Hipocrisia política

 Bispo católico critica o Projeto de Lei Antiaborto, dizendo ser “leviandade” e “distorção da realidade”

 Mônica Bergamo

Jornalista 

DOM ANGÉLICO SÂNDALO BERNARDINO

Dom Angélico Bernardino afirma que questão tão complexa não pode ser discutida em ano eleitoral e que igreja, escola e família precisam evoluir

O bispo emérito de Blumenau (SC) dom Angélico Sândalo Bernardino afirma que o projeto de lei que equipara o aborto acima de 22 semanas ao crime de homicídio, inclusive para as vítimas de estupro, é “uma distorção da realidade”. 

Para ele, é preciso promover a educação sexual no país antes de se “prender mulheres” que interrompem a gravidez. 

“Simplesmente punir a mulher sem discutir com profundidade uma situação tão complexa é uma leviandade. É uma precipitação legalista. É querer resolver pela lei um problema muito mais amplo e muito mais vasto”, afirma o religioso, um dos mais respeitados da Igreja Católica. 

Ele afirma que o momento para a apreciação do tema pela Câmara dos Deputados, em regime de urgência, também é inadequado. “Uma questão complexa como o aborto não pode ser debatida às vésperas de uma eleição. Qual é a motivação desses políticos que defendem essa proposta?”, questiona dom Angélico. 

A posição do bispo é diferente da adotada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que defendeu a aprovação do projeto. “Não sou juiz da CNBB. Mas a minha posição é esta”, afirma. 

Aos 91 anos, o religioso foi nomeado bispo da diocese de Blumenau em 2000 pelo papa ultraconservador João Paulo 2º. Antes disso, ele foi bispo auxiliar de dom Paulo Evaristo Arns em São Paulo e se envolveu com a Pastoral Operária nos anos 1970. Na época, se aproximou de Lula (PT), batizando os filhos do hoje presidente e celebrando o casamento dele com Janja em 2022, entre outros eventos religiosos da família. 

Quem mais sofre estupro no Brasil são as mulheres e, dentre elas, as pré-adolescentes e as adolescentes - desde quando MENINA se tornou mãe e pessoa de responsabilidade???

“O aborto é um crime. Está certo. Mas espera um pouco! A mulher é frequentemente a maior vítima dessa situação. O que mais há na sociedade é machismo”, diz ele. No caso de mulheres estupradas que engravidam e fazem aborto, diz, a situação se agrava. “A pessoa jamais poderia ser punida, porque é vítima.” 

Para dom Angélico, “chegou o momento de focarmos nesta problemática de maneira global, e não somente de criarmos leis para aumentar a punição”. 

Ele diz considerar “urgente que as escolas, as famílias, as igrejas e toda a sociedade proporcionem a educação sexual e afetiva do homem e da mulher, baseada na ciência, na boa informação”. 

“Não podemos prender mulheres antes de darmos a elas, e também aos homens, uma formação sexual e afetiva sólida”, segue. “É lamentável como isso ainda não seja incluído na nossa formação.” 

A educação sexual deveria ser prioridade na escola, na pastoral, na catequese, na família. Da infância à velhice”, diz. “A mulher, por exemplo, é uma coisa aos 20, e outra quando amadurece, quando passa pela menopausa.” 

Dom Angélico usa o próprio exemplo: aos 91 anos, diz, “nunca recebi formação específica sobre sexualidade. Nem quando era menino, nem quando era adolescente, nem na andropausa e na velhice”. 

Ele diz que o projeto, do deputado evangélico Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), tem “um lado bom porque todos devemos ser contra o aborto”. “O aborto deve seguir proibido. É crime, porque mata uma criança”, segue. O problema é encarcerar as mulheres de forma indiscriminada quando elas “muitas vezes são as vítimas”. 

Protesto, em São Paulo, capital, contra o Projeto de Lei que pune a mulher que abortar, não importando o motivo, após 22 semanas de gravidez

“É preciso ver caso a caso. O que levou essa menina, essa mulher, a ter relação sexual? Qual é a vida afetiva e familiar dela? Que educação ela recebeu? Muitas são estupradas dentro de suas próprias casas”, diz ele. 

Nunca houve educação. Sempre foi aquela coisa de ‘é proibido isso, é proibido aquilo’”, diz. “A masturbação, por exemplo, era proibida, era um pecado. Hoje, o catecismo diz que cada caso deve ser examinado por considerar que muitas vezes a pessoa é levada a isso por questões psicológicas.” 

“A gente tem que evoluir, e não ficar somente apegado à punição das pessoas”, finaliza o bispo. 

Fonte: Folha de S. Paulo – Ilustrada/colunas e blogs – Quarta-feira, 19 de junho de 2024 – Pág. C2 – Internet: clique aqui (Acesso em: 21/06/2024).

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