Escândalos no Vaticano
O que a crise no governo do Papa Francisco nos ensina
Marco Politi
Jornal “Il
Fatto Quotidiano”
05-07-2017
Os 100 dias entre março e julho 2017 representam a
primeira crise no
governo do Papa Francisco. Muitos casos se acumularam
em rápida sucessão
A renúncia
de Marie Collins da Comissão para a Proteção dos Menores, em março, o adeus repentino
de um profissional de primeiro nível como Libero Milone do seu cargo de Auditor Geral das contas do Vaticano, o
caso do neocardeal de Mali, Jean Zerbo,
incapaz de explicar o destino de 12 milhões depositados em seu nome em bancos
suíços, o brusco afastamento (que
ninguém acredita ter sido provisório) do
cardeal George Pell – membro do conselho da
coroa dos nove cardeais que aconselham o papa e responsável pela Secretaria econômica da Santa Sé –, forçado a
viajar para a Austrália para responder a acusações de abuso, a inesperada remoção do prefeito da
Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Gerhard
Ludwig Müller, a sua substituição
à frente do ex-Santo Ofício pelo jesuíta Luis Ladaria,
que se revelou signatário de um documento que convidava o bispo de Lucera a não
escandalizar os fiéis com a notícia da renúncia do estado sacerdotal do padre
pedófilo Gianni Trotta (que, aproveitando-se do silêncio, se tornaria treinador
de um time juvenil de futebol, cometendo novos crimes).
GEORGE PELL - cardeal australiano |
É uma
sobreposição de casos tão delicados que não podem ser tratados como episódios
individuais que requeiram apenas uma manutenção de rotina. Chama a atenção que, nesse
emaranhado, emergem duas questões cruciais, que atraíram imediatamente a
atenção da opinião pública católica ou não, no início do pontificado, quando
Francisco deu a entender que devia haver tolerância zero no que diz respeito
aos abusos e total transparência nas questões financeiras. Os eventos, embora diferentes, de Collins, Pell e Ladaria remetem à
questão de uma rigorosa estratégia de combate a abusos e conivências e às
carências que se manifestaram nesse campo.
Os casos
totalmente diferentes de Milone e Zerbo remetem à necessidade de uma política
de transparência total nos assuntos econômicos não só do Vaticano, mas
também das Igrejas católicas locais.
O caso Müller, no entanto, toca outra questão
importante: a exigência de que, na Cúria, haja uma equipe para apoiar o
“aggiornamento” defendido pelo pontífice argentino.
O ponto é que, no conjunto dos casos, surgiram disfunções no campo da gestão,
e, portanto, é preciso uma reviravolta nas decisões papais.
Não há dúvida
de que o caso Pell foi mal conduzido. Há muito tempo, levantaram-se rumores para que se
evitasse que uma personalidade tão em vista do conselho restrito do papa fosse
abalada por uma nova onda de acusações relacionadas com abusos encobertos ou
cometidos. Em meados de junho, era conhecida nas altas esferas vaticanas a sua
posição periclitante. “Pell tem
esqueletos no armário nada insignificantes”, confidenciava-me um empregado
vaticano.
MARIE COLLINS - ex-membro da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores |
Avisar os jornalistas às 4h da manhã sobre
uma coletiva de imprensa a ser realizada no início da manhã mostra um modo de
gerir “amadorístico”, escreveu a vaticanista Isabelle de Gaulmyn, do jornal
católico francês La Croix. “A Igreja se move porque a justiça
(estatal) se move.” Em vez disso, deveria ser o contrário. Não estava em
jogo, aqui, o princípio da presunção de inocência, mas sim o princípio de
precaução, que foi desatendido.
Mas a pergunta principal, também à luz do
afastamento de Müller, diz respeito agora ao futuro próximo. Será feito ou não aquele tribunal especial
ao qual podem se dirigir as vítimas de abuso quando houver bispos locais
negligentes que não persigam os padres-predadores? E se dará ou não um
papel eficaz à Comissão para a Proteção dos Menores, que não pode continuar
sendo uma irmandade de reflexões, mas cujo único objetivo real deveria ser o de
elaborar diretrizes obrigatórias para aquelas Conferências Episcopais que
continuam enfrentando o problema da pedofilia com uma calma que beira a
indiferença?
Segundo ponto, o dinheiro. Pell – na sua
versão de supervisor dos orçamentos das administrações vaticanas – pode até ter
sido um mau caráter. Mas ele tinha claramente na cabeça o objetivo de limpar a
selva de comportamentos arbitrários, às vezes ilegais, na gestão financeira em
curso nos vários setores da Santa Sé. Agora
que foi embora o auditor geral das contas, Milone, como se pretende realizar
uma linha de rigor e transparência?
Não esqueçamos
que, há dois anos, descobriu-se que, na Apsa (que internacionalmente tem o papel de um
banco central de Estado), foram
encontradas contas cifradas em nome de um financista, à disposição de operações
obscuras. Não esqueçamos que é inútil que a Autoridade de Informação
Financeira traga à luz graves irregularidades, se, depois, quase nenhum dos autores é processado pelos tribunais vaticanos.
São pontos nodais que cabe a Francisco
dissolver rapidamente. Pontos nodais que
requerem soluções claras e eficazes, se se quiser dar novamente um impulso à
ação reformadora sobre temas extremamente sensíveis.
LUIS FRANCISCO LADARIA FERRER - novo Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé |
E há uma última questão. A remoção de Müller,
que sistematicamente era o contraponto à linha pastoral do Papa Bergoglio, traz
novamente à tona a exigência de que o
pontífice crie na Cúria uma equipe homogênea de reformadores em todos os níveis.
Até agora – em nome da máxima inclusão
possível e do máximo respeito possível pelas nomeações feitas no seu tempo por
Bento XVI – deixaram-se as cúpulas curiais em grande parte como estavam
formadas na era de Wojtyla e Ratzinger. Mas
uma Igreja a caminho, como Bergoglio quer, precisa de uma patrulha de condução
animada pelos mesmos objetivos. Essas escolhas também cabem agora a Francisco.
Caso contrário, a máquina trava. E é possível
ver com quais resultados.
Traduzido do
italiano por Moisés Sbardelotto.
Acesse a versão original, clicando aqui.
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