«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 4 de março de 2022

1º Domingo da Quaresma – Ano C – Homilia

 Evangelho: Lucas 4,1-13

 Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

"As Tentações de Cristo" - mosaico da Basílica de São Marcos, em Veneza (Itália)

Deus é amor que se coloca a serviço dos homens, o diabo é poder que domina as pessoas

No primeiro domingo da Quaresma, a liturgia apresenta as Tentações do Deserto, segundo a interpretação que Lucas dá no seu Evangelho no capítulo 4. 

Lucas 4,1:** «Naquele tempo: Jesus, repleto do Espírito Santo, voltou do rio Jordão e, pelo Espírito, era conduzido deserto adentro.»

Essa cena, portanto, se passa após o batismo de Jesus. Depois do batismo, sobre Jesus, desceu o Espírito Santo, o qual converteu Jesus na manifestação visível do perdão e do amor de Deus. O deserto recorda o êxodo de Israel, quando iniciou o caminho para entrar na terra prometida, a partir da escravidão egípcia. Agora, a terra prometida se transformou em uma terra de escravidão da qual Jesus deve libertá-la. 

Lucas 4,2a: «Ali, foi tentado pelo diabo, durante quarenta dias.»

A instituição religiosa, no tempo de Jesus, por seus próprios interesses, por sua própria conveniência, tomou posse de Deus e Jesus deve libertar o povo de suas garras. A tentação, segundo Lucas, durou “quarenta dias”. Os números, nos Evangelhos e na Bíblia, nunca devem ser interpretados de forma aritmética, matemática, mas sempre de modo figurado. O número quarenta indica uma geração. O evangelista quer dizer-nos: o que vos apresento agora não diz respeito a um único período da vida de Jesus, mas a toda a sua existência.

O evangelista nos diz que Jesus foi tentado “pelo diabo”. Aqui, está certo traduzir assim. Mas para nós, “tentação” sempre significa algo que nos leva a fazer o mal. Nada disso se vê aqui. O diabo, veremos mais adiante, não se apresenta como rival de Jesus, mas como seu colaborador. Assim, mais do que tentações, poderíamos falar das seduções do diabo no deserto. 

Lucas 4,2b: «Nesses dias, não comeu nada e, no final, teve fome.»

Aqui, não se trata de jejum. Jesus não jejuou, mas “não comeu nada”, diz o evangelista. Ele evita a palavra jejum, porque a fome de Jesus era uma fome diferente. Mais adiante, no Evangelho, Jesus dirá: “Tenho desejado, ardentemente comer convosco esta ceia pascal, antes de padecer” (Lc 22,15). Mas, precisamente, não é uma fome de pão. Pois, ao final, se apresenta o diabo. Quem é o diabo? Enquanto Deus é amor que se coloca a serviço dos homens, o diabo é poder que domina as pessoas. 

Lucas 4,3: «O diabo, então, disse-lhe: “Se és filho de Deus, dize a esta pedra que se transforme em pão”.»

Não se trata, aqui, de um questionamento da filiação divina, que já foi afirmada no batismo, mas significa: “Já que você é filho de Deus, use suas habilidades em seu próprio benefício”. Portanto, use suas capacidades a seu favor. 

Lucas 4,4: «Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Não se vive somente de pão’”.»

É uma citação do livro de Deuteronômio (8,3). Vemos que a disputa entre Jesus e o diabo assemelha-se a uma disputa teológica entre escribas ou rabinos. De fato, o evangelista a constrói dessa maneira. 

Lucas 4,5-6: «O diabo o levou para o alto, mostrou-lhe, num relance, todos os reinos da terra e lhe disse: “Eu te darei toda esta autoridade, bem como a riqueza destes reinos, pois a mim foi dada e eu a dou a quem eu quiser”.»

O “alto” indica a condição divina. Esta afirmação que Lucas atribui ao diabo é terrível.

Não é Deus, mas o diabo quem confere PODER e RIQUEZA.

Assim, aqueles que detêm o poder e a riqueza não os recebem de Deus, mas a sua atividade é diabólica porque a recebem do diabo. É uma denúncia muito séria e típica do evangelista Lucas. 

Lucas 4,7-8: «Portanto, se me adorares, tudo será teu”. Jesus respondeu-lhe: “Está escrito: ‘Adorarás o Senhor, teu Deus, e só a ele prestarás culto’”.»

Portanto, o diabo convida Jesus a um ato de idolatria, mas ele responde, também desta vez, citando o Deuteronômio (6,13 e 10,20).

É a incompatibilidade entre Deus e o poder, entre o amor e o serviço.

Assim, Jesus rejeita categoricamente a proposta do diabo, essa idolatria do poder. 

Lucas 4,9: «Depois, o diabo levou Jesus a Jerusalém e, colocando-o no ponto mais alto do templo, disse-lhe: “Se és o Filho de Deus, lança-te daqui abaixo...”.»

O diabo parece familiarizado com os lugares santos e da Bíblia. Pois, leva Jesus a Jerusalém e “o colocou no ponto mais alto do templo”. Por que ele o colocou lá? Porque havia uma tradição religiosa que dizia que ninguém sabia quem era o Messias. Porém, improvisamente, durante a Festa das Tendas, ele apareceria no ponto mais alto do templo. Então, o diabo o convida a se manifestar acrescentando um sinal espetacular.

Notamos que na primeira e terceira sedução, tentação, o diabo diz: “Já que és Filho de Deus”. Para a segunda sedução, aquela do poder e do dinheiro, não precisou perturbar a condição divina, pois é uma tentação a que todos os homens sucumbem, a da corrupção, a do poder e do dinheiro. Mas, aqui, novamente, o diabo lança mão da expressão: “Se és o Filho de Deus”, isto é, “já que tu és o Filho de Deus”. 

Lucas 4,10-12: «“... pois está escrito: ‘Ele dará ordens aos seus anjos a teu respeito para que te guardem’, e: ‘Nas mãos te carregarão, para que não firas teu pé em alguma pedra’”. Jesus lhe respondeu: “Também foi dito: ‘Não tentarás o Senhor, teu Deus’”.»

E o diabo parece ser um grande especialista em Sagrada Escritura, porque, como Jesus rebateu citando frases do livro de Deuteronômio, o diabo rebateu Jesus citando o salmo 91,11-12. A imagem do diabo como um entendido nas Escrituras sagradas é o modo do evangelista nos fazer entender que, aqui, se trata das disputas teológicas que Jesus teve com os rabinos, os escribas, que são os verdadeiros instrumentos do diabo. Jesus respondeu-lhe novamente com o livro do Deuteronômio (6,16 – versão grega). Jesus afirma plena confiança na ação do Pai sem a necessidade de provocá-lo para que a ação aconteça. 

Lucas 4,13: «E, terminada toda tentação, o diabo afastou-se dele até o tempo oportuno.»

O verbo “tentar” aparecerá, então, novamente para descrever a ação dos doutores da lei. Eis aqueles que são os demônios, esses defensores da doutrina! Na realidade, o evangelista os denuncia como instrumentos do diabo.

Qual pode ser esse “tempo oportuno”? Pelos dados que temos no Evangelho, o tempo oportuno é o momento da cruz, um momento tremendo, dramático do fim de Jesus, quando serão os líderes do povo que dirão a Jesus:Salve-se a si mesmo, se, de fato, é o Cristo de Deus, o Eleito!” (Lc 23,35b). Ou seja, deixe-o usar suas habilidades para se salvar.

Mas Jesus tudo o que era, todas as suas forças, todas as suas energias, todas as suas capacidades nunca as usou para o seu próprio interesse, mas sempre para o interesse dos outros. Não para conveniência própria, mas para conveniência dos homens; ele não pensava em sua vida, mas na vida dos outros. Eis, então, a diferença que emerge entre Deus e o diabo:

Deus é amor que se põe a serviço e coloca o interesse do outro em primeiro lugar, o diabo é um poder que domina e pensa apenas em sua própria conveniência.

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 4. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2020.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“O diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém.” (William Shakespeare: 1564-1616 – dramaturgo e poeta inglês)

A Quaresma, deste ano, abre-se com uma séria advertência a cada um de nós: “Não sejais o diabo dos outros, mas Deus presente na vida de todos!”

O grande risco que as pessoas religiosas correm é confundir fé com posse e domínio de Deus! Ter fé não é:

* possuir Deus;

* ser fiel a uma doutrina;

* apegar-se ao que os seres humanos determinam como o certo, o correto;

* ter práticas cultuais e devocionais!

Ter fé é muito mais que isso! Ter fé é confiar, plenamente, absolutamente, em Deus! É não criar ídolos e colocá-los no lugar do verdadeiro e único Deus! Jesus, em toda a sua vida nesta terra, fez exatamente isso. 

Por isso, não há perversão maior do Evangelho do que apresentar a obra e mensagem de Cristo consistindo em:

* milagres,

* mistérios e

* autoridade.

Com isso, anulamos o Evangelho, enfraquecemos o que Cristo nos deixou! Confundimos fé com religião! O resultado, como enfatiza o teólogo espanhol J. M. Castillo, é:

“Nem a religião conserta este mundo nem o Evangelho nos torna mais humanos e mais felizes. “

As três SEDUÇÕES, as quais Cristo foi exposto em toda a sua vida, seguem sendo as mesmas as quais a Igreja e cada um dos cristãos estão expostos hoje. Ou seja:

1ª sedução: usar de nossas capacidades, habilidades a fim de obtermos proveito, vantagens, privilégios para nós mesmos! O objetivo, a meta jamais é o OUTRO, a pessoa que necessita, o pobre, o desvalido, o enfermo, o esquecido, o fraco, mas... EU! Apenas, eu importa! Olhemos ao nosso redor para verificarmos se, por acaso, não é bem isso que encontramos na sociedade e, pior ainda, dentro de nossa própria Igreja!

2ª sedução: nos vendermos pelo dinheiro e poder deste mundo! E, como frisa o evangelista Lucas, isso é coisa do diabo! Poder e riqueza não são dons divinos! Ao contrário do que muitos falsos pastores e profetas modernos pregam, Deus não é compatível com poder e riqueza, pelo contrário! Por isso, escandaliza sobremaneira o nosso povo, perceber o quanto seus guias religiosos (padres, bispos, pastores, religiosos e religiosas), em alguns casos, são tão apegados à segurança que o dinheiro, o bem-estar, o conforto e luxo podem lhes proporcionar!

3ª sedução: essa é mais presente e comum do que nunca! É a sedução de agir para obter glória, fama, reconhecimento, elogios, afagos, recompensas emocionais dos mais variados tipos! É claro que o ser humano, todo ele, necessita de reconhecimento, elogio, estímulo e respeito. Aqui, não se trata disso! O diabo propõe que Jesus se atire do ponto mais alto do templo de Jerusalém, a fim de dar um espetáculo, a fim de obter aplausos, a fim provocar manifestações de êxtase no povo, a fim de encurtar seu trabalho de convencimento das pessoas (educação das consciências!), de evangelização e obter, rapidamente, o sucesso! Qualquer semelhança com aquilo que assistimos hoje, em nossa Igreja e nas demais, NÃO É MERO ACASO! 

Quem sabe, não seja por tudo isso, que não estejamos conseguindo contagiar, convencer o mundo de que: Só Cristo salva! As pessoas não estão, talvez, percebendo AMOR naquilo que fazemos, pregamos e celebramos! 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Concede-me Senhor o dom do amor.

O dom de amar todo o mundo,

de amar tudo em toda a terra

e, sobretudo, os homens, nossos irmãos,

que são, por vezes, tão infelizes.

De amar também as pessoas felizes,

que tantas vezes são pobres fantoches.

Dá-nos, Senhor, a força de amar sobretudo os que não nos amam,

antes de tudo os que não amam ninguém,

para os quais, quando a Hora soar, tudo acaba para sempre.

Que a nossa vida seja o reflexo do Teu amor!

Amar o próximo que está no cabo do mundo;

amar o estrangeiro que está ao nosso lado;

consolar, perdoar, abençoar, estender os braços.

Amar aqueles que se esgotam

em correrias inúteis em redor de si mesmos:

fazer brotar uma fonte no deserto do coração;

libertar os solitários, erguer os prostrados,

abrir com um sorriso os corações fechados. Amar, amar...

Então uma grande primavera transformará a terra

e tudo em nós reflorirá.»

(Raul Follereau: 1903 a 1977 - escritor, jornalista e filantropo francês, conhecido por ter fundado uma associação de luta contra a lepra)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – I Domenica di Quaresima – 10 marzo 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 04/03/2022).

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