27º Domingo do Tempo Comum – Ano B – HOMILIA
Evangelho: Marcos 10,2-12
Alberto
Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Ninguém é superior a ninguém, neste mundo!
Marcos 10,2a: «Alguns fariseus se aproximaram de Jesus. Para
pô-lo à prova....
O capítulo 10 do Evangelho de Marcos começa com Jesus ensinando. As multidões vêm ouvi-lo, contudo, intervém alguém que não está contente com o ensinamento de Jesus. O evangelista se refere aos fariseus, os quais são leigos piedosos que observam todos os preceitos da lei e por isso se destacam, o termo “fariseu”, sabemos, significa “separado”, aproximam-se para tentá-lo, não somente colocá-lo “a prova” como na tradução. O evangelista usa, para essas pessoas piedosas, muito zelosas e devotas, a mesma palavra que para o diabo! Então, essas pessoas que parecem tão piedosas, na verdade, para Jesus e para o evangelista são instrumentos do diabo, instrumentos de Satanás, por quê? Enquanto Jesus fala de Deus como um amor generoso, que se coloca a serviço das pessoas, para elas Deus é poder para que possam usar, exercer poder.
Marcos 10,2b: “... perguntaram se era permitido ao homem divorciar-se de
sua mulher.”
Mas é claro que sim, eles não vão para aprender, vão justamente para tentar Jesus. A dissolução do casamento, naquela época, não apresentava dificuldades: a mulher é uma praga para o marido? Você a rejeita e então estarás curado. Assim, está escrito no Talmud, o livro sagrado dos judeus, e essa legislação do repúdio, que não deve ser confundida é claro, com aquela do divórcio, é exclusivamente baseada sobre os direitos do varão [= homem]. Também no Talmud, lemos: “Uma mulher pode ser repudiada, quer ela queira ou não”, mas é claro que ela não pode repudiar seu marido. Então, eles sabem que o marido pode repudiar sua esposa, mas o perguntam a Jesus.
Marcos 10,3-4: Jesus perguntou: “O que Moisés vos ordenou?” Os fariseus
responderam: “Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e despedi-la”.
Mas Jesus deveria ter dito o que Moisés nos ordenou, porque a lei também era para ele. Mas Jesus se distancia de Moisés, do legislador, porque para Jesus Deus não legisla, Deus é aquele que cria, se expressa na criação e não na lei e, portanto, ele se distancia. Eles disseram: “Moisés permitiu escrever uma ata de repúdio e despedi-la”. De fato, no livro de Deuteronômio, no capítulo 24, lemos “Quando um homem tomou uma mulher e viveu com ela como marido, se então ela não encontra graça”, ele não gosta mais “aos seus olhos porque ele achou nela algo de vergonhoso, escreva para ela uma ata de repúdio, entregue-a a ela e mande-a embora de casa”. O problema era saber o que era esse algo vergonhoso. Na época de Jesus, duas escolas teológicas se dividiam: a mais rigorosa do Rabino Shammai para quem esse algo vergonhoso era o adultério, e aquela mais liberal, do rabino Hillel, naturalmente a mais seguida, para a qual o homem poderia repudiar sua esposa por qualquer motivo, fosse porque não gostava mais dela ou porque havia queimado um prato ao prepará-lo.
Marcos 10,5: Jesus então disse: “Foi por causa da dureza do vosso coração
que Moisés vos escreveu este mandamento.
Os fariseus com esta pergunta, na realidade, desejam
aproximar Jesus do seu lado. Jesus fala da igualdade dos homens com Deus, os
fariseus querem fazê-lo admitir que existe uma área, que é a do casamento, na
qual a relação não é entre iguais, porque existe o varão [= homem] que continua
a ter poder sobre a mulher. Então, Jesus, diante da resposta dos fariseus, diz:
“Pela dureza do vosso coração”. O coração não é a sede dos afetos no
mundo judaico, mas indica a mente, a cabeça. Jesus afirma que Moisés
escreveu para eles esse mandamento. Para Jesus, a lei escrita nem sempre
reflete a vontade de Deus e, portanto, também não tem um valor duradouro e
permanente.
Para Jesus, nem tudo o que está escrito na lei e ao qual é
atribuída autoridade divina realmente o possui.
Em parte, foi uma rendição ao egoísmo ou às inclinações perversas dos homens.
Marcos 10,6-9: No entanto, desde o começo da criação, Deus os fez homem e
mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só
carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o
homem não separe!”
E Jesus não se refere a Moisés, ao legislador, mas se refere ao plano do Criador. Na época de Jesus, não havia mais a liberdade do homem escolher a sua mulher, não havia livre escolha, o livre consentimento dos cônjuges, eram os pais que concordavam e estabeleciam os casamentos. Mas Jesus volta ao plano da criação e recorda que o casal se torna um, o homem e a mulher encontram um no outro, o que faltava para serem plenamente eles mesmos. E, portanto, Jesus afirma que o homem não divide o que Deus uniu. Quando se é dois, pode-se dividir, mas quando se é um, não pode se dividir; do contrário, torna-se uma mutilação.
Marcos
10,10-12: Em casa, os
discípulos fizeram, novamente, perguntas sobre o mesmo assunto. Jesus
respondeu: “Quem se divorciar de sua mulher e casar com outra, cometerá
adultério contra a primeira. E se a mulher se divorciar de seu marido e casar
com outro, cometerá adultério”.»
O que Jesus disse é inédito para a mentalidade da época, é tremendamente
inaceitável não só para os fariseus, mas para os próprios discípulos. Em casa,
os discípulos o questionaram novamente sobre esse assunto, porque não é
possível o que Jesus havia dito. No mundo palestino não era concebível uma
mulher que pudesse repudiar o seu marido, mas Jesus amplia a discussão
e, portanto, lhe dá um aspecto universal, e se a mulher repudiasse o marido,
casasse-se com outro, cometeria adultério.
Jesus não tolera que haja uma ação unilateral de um indivíduo
para com o outro.
Jesus se coloca sempre ao lado da pessoa mais fraca, da vítima da situação.
*
Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Os textos bíblicos citados foram extraídos do: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
«Há pessoas que amam o poder, e outras que têm o
poder de amar.»
(Bob Marley: 1945-1981
─ cantor, compositor e guitarrista jamaicano)
É preciso ficar bem claro que o posicionamento de Jesus, no Evangelho deste domingo, é contra a desigualdade de direitos que havia entre homens e mulheres! Por isso, ele recorre ao projeto original do Criador: homem e mulher, quando se casam não são dois, mas uma só unidade. Isto significa que existe uma perfeita igualdade em dignidade e direitos entre os dois!
É claro que Jesus não ignora a diferença, de fato, que há entre homem e mulher! Ele foca sobre a igualdade como direito. E não se deve esquecer que o texto de Deuteronômio sobre o qual fundamenta-se toda essa discussão entre os fariseus e Jesus, deve ser lido em seu conjunto. Se tomamos Dt 24,1-4, aquilo que é considerado abominável é o marido casar-se, novamente, com a mulher da qual se divorciou. Especialmente, no caso dela ter-se casado novamente, o que era considerado um atentado contra a pureza! Portanto, é o marido antigo retornar com a primeira mulher, após esta ter-se casado.
Vale, aqui, a boa
interpretação que o teólogo e biblista italiano, Fernando
Armellini, faz das palavras de Jesus nesse Evangelho:
“A meta é muito elevada, mas os
passos dos homens muitas vezes são incertos. Visto que só Deus conhece as
fragilidades de cada um, ninguém pode ser juiz de seus irmãos, ninguém
tem o direito de avaliar suas faltas e proferir condenações. As situações
concretas devem ser sempre abordadas com prudência e cada irmão deve ser
compreendido, acompanhado, ajudado para que possa dar o melhor de si.”
Somente em um clima de respeito mútuo, igualdade de direitos e dignidade humana respeitada, pode-se edificar um verdadeiro matrimônio cristão! Pois, o mais importante é o amor e não as convenções sociais, não as aparências e falsa moralidade que muitos querem preservar!
“Desde as origens tu nos ensinas, Senhor, que és um Deus fiel, fiel às pessoas, a Abraão, a Isaac, a Jacó, porque lhes fizeste promessas. Ensina-nos, Senhor, que a fidelidade não é “manter” um compromisso assumido, mas estar com a pessoa amada, caminhar em seus passos, dentro de suas dificuldades, com os seus problemas, permanecer em escuta para descobrir dela os dons, as qualidades e acolhê-los, apreçá-los, degustá-los e fazê-los crescer. Ensina-nos, Senhor, que a fidelidade à pessoa é ser fiel ao seu chamado, ao seu projeto, é estimulá-la para que se torne ela mesma; é disponibilidade para acolher a sua contínua novidade, ficarmos maravilhados pela sua imprevisibilidade, tal como Adão ficou estupefato diante da “novidade” de Eva e acolheu-a com alegria. Ensina-nos, Senhor, que a fidelidade não é um ficar parados no passado, quase desejando “congelar” a situação ideal de apaixonar-se, mas é a capacidade de acolher a caminhada da outra pessoa em seus momentos positivos e negativos, sabendo descobrir sempre valores novos para enfrentar a evolução da vida de casal.”
(Fonte: Gianfranco
Venturi. Celebrar ele nozze Cristiane. Leumann [TO]: Elledici, 2007. In: Anthony Cilia,
O.Carm. [Org.] Lectio Divina sui
vangeli festivi per l’anno litúrgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 563.)
Fonte: Commento al Vangelo di P. Alberto Maggi – XXVII Domenica del Tempo Ordinario – 7 Ottobre 2018 – Internet: clique aqui (acesso em: 04/10/2021).
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