É SUBSTITUÍDO O GUARDIÃO DA DOUTRINA CATÓLICA
Müller sai, Ladaria é investido:
motivos plausíveis de uma reviravolta
Andrea Grillo*
Come Se
Non
05-07-2017
“Era inevitável que se devesse investir um novo
prefeito de uma função muito delicada e valiosa: elaborar uma leitura do
Magistério que retorne ao impulso com que o Concílio Vaticano II restituiu
autoridade à Igreja e à história da salvação que ela vive, aqui e agora.”
O que aconteceu na cúpula da Congregação para a Doutrina da Fé deveria
ser interpretado com categorias adequadas. Essa interpretação à queima-roupa
não é fácil. É mais fácil captar motivos extrínsecos e ocasionais, para
explicar simpatias e antipatias, projetos de reforma e projetos de restauração.
Assim, é possível, com base nessas avaliações, falar de uma “oportunidade
perdida”, ou de “escândalo”, ou de “buraco na água”, ou de “não decisão”. Eu acredito que é oportuno e prudente
analisar a situação de acordo com um ângulo mais amplo. É o que eu tento
esboçar aqui.
a) A primeira observação que
podemos fazer é que, desde os primeiros
meses depois da eleição de Francisco ao ministério petrino, o cardeal Müller
assumiu posições, às vezes veladamente, às vezes explicitamente, conflitantes
com as palavras do bispo de Roma. Essa tensão, depois de quatro anos, devia
encontrar uma solução. E era difícil
pensar que o papa pudesse confirmar um “ministro” que contradizia
sistematicamente o que o papa afirmava. Obviamente, não é possível aqui
fazer uma comparação entre Müller e Ladaria. Poder-se-ia afirmar que,
justamente, a “superexposição do prefeito” protegeu o secretário, que pode
gozar de uma condição particularmente “coberta”, que hoje ele pode valorizar.
b) São muitos os pontos sobre
os quais Müller fez declarações ou concedeu entrevistas com uma perspectiva
muito diferente da do papa: para fazer apenas uma pequena lista, lembro a “exigência de dar estruturação teológica ao
papado” por parte da Congregação para a Doutrina da Fé; uma forma de “indiferença” para com o envolvimento de
“leigos” e “leigas” na luta contra a pedofilia; uma leitura radicalmente “continuísta” da Amoris laetitia com a substancial exclusão de qualquer novidade.
Sobre todos esses pontos, a lacuna entre abordagem papal e abordagem do
prefeito da Congregação parecia ser, nos últimos anos, quase irremediável.
c) Mas, para além dessas
divergências bastante importantes, pareceu
que, em Müller, sobrevivia a uma leitura redutora do Magistério e da função da
Congregação em seu interior. Müller parecia ligado a uma compreensão em que
a “negação de autoridade do Magistério e da Congregação” correspondia a uma
confirmação substancial do limite autorreferencial da Igreja. Sobre todos os temas “novos”, Müller
parecia reagir de acordo com o estilo dos últimos 30 anos, dizendo “non
possumus”. Ele parecia interpretar a função dele – e a do Magistério – como
um baluarte contra qualquer mudança. Enquanto o Papa Francisco entende a função
do Magistério e da Congregação como acompanhamento, discernimento e integração
na mudança. A mudança é mediação de
fidelidade.
d) Um tema exemplar, sobre o
qual Müller se pronunciou primeiro como teólogo e depois como prefeito, é o diaconato feminino. Sobre esse assunto,
ele desposou, sem distinção, uma exclusão radical, passando pela extensão ao
diaconato da proibição estabelecida sob João Paulo II com a Ordinatio sacerdotalis. À posição de Müller, parece estranha até
mesmo uma comissão de estudo histórica. Essa “exclusão de autoridade” –
como salvaguarda de uma noção velha e
rígida de ministério ordenado – também é típica de uma abordagem unilateral
de compreensão do Magistério e da função da Congregação para a Doutrina da Fé.
Luis Francisco Ladaria Ferrer - jesuíta espanhol recém nomeado Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé |
e) Tudo isso, evidentemente,
desgastou irremediavelmente as relações entre o prefeito e o papa. E era
inevitável que se devesse investir um novo prefeito de uma função muito
delicada e valiosa: elaborar uma leitura do Magistério que retorne ao impulso
com que o Concílio Vaticano II restituiu autoridade à Igreja e à história da
salvação que ela vive, aqui e agora. A
um prefeito achatado demais sobre o “neoantimodernismo” dos anos 1980-2010,
temos agora, substituído, um prefeito, pelo menos, disponível para entrar em
uma lógica “não autorreferencial” de custódia do “depositum fidei”.
Entrar com autoridade na lógica do papa,
estando ao seu lado, ler a mudança
também como autêntica fidelidade e não apoiar ou endossar qualquer histerismo
dissidente e reacionário, para a Congregação, seria uma passagem nada
pequena no caminho estreito, mas certo, de uma retomada do Magistério positivo,
do modo como foi sistematizado e sonhado pelo Concílio Vaticano II. É nessa
direção que me parece que se move a investidura do Padre Ladaria.
Traduzido do
italiano por Moisés Sbardelotto.
Acesse a versão original, clicando aqui.
* ANDREA GRILLO é teólogo italiano
leigo e professor do Pontifício Ateneu Sant’Anselmo, em Roma; do Instituto Teológico
Marchigiano, em Ancona; e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa
Giustina, em Pádua.
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