs 4,42-44). Porém, observa André: “Mas o que é isso para tanta gente?”. E aqui estão as preciosas indicações do evangelista, Jesus respondeu: “Fazei sentar as pessoas”. Literalmente, o texto original grego traz: “Fazei sentar estes homens”. É importante que o evangelista tenha utilizado o termo “homem” e mais do que “sentar”, em grego encontramos “recostar-se”. E por que isso? No almoço solene, no almoço de Páscoa, no almoço das pessoas das casas ricas, comia-se de acordo com o costume greco-romano recostado. E quem poderia comer recostado? Aquele que tinha um servo que poderia servi-lo. Aqui está o primeiro significado da Eucaristia: fazer com que as pessoas se sintam senhores, isto é, totalmente livres.
João
6,10b: «Havia muita relva naquele lugar, e lá se sentaram,
aproximadamente, cinco mil homens.»
O
evangelista observa que: “Havia muita relva”. É uma referência ao Salmo
72, os tempos do Messias, da abundância. Prossegue dizendo: “naquele
lugar”, o termo “lugar”, que João sempre usou para o Templo de Jerusalém,
aqui, indica onde Jesus mora. Mas, enquanto no templo é o homem que deve
fazer oferenda a Deus, aqui é Deus quem se oferece ao homem. Então, “e
lá se sentaram”, isto é, se recostaram, “aproximadamente, cinco mil homens”.
Por que o termo «cinco mil»? Porque indica o número da comunidade cristã primitiva,
segundo Atos dos Apóstolos (4,4), mas, sobretudo, é um múltiplo de cinquenta
que indica a ação do Espírito, cinquenta em grego é “Pentecostes”.
Aqui, o evangelista para “homens” não usa o termo grego que usou precedentemente “antropous”, mas “andres”, que significa homens maduros. A Eucaristia torna as pessoas seres humanos maduros, plenos, isto é, seres humanos livres.
João 6,11-13: «Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os aos que estavam sentados, tanto quanto queriam. E fez o mesmo com os peixes. Quando todos ficaram satisfeitos, Jesus disse aos discípulos: “Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca!” Recolheram os pedaços e encheram doze cestos com as sobras dos cinco pães, deixadas pelos que haviam comido.»
Então,
diz o evangelista: “Jesus tomou os pães, deu graças”, do verbo “agradecer”,
“render graças” deriva o termo Eucaristia. Prossegue: “e
distribuiu-os aos que estavam sentados”, o termo “sentados” aparece pela
terceira vez. E Jesus omite um ato muito importante: não solicita a lavagem
ritual das mãos. Não há necessidade de se purificar para comer a refeição do
Senhor, mas é a refeição do Senhor que purifica as pessoas.
“E eles comeram o quanto quiseram”. Enquanto o maná era limitado e medido (cf. Ex 16), há abundância aqui. Quando não se guarda somente para si mesmo, egoisticamente, mas generosamente se compartilha com os outros, há abundância. De fato, o evangelista diz que eles “encheram doze cestos” porque, como as doze tribos de Israel, assim pode-se alimentar toda uma nação.
João
6,14-15: «Vendo o sinal que Jesus tinha realizado, aqueles homens
exclamavam: “Este é verdadeiramente o Profeta, aquele que deve vir ao mundo”. Mas,
quando notou que estavam querendo levá-lo para proclamá-lo rei, Jesus
retirou-se de novo, sozinho, para o monte.»
Infelizmente,
os participantes não entenderam. Sim, isso mesmo! De fato, escreve o
evangelista: “aqueles homens”. O evangelista começou tratando as pessoas
como “homens” (grego: antropous), depois da participação na
Eucaristia os fez “homens maduros”, “homens adultos” [grego: andres]
e, agora, eles voltam a ser chamados de “homens” (antropous). Eles
não entenderam, não aceitam a condição de homens maduros, querem se submeter,
isto é, estar debaixo das ordens de um rei!
“Vendo
o sinal que Jesus tinha realizado, aqueles homens exclamavam: ‘Este é
verdadeiramente o Profeta’”, aquele que, segundo a linhagem de Moisés, deveria
fazer a lei ser observada, “aquele que deve vir ao mundo”. O
evangelista observa que Jesus notou que desejavam proclamá-lo rei. Os homens
querem obediência, querem submissão, não querem maturidade e não
querem liberdade. Assim como Moisés se retirou para a montanha, após a
traição do povo que adorava um bezerro de ouro (cf. Ex 32,30), Jesus se
reúne sozinho na montanha.
Submissão e obediência para Jesus é o mesmo que idolatria, porque ele é o Deus que liberta as pessoas.
* Traduzido e editado do italiano por Pe.
Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
«Não se pode viver a liberdade no mesmo lugar onde se
viveu a servidão.»
(Imre Kertész: 1929–2016 ― escritor húngaro, premiado
com o Nobel da Literatura em 2002)
Apesar do contexto ser diferente daquele do Evangelho deste domingo, as palavras de Paulo aos gálatas são muito apropriadas para nós, hoje: “É para a liberdade que Cristo nos libertou. Ficai firmes e não vos deixeis amarrar de novo ao jugo da escravidão” (Gl 5,1). O apóstolo referia-se ao jugo da Lei mosaica, interpretada e vivida de modo errôneo pelos escribas e fariseus de seu tempo. Porém, essas palavras são perfeitas para a Eucaristia.
Quantas e quantas vezes nos alimentamos da Santa Eucaristia, porém não nos tornamos homens e mulheres livres?! Deixamo-nos e, pior ainda, gostamos de nos amarrar, nos ligar a costumes, tradições e ideologias que nos aprisionam, nos submetem aos poderes deste mundo: riqueza, poder, fama, futilidade!
Por isso, a Eucaristia não se converte em alimento de vida plena, de vida eterna, mas em uma prática a mais, uma devoção a mais em nossa vida!
Alimentamo-nos de Jesus, mas não nos tornamos Jesus! Comemos de seu corpo e bebemos de seu sangue, mas continuamos a idolatrar as coisas e pessoas deste mundo, a desejar que mandem em nós, comandem a nossa vida, diga-nos o que fazer, poupando-nos do trabalho de sermos livres e assumirmos as consequências da liberdade.
Não é por acaso que, ainda hoje, encontramos pessoas que defendem ideias absurdas, totalmente anticristãs e que, ao mesmo tempo, afirmam ser cristãs! Como é o caso de pessoas que defendem, por exemplo: pena de morte, ditadura militar, tortura, limitação da liberdade de expressão etc.
Aonde está o problema? A questão é que, tais pessoas, não compreenderam nada da vida, das palavras e dos gestos de Jesus Cristo! Assim, como os “homens” do Evangelho de hoje, os quais, mesmo diante da partilha, da demonstração de fraternidade e amor promovidas por Jesus, preferem vê-lo como um rei, do que como o Filho de Deus. Aquele que é livre e liberta os seus! Ser livre é trabalhoso, afinal, requer sermos responsáveis pelas nossas escolhas e decisões! O que nem todos querem ser!
«Rendemos-te
graças, Pai nosso,
Pela vida e o conhecimento que nos
revelastes
mediante Jesus, teu servo.
A ti, glória pelos séculos.
Do modo como este pão partido
foi partilhado aqui e acolá sobre as
colinas
e recolhido tornou-se uma só coisa,
assim se reúna a tua Igreja no teu reino
pelos confins da terra;
porque tua é a glória e o poder,
por Jesus Cristo nos séculos.
Rendemos-te graças, Pai santo,
pelo teu santo nome que fizestes habitar
em nossos corações,
e pelo conhecimento, a fé e a
imortalidade
que nos revelou mediante Jesus, teu
servo.
A ti, glória pelos séculos.
Tu, Senhor onipotente,
criastes cada coisa para a glória do teu
nome;
destes aos homens alimento e bebida para
o seu conforto,
para que te rendamos graças;
mas a nós destes um alimento e uma
bebida espirituais
e a vida eterna mediante teu servo.
Sobretudo, rendemos-te graças porque és
potente.
A ti, glória pelos séculos.
Lembra-te, Senhor da tua Igreja,
de
preservá-la de todo mal
e de torná-la perfeita no teu amor;
santificada, recolha-la pelos quatro
ventos
no teu reino que para ela preparastes.
Porque teu é o poder e a glória pelos
séculos.
Venha a graça e passe este mundo.
Hosana à casa de Davi.»
(Fonte: Didaqué, 9-10)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – XVII Domenica Tempo Ordinario – 25 luglio 2021 – Internet: clique aqui (Acesso em: 16/07/2024).
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