Solenidade de São Pedro e São Paulo Apóstolos – Homilia

 Evangelho: Mateus 16,13-19 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

O fundamento da Igreja é Cristo!

O Evangelho deste domingo é Mateus capítulo 16, versículos 13-19, também muito importante para a história da igreja. Qual é o contexto? Jesus advertiu seus discípulos contra o fermento dos fariseus, uma doutrina religiosa baseada no deus da lei, do sacrifício, do mérito, do puro e do impuro. Jesus quer que eles entendam que Deus é um pai que é só amor. Para isso, leva-os ao extremo norte do país, inclusive, em terra pagã, até Cesareia de Filipe. 

Mateus 16,13a: «Jesus foi à região de Cesareia de Filipe...»

Cesareia de Filipe fica no extremo norte do país, é a cidade construída por um dos filhos de Herodes o Grande, Filipe, e, para diferenciá-la da outra Cesareia marítima, foi chamada de Cesareia de Filipe.

No tempo de Jesus, a cidade estava em construção. Este é um detalhe a se ter em conta, perto da cidade existia uma das três nascentes do rio Jordão, que também se acreditava ser a entrada do reino dos mortos. Portanto, são elementos que devem ser levados em consideração para a compreensão do que nos diz o evangelista. 

Mateus 16,13b: «... e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?”»

Bem, Jesus leva seus discípulos para longe da Judeia e até da Galileia para fazer-lhes uma pergunta. O evangelista põe em contraste os homens com o Filho do homem, o homem que tem a condição divina, portanto o homem que tem o espírito e o que não tem. Jesus quer perceber qual foi o efeito da pregação dos discípulos que ele enviou para anunciar a novidade do reino. 

Mateus 16,14: «Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias; Outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”.»

A resposta é decepcionante:

* João Batista: porque se acreditava que os mártires seriam ressuscitados imediatamente.

* Elias: segundo a tradição, esse profeta não havia morrido, mas havia sido elevado ao céu e voltaria quando chegasse o futuro messias.

* Jeremias: ainda segundo a tradição, escapou de uma tentativa de apedrejamento.

* Algum dos profetas: esperava-se um dos profetas anunciados por Moisés, porém todos os personagens diziam respeito ao que é antigo.

Ninguém, nem os discípulos nem as pessoas a quem se dirigiam, entenderam a novidade trazida por Jesus.

Mateus 16,15-16: «Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”.»

Então Jesus diz: “Mas vocês”, dirigindo-se a todo o grupo. Jesus dirige-se a todo o grupo de discípulos, mas é só um que toma a iniciativa. Simão é o nome, Pedro é um apelido negativo que indica sua teimosia, e quando o evangelista lhe apresenta este apelido, significa que há algo contrário ao anúncio de Jesus. Finalmente, há um dos discípulos que compreendeu que Jesus não o filho de Davi, aquele que impõe o reino com violência, mas é o filho de Deus (literalmente) vivificante, ou seja, ele comunica a vida. 

Mateus 16,17: «Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu.»

Por que Pedro é bem-aventurado? Porque ele é puro de coração e por isso pode ver a Deus. No entanto, mesmo dizendo que ele é “bem-aventurado/feliz”, chama-o de “filho de Jonas”. “Filho”, na cultura judaica, não indica apenas quem nasceu de alguém, mas quem se assemelha a ele no comportamento. E Jesus o chama de “filho de Jonas”. Jonas é único entre os profetas do Antigo Testamento que fez exatamente o contrário do que o Senhor lhe havia ordenado. Na verdade, o Senhor havia lhe dito: “Jonas, vá a Nínive pregar a conversão, senão eu a destruirei” (cf. Jn 1,2) e Jonas fez o contrário. Em vez de ir para o leste, ele embarcou no navio e rumou para o oeste (cf. Jn 1,3). Então, finalmente, Jonas foi convertido (cf. Jn 2; 3,1-3a). Assim, neste filho de Jonas, Jesus retrata Pedro: ele sempre fará o contrário do que Jesus lhe pedirá, mas, no final, ele se converterá

Mateus 16,18: «Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la.»

Por isso eu te digo que tu és Pedro”, o termo grego usado pelo evangelista é “Petros”, que indica um tijolo, uma pedra, que pode ser apanhada e utilizada para a construção. “E sobre esta pedra”, agora, Jesus usa a palavra grega “petra”, que não é o feminino de “petros”. O evangelista usa o termo grego “petra” que significa a rocha que é boa para as construções. É o mesmo termo que Jesus, no capítulo 7, escolheu para a casa edificada na rocha (cf. Mt 7,24).

Portanto, Jesus diz a Simão: “Você é um tijolo. Sobre esta rocha”, e a rocha é Jesus, “construirei a minha Igreja”. O termo grego “ekklesía” (igreja) nada tem de sagrado, mas é um termo profano que indica a reunião, a assembleia dos convocados.

Portanto, Jesus não vem construir uma nova sinagoga, mas uma nova realidade que não tem conotações religiosas, e para isso usa este termo leigo.

E os poderes”, literalmente “os portões”; os portões de uma cidade indicavam sua força, seu poder. “Dos infernos”, ou seja, do reino dos mortos. Lembro que essa cena se passava perto de uma das grutas que se pensava ser a entrada do reino dos mortos: “nunca poderá vencê-la”. Quando uma comunidade é construída sobre Jesus, o filho do Deus vivo, a vida é comunicada, portanto, as forças negativas, as forças da morte, não terão poder. 

Mateus 16,19: «Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus”.»

Dar as chaves a alguém significava responsabilizá-lo pela segurança de quem estava dentro. Já dissemos outras vezes que o Reino dos Céus, no Evangelho de Mateus, não significa um reino nos céus, mas é o Reino de Deus. Por isso, Jesus não dá a Pedro as chaves de acesso ao além, não o encarrega de abrir ou fechar, mas o responsabiliza por aqueles que estão no interior deste reino, que é a alternativa que Jesus veio propor.

Tudo o que tu ligares na terra”, aqui o evangelista usa uma linguagem rabínica, o que significa declarar uma doutrina autêntica ou não, “será ligado nos céus”, isto é, em Deus, “e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”. O que Jesus diz, agora, a Pedro, mais tarde, no capítulo 18, ele dirá a todos os discípulos.

As últimas palavras que Jesus usará, neste evangelho, representam o envio dos discípulos para ir e ensinar “tudo o que eu vos ordenei” (Mt 28,20a). Assim, no ensinamento de Jesus, esta mensagem que comunica vida tem a aprovação divina, da parte dos céus. Mas aqui está a surpresa: “Ele ordenou aos discípulos que não contassem a ninguém que ele era o Cristo” (Mt 16,20).

Quando Jesus ordena significa que há resistência. Houve uma parte positiva na resposta de Pedro ao reconhecer Jesus como o Filho do Deus que comunica a vida, o Deus vivo, mas qual é a parte negativa? As pessoas têm dito que você é o Cristo, ou seja, o Messias esperado pela tradição. Então Jesus diz: “Você não deve contar isso a ninguém”, porque ele não é o messias esperado pela tradição.

Jesus é o Cristo, ele é o messias, mas de uma forma completamente diferente, ele não usará o poder, mas sim o AMOR; não o comando, mas o SERVIÇO. E isso agora vai provocar o embate com Simão. Aquele que foi chamado de pedra de construção se tornará uma pedra de escândalo (cf. Mt 16,22-23). 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«De fato, ninguém pode colocar outro alicerce diferente do que já está colocado: Jesus Cristo.»

(1Coríntios 3,11)

Ao querer saber de seus discípulos a visão que o povo tinha dele, Jesus não o faz por uma mera curiosidade pessoal, mas como alguém que deseja sentir os efeitos de sua própria pregação, bem como, daquela de seus discípulos enviados em missão no capítulo 10 deste mesmo Evangelho. É fundamental que revisemos e avaliemos, constantemente, a nossa prática missionária e evangelizadora. 

Algumas coisas importantes podemos destacar nesse processo de avaliação pretendido por Jesus:

a) A maior dificuldade das pessoas, seja o povo em geral, sejam os seguidores mais próximos a Jesus, é aceitar o NOVO! Ir além daquilo que já se conhece, ir além das tradições e hábitos arraigados! Para a maioria, Jesus não passava de um profeta à moda antiga! Não se reconhecia os sinais dos tempos presentes nas palavras e gestos de Jesus. É isso que se passa conosco, ainda hoje! Sim, estamos desperdiçando um kairós (tempo oportuno, propício) muito especial que é o pontificado de um Papa que não quis centralizar em si todo o poder na Igreja, mas esforça-se por torná-la, de verdade, sinodal, participativa, acolhedora, hospital de campanha, Igreja em saída, enfim, Igreja Povo de Deus de verdade, como já indicara o Concílio Vaticano 2º. No entanto, o medo do novo ou, pior ainda, o simples comodismo e apego a certos privilégios têm impedido que vivamos um tempo de maiores transformações e reformas em nossa Igreja!

b) Nosso conhecimento de Jesus não é pela razão, mas pela revelação de Deus! Tanto é verdade que Jesus diz a Simão que ele é bem-aventurado porque reconheceu que ele era o Messias (Cristo) e o Filho do Deus vivo não pelos seus próprios méritos ou inteligência, mas porque o “Pai que está nos céus” lhe havia revelado essa grande novidade. Algo semelhante Jesus constata em:

* Mt 13,16: “Bem-aventurados, porém, são os vossos olhos, porque veem, e os vossos ouvidos, porque escutam!” — veem e escutam a proclamação do Reino de Deus, a pessoa do Messias.

* Mt 11,25: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos”.

c) O fundamento e o alicerce sejam da Igreja, sejam da missão a ela confiada jamais é um ser humano sozinho, Simão Pedro ou qualquer um outro! A base, a rocha, o sustentáculo de nossa fé e de nossa comunidade estão apenas e tão somente, em Jesus Cristo! Ainda bem! Pois todos os seres humanos são falíveis, são pecadores, são passíveis de irem contra o projeto de Reino trazido pelo Cristo. Prova disso é a advertência que Jesus fará a Pedro, na cena seguinte (cf. Mt 16,21-23).

d) Por isso, o poder de ligar e desligar, isto é, de discernir o que é certo ou errado na doutrina, na evangelização e na vivência nas comunidades não é dado, somente, a Simão Pedro, mas a toda a Igreja. O papel de Pedro, recebendo as chaves do Reino dos Céus é proteger, cuidar, zelar da comunidade.

Na Igreja, e isso já deveria ter ficado claro tanto na teoria quanto na prática, não existe poder que não seja aquele de servir, amar, ser bom e misericordioso!

Diante do que refletimos nesse Santo Evangelho de hoje, podemos nos pôr as seguintes questões com o auxílio de José Antonio Pagola:

* Esforçamo-nos por conhecer, cada vez melhor, Jesus Cristo, ou nos fechamos em nossos velhos esquemas chatos de sempre?

* Somos comunidades vivas, interessadas em pôr Jesus no centro de nossa vida e de nossas atividades ou vivemos presos na rotina e na mediocridade?

* Sentimos que somos, de verdade, discípulos de Jesus?

* Estamos aprendendo a viver segundo o seu estilo de vida em meio à sociedade atual ou nos deixamos levar por algum atrativo que venha mais ao encontro de nossos interesses?

* Fechamo-nos em nossas celebrações, indiferentes ao sofrimento dos mais desvalidos e esquecidos: os que sempre foram os prediletos de Jesus? 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Santos Pedro e Paulo, que levastes no mundo o nome de Cristo e a ele destes o extremo testemunho do amor e do sangue, protegei de novo e sempre esta Igreja, pela qual vivestes e sofrestes. Conservai-a na verdade e na paz, aumentai em todos os seus filhos a fidelidade inquestionável à Palavra de Deus, a santidade da vida eucarística e sacramental, a unidade serena na fé, a concórdia na caridade recíproca, a construtiva obediência aos pastores. Que a Igreja continue a ser no mundo o sinal vivo, alegre e operante do designo redentor de Deus e da sua aliança com os homens. Assim ela vos implora, com a voz trêmula do humilde atual Vigário de Cristo, que vos olhou, ó Santos Pedro e Paulo, como modelo e inspiração. E, então, guardai-a, esta Igreja bendita, com a vossa intercessão, agora e sempre, até o encontro definitivo e beatificante com o Senhor que vem. Amém.»

(Fonte: Paulo VI. Orazione finale. In: CILIA, Anthony O.Carm. [a cura di] Lectio divina sui vangeli festivi per l’anno liturgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 650.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni –Solenità dei Santissimi Apostoli Pietro e Paolo – 29 giugno 2014 – Internet: clique aqui (Acesso em: 18/06/2024).

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