Que personagem!

 Coach — política neofascista e traumaturgia

 Tales Ab’Sáber

Doutor em Psicologia Clínica e mestre em Artes pela Universidade de São Paulo (USP), é membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e professor de Filosofia da Psicanálise no curso de Filosofia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) 

Um povo que deseja o fascista novo em folha

O coach é a representação limite da financeirização do capital — a sua máxima abstração e pureza, dominando a produção e a guerra global — no âmbito da cultura. Psicólogo definido pelo incremento da produtividade de seu cliente, o coach teve origem na ruína do mundo do trabalho, das profissões e de suas éticas, no mundo da fragmentação e monadizacão do destino do trabalhador, vendedor de qualquer coisa que ninguém quer comprar. 

Ele é o próprio sintoma encarnado da vida das classes médias sob o risco de não serem produtivas, por fim dispensáveis, pela presença da política permanente do desemprego. Neste mundo, o coach cumpre o serviço de exploração da insegurança universal. Ele medeia a violência normal na vida das empresas, promove falsa autoajuda como verdade humana, a única ajuda disponível, para pacificar um sujeito sem valor algum, cultural ou de troca, na cultura de sua máxima exploração, física e psíquica. 

Como um dia me disse o CEO de uma gigantesca agência de publicidade, que trabalhava no fundo da própria política do país: “na empresa você pode facilmente ganhar 100 mil por mês, não é difícil… basta você me produzir 300 mil por mês”. Este é o mundo dos valores do coach, é nele e por ele, sustentado em indivíduos, que o coach trabalha. 

Mundo da pressão total da abstração do dinheiro, sem nenhum caráter ou valor para fora do retorno ao mercado, da tempestade tautológica do sistema da mercadoria se autorreferenciando, para justificar o terrorismo de sua própria vida social. Realidade dura dos vencedores, no limite da maior derrota, onde o coach pontifica. 

Ele é um psicólogo clínico degradado na ideia fixa da autoajuda banal, pastor profano do elogio do trabalho e do dinheiro quando eles se tornaram impossíveis, psicanalista que negou o inconsciente e a transferência a favor do apego sugestivo ao próprio eu, confundindo subjetividade com produção de valor e sujeito com submissão ao racket psíquico pessoal. 

O coach é o pastor cujo único deus é o sucesso abstrato na cultura dada, o psicólogo empresarial de Recursos Humanos pago particularmente para se suportar o risco da vida do trabalho, de quem ainda quer estar por cima, o psicanalista que vende a própria imagem, e a própria tabuada de razões ideológicas, radicalmente comprometidas com a reprodução da ordem que põe tudo em risco. 

Não há dialética nem negatividade na existência do coach e sua “teoria” — instrumentalização do pior do elemento subjetivo presente em uma psicanálise. Há apenas aceitação, celebração tácita, adaptação como estratégia de vida, sob o cálculo e o projeto do truque, do golpe ou do balanço malandro em meio ao dinheiro, para garantir a sobrevivência nele. Sobrevivência de vida que parte e se resolve no espetáculo, traduzida diretamente em fetichismo da mercadoria, consumo conspícuo. 

Vendendo degradação de qualquer metafísica, desde que adaptada a tudo o que existe, o coach é o apoio limite do homem comum, quando ele não vai ao culto coach de uma igreja evangélica…, o amuleto transferencial mundano do filisteu cultural, normal, que, dispensável em todos os níveis da vida que não tenham a ver com mais valor, necessita de alguém que junte os seus pedaços, o pastor profano. Explodido pela própria sociedade esquizofrênica, que não pode negar, pensar em contradição, o cliente do coach o deseja como a liga de seu retorno ao próprio mundo impossível. 

O duplo do coach, coach sem nenhum vínculo com o trabalho, é o promoter da vida permanente no gozo generalizado das imagens em fluxo, mas de kicks e de baques, de excitação vazia, o influencer da internet: o vendedor estridente, vulgar no último, de tudo e qualquer coisa que exista, ou seja, que excite alguém. O propagandista, da propaganda que se voltou sobre si mesma. A cultura do coach é a dasobrevivência para a sociedade do espetáculo generalizado, da mercadoria como tudo na vida; a cultura do influencer é a daafirmação imanente da sociedade do espetáculo generalizado, da mercadoria como tudo na vida. 

O coach-líder fascista é o que une o seu estatuto de pastor profano com a malandragem feliz de vampirizar qualquer fetichismo, de qualquer produto, fofoca ou crime nas redes, a arte do influencer. Realiza metamorfose de si mesmo, virando em exemplo degradado, autocelebrado em fusão com a propaganda de tudo, a ser seguido por massas. O coach líder fascista é o líder político das micro-celebridades, auto geradas aos milhares nas redes. 

Quanto mais ele aparece, mais poderoso ele é, porque neste mundo basta aparecer para ser poderoso.

Vendedor do sonho de si mesmo, o produto do coach fascista, novo líder no limite da degradação política total — da manutenção do capitalismo de fronteira final, de extermínio de ambiente e natureza, porque os humanos já eram faz tempo… — é a venda da própria imagem, a figura de um rico grotesco brilhando, um sádico do gozo da vida má, deliberadamente estúpido, como modelo para a vida geral degradada. O coach político de internet, influencer e mercadoria a um tempo, vende o vento da sua pura excitação, como todo influencer. 

Porém, sua excitação é o puro ar de si mesmo, a constelação ideológica positiva de amor sacrificial pelo mercado, ele próprio como o seu produto. De fato, pessoas compram de Pablo Marçal apenas cursos, golpes farsescos, exatamente para serem como Pablo Marçal; e Olavo de Carvalho sabia bem ser um coach fascista. Como no jogo, como dizia Marx... 

... a ideologia vazia e o personalismo de espetáculo fazem o produto-ele-mesmo do coach funcionar diretamente como D-D’dinheiro imagem que faz mais dinheiro — sem nenhuma mercadoria no meio.

O coach funcionando como líder fascista é pura identificação, função de espelho do rosto da mercadoria, formula cultural do capital financeiro. 

Antes de entrar na disputa política como alternativa verdadeira, pelo sucesso degradante e pela arrogância de vencedor em mundo de derrotas totais, o coach amealhou milhões de miseráveis do destino e da cultura, da vida e da história, em suas redes sociais na internet, de fato suas redes pessoais. Milhões de compradores do ar do coach, tentando reproduzir o seu brilho e sua riqueza mágica configuram de fato a sua indústria cultural particular. 

De fato, milhões de demenciados de mercado, aos quais o novo malandro industrial, que aposentou a navalha, opera por desejo como entretenimento, como fantasia de ganho pela submissão ao seu desejo. Pagando pelo ar do coach, os milhões de idiotas do mundo como ele é confirmam pela raiz o seu poder: fundamentalmente o desejam. 

A política do desejo, das coisas, do dinheiro circulante, e de seu show, se confirma absolutamente no desejo do coach. Ele tem seu próprio partido político, sua indústria cultural de propaganda fascista, sua rede de milhões de seguidores o desejando, e desejando ser o coach — que não é nada senão isso mesmo. Tais militantes e ativistas pagam milhões pela indústria cultural da personalidade, para que o coach apareça para eles como milionário, pelo desejo radical que isto exista. 

Porque o mundo é isso, produção de riqueza sobre a produção de massas de excluídos, que pagam pelo acesso, quando não exterminados. Dono de um partido de massas da venda de si mesmo como a política do real, das coisas da vida social arruinada, o coach político de massas é a condensação da coisa cultural do neofascismo, esta nova ordem de razões políticas que intriga a tantos. 

O coach é o vendedor na rede de uma pirâmide de si mesmo, em que ele é a imagem, o modelo e a mentira de que sua riqueza ridícula estará acessível a todos. Basta todos reconhecerem isso, e seu golpe neoliberal total, de sua excitação vazia de palhaço pop grotesco, chegará ao poder, o seu verdadeiro lugar, como Javier Milei na Argentina e Pablo Marçal tentando o golpe em São Paulo. 

Basta ser como o coach, diz o coach, e para isto é preciso que a massa se cale e o assista, e ele enuncie sozinho sua violência antipolítica como política. É preciso ser como ele, por isso é ele quem fala. Por um naco imaginário da riqueza, e para pertencer ao código do dinheiro, palhaços de um circo pegando fogo tendem a entregar tudo ao coach. Como já entregaram quando compravam seus cursos, que não são nada. Por não ter nada a oferecer no âmbito da história, o coach só pode causar, chamar a atenção para si mesmo como um palhaço da indústria cultural que tem nas mãos, que de fato é. 

Mentir a mentira que excita, ousadia tática e sádica, que convoca a atenção exatamente porque todos sabem que é mentira. Sua mentira política é apenas uma aposta, em um jogo vazio de verdade, pleno de poder que gera poder. Sua performance, da qual depende, é sua traumaturgia [= capacidade de gerar trauma!]. 

Com este choque vazio, se convoca a massa, submetida ao desejo do coach mercadoria. Um povo que deseja o fascista brand new [= novo em folha], o espírito vazio do capitalismo como golpe e como crime, e seu grande líder, a vida pública da política como sonho de um coach. 

Fonte: A Terra é Redonda – Colunistas / eleições 2024 / psicologia / sociologia – Terça-feira, 1 de outubro de 2024 – Internet: clique aqui (Acesso em: 12/10/2024).

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