10º Domingo do Tempo Comum – Ano B – Homilia

 Evangelho: Marcos 3,20-35 

Frei Alberto Maggi *

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Queremos pertencer à família de Jesus?

Jesus cometeu uma autêntica loucura. Diante da recusa de Israel, que até decidiu assassiná-lo, Jesus rompe e institui doze discípulos, doze como as tribos que compunham Israel. Jesus compõe o novo Israel. Diante dessa ruptura sensacional entre Jesus e a instituição religiosa, o Evangelho deste domingo mostra a reação da família e da instituição. 

Marcos 3,20-21:** «Naquele tempo, Jesus voltou para casa com os seus discípulos. E de novo se reuniu tanta gente que eles nem sequer podiam comer. Quando souberam disso, os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si.»

Marcos, o evangelista, escreve no capítulo 3, versículos 20-35, que “quando souberam disso”, isto é, tendo ouvido sobre essa ruptura de Jesus com a instituição, “os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo”, literalmente o capturarem, é o mesmo verbo utilizado no episódio da captura de João Batista e de Jesus, “porque diziam que estava fora de si”, ou seja, está louco porque só poderia ter sido loucura. 

Marcos 3,22: «Os mestres da Lei, que tinham vindo de Jerusalém, diziam que ele estava possuído por Belzebu, e que pelo príncipe dos demônios ele expulsava os demônios.»

Para justificar essa acusação de loucura, o evangelista insere também a acusação dos escribas que vieram de nada menos que Jerusalém, sede da instituição religiosa. Os escribas são os mais altos funcionários do Sinédrio, os quais determinam que Jesus está possuído por Belzebu. Quem é Belzebu? Havia uma divindade filisteia chamada Belzebu que era o deus das moscas e os fariseus, para impedir a adoração dessa divindade, a haviam transformado em Ba‛al zĕbūl, isto é, o deus do estrume, o qual não só não protege das moscas, mas as atrai. A acusação dos escribas é sutil: Cuidado com Jesus! Eles não podem negar que Jesus cura as pessoas, mas afirmarão que ele as cura para infectá-las ainda mais! 

Marcos 3,23-27: «Então Jesus os chamou e falou-lhes em parábolas: “Como é que Satanás pode expulsar a Satanás? Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se. Se uma família se divide contra si mesma, ela não poderá manter-se. Assim, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não poderá sobreviver, mas será destruído. Ninguém pode entrar na casa de um homem forte para roubar seus bens, sem antes o amarrar. Só depois poderá saquear sua casa.»

Então Jesus os convoca e demonstra a incoerência de suas palavras dizendo como Satanás pode se expulsar? Se Satanás se expulsa, ele está acabado

Marcos 3,28-30: «Em verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados, como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno”. Jesus falou isso, porque diziam: “Ele está possuído por um espírito mau”.»

Eis, então, a sentença muito dura de Jesus! E o que ele diz é certo: todos os pecados serão perdoados aos filhos dos homens e até mesmo as blasfêmias que eles dirão. Os pecados que são fruto da ignorância e da fragilidade serão perdoados, mas, declara Jesus, quem blasfemar contra o Espírito Santo não terá perdão para sempre: será réu de culpa eterna.

E Jesus continua: “Porque diziam: ‘Ele está possuído por um espírito mau’”, essa é a razão. O que é esse pecado contra o Espírito Santo? É o que já havia declarado o profeta Isaías (cf. 5,20), são aqueles que chamam o mal de bem e o bem de mal. Ou seja, esses escribas entendem, eles sabem, são pessoas cultas, pessoas que conhecem a Bíblia. Eles sabem que se Jesus age assim, ele o faz com a força que vem de Deus, mas eles não podem admitir, porque se eles admitirem, todo o seu prestígio e domínio sobre as pessoas entrarão em colapso.

Então eles difamam Jesus, depois dizem que o que é bom, ou seja, a atividade que Jesus está fazendo, é um mal! Tudo isso, para eles manterem o seu prestígio. Mas por que eles nunca serão perdoados? Por que eles jamais pedirão perdão. Quando Jesus perdoou o paralítico que os mesmos escribas condenaram, eles acusaram Jesus: blasfêmia, isto é, ele é culpado de morte. 

Marcos 3,31-32: «Nisso chegaram sua mãe e seus irmãos. Eles ficaram do lado de fora e mandaram chamá-lo. Havia uma multidão sentada ao redor dele. Então lhe disseram: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura”.»

Escreve o evangelista, que todo o clã familiar de Jesus vem até ele. Prossegue o evangelista: “Eles ficaram do lado de fora”, ficar fora significa que não entenderam o ensinamento de Jesus e, acreditando que têm poder sobre ele, “mandaram chamá-lo”. Mas, sublinha o evangelista, existe um impedimento. Em volta de Jesus estava a multidão sentada, e o termo que Marcos usa indica uma multidão mista de gente impura, de gente pagã. “Então lhe disseram: ‘Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura’”, o verbo “procurar” no Evangelho de Marcos sempre tem uma conotação negativa em relação a Jesus. 

Marcos 3,33-34: «Ele respondeu: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?” E olhando para os que estavam sentados ao seu redor, disse: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos.»

E aqui está a terrível resposta, terrível da parte de Jesus: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?” Aqueles lá fora? Aqueles que têm vergonha de mim, o louco da casa? Prossegue: “E olhando para os que estavam sentados ao seu redor”, pois não vê nem a mãe nem os irmãos que ficaram de fora, Jesus afirma: “Aqui estão minha mãe e meus irmãos”. 

Marcos 3,35: «Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.»

E, em seguida, Jesus faz um convite. Esse convite é dirigido ao seu clã familiar, em particular à sua mãe e aos irmãos: “Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. Em Nazaré, o clã familiar de Jesus é vítima dos ensinamentos dos escribas, eles realmente pensam não só que Jesus esteja louco, mas que esteja possuído. Jesus quer fazer compreender que os verdadeiros possuídos são os representantes da instituição religiosa que, para não perderem seu prestígio, dizem que a ação de Jesus é negativa e faz mal. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Com efeito, a letra mata, mas o Espírito faz viver.»

(2 Coríntios 3,6b)

É incrível! Mas não há privilegiados ou pessoas especiais ao lado de Jesus! Nem laços de sangue, nem amizades, nem favores fazem com que alguém seja tratado por Jesus como superior ou mais especial que os demais.

Até a sua mãe, Maria, não possui prerrogativas pela sua relação carnal com Jesus! A prerrogativa dela está em sua fé, em sua adesão à palavra e ao projeto de seu Filho! Basta conferir uma outra passagem paralela a este episódio, em Lucas 11,27-28: «“Bem-aventurado o ventre que te gerou e os seios que te amamentaram”. Ele [Jesus] respondeu: “Bem-aventurados, antes, os que ouvem a Palavra de Deus e a guardam”».

Aqueles que não entendem as exigências do Evangelho anunciado por Jesus ― seus próprios familiares e os mestres religiosos ― ao invés de compreender e aceitar a própria incompreensão, preferem insultar e perseguir os profetas de Deus e a “imagem de Deus” que é Jesus! Cometem o pecado contra o Espírito Santo, que nada mais é, do que identificar como mal, como obra demoníaca aquilo que é bom e identificar o que é mal (a incredulidade, a não aceitação, a falta de conversão) como se fosse o bem!

Isso está muito presente na sociedade atual, na qual todos vivemos. Não é preciso muito esforço para perceber que nossa sociedade está doente! Padecemos de neuroses coletivas! Os sintomas disso podem ser observados:

* no esvaziamento interior das pessoas;

* na fragmentação, na liquidez de valores e virtudes;

* na coisificação ou dissolução como seres humanos.

Grande parte das pessoas vive como “objetos” que giram pela vida sem algum sentido, reduzindo sua vida a um sistema de desejos e satisfações. O nosso espírito vive entorpecido pela busca do conforto, da comodidade e dos excessos! Nada mais nos satisfaz por completo, nada mais nos dá prazer por muito tempo, nada mais nos atrai permanentemente!

Estava certo o grande pai da psicologia analítica, Carl Gustav Jung (1875-1961), que considerava a neurose como “o sofrimento da alma que não encontrou seu sentido”.

Hoje, muitos de nós não sabe distinguir o que é bom e do que é ruim, o que não nos convém e que é secundário daquilo que é necessário e essencial. Todos querem tudo, mas acabam não ficando com nada e não sentindo mais nada!

A saída, a solução está em fazermos parte da “família de Jesus”, a qual não é constituída pelos laços de sangue, mas pelos laços de amor e pela adesão a um projeto de vida nova, que Jesus chamava de Reino de Deus, o mundo desejado pelo seu Pai.

Somente quando aprendermos a colocar, de verdade, Cristo no centro de nossas vidas, de nossas escolhas, de nossas ações, viveremos uma vida de sentido, sentiremos a verdadeira alegria e felicidade para a qual todos fomos chamados à existência por Deus. 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Damos-te as boas-vindas, ó Cristo Senhor, nós, multidão de filhos e irmãos necessitados de ouvir o anúncio pronunciado no início dos tempos: “Tua linhagem será vitoriosa sobre o mal, o pecado e a morte”. Cremos na palavra eterna que cura todas as enfermidades do homem e reconduz ao abraço do Pai aqueles que se aproximam com fé humilde... Deixe-nos, atraídos para o teu corpo, verdadeira morada de comunhão, estarmos "fora de si", dignos do reino, filhos de Deus, nova família renascida de ti, de ti, Filho enviado pelo Pai para recriar o seu reino de paz, para recuperar a nossa liberdade. Deixe-nos entrar: dentro do teu corpo somos mãe e irmão e irmã, sendo tu Pai e Esposo e Filho e Irmão. Oh, quão glorioso, santo e grandioso é ter um Pai no céu! Oh, quão santo, quão reconfortante, quão belo e admirável é ter um Esposo assim! Oh, quão santo e quão querido, agradável, humilde, pacífico, doce, amável e desejável acima de todas as coisas ter tal irmão e tal filho, nosso Senhor Jesus Cristo, que ofereceu sua vida por suas ovelhas. Amém.»

(Fonte: São Francisco de Assis. Orazione finale. In: CILIA, Anthony, O.Carm [a cura di]. Lectio Divina sui vangeli festivi: per l’anno liturgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 400)

Assista ao vídeo com a íntegra da homilia, clicando aqui.

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – X Domenica Tempo Ordinario – 10 giugno 2018 – Internet: clique aqui (Acesso em: 30/05/2024).

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