30º Domingo do Tempo Comum – Ano B – HOMILIA

 Evangelho: Marcos 10,46-52 

Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano 

Como libertar-nos da ideologia que nos cega

Depois que Jesus fez o terceiro e último anúncio de sua paixão, de seu destino em Jerusalém, houve a reação decomposta de Tiago e João que nada haviam entendido. Jesus havia dito claramente: «Em Jerusalém serei morto». E eles lhe pediram lugares de honra. Têm ouvidos, mas não ouvem, têm olhos, mas não veem, como Jesus os censurou. E esta questão da cegueira dos dois discípulos é desenvolvida pelo evangelista no décimo capítulo, nos versos 46 a 52, no episódio do cego de Jericó. No Evangelho de Mateus (20,29-34) existem dois cegos, claramente uma figura dos dois discípulos, aqui o cego é um só, mas o evangelista nos faz entender que são Tiago e João. Vamos ler o que o Marco escreve para nós. 

Marcos 10,46ab: ** «Naquele tempo, Jesus saiu de Jericó, junto com seus discípulos e uma grande multidão. O filho de Timeu, Bartimeu...».

Jericó é a primeira cidade conquistada de Jerusalém antes de entrar na terra prometida. Agora, esta terra prometida foi transformada em uma terra de escravidão e morte da qual se deve sair, e Jerusalém é a cidade onde Jesus encontrará a morte. O evangelista emprega a expressão “ao sair de Jericó”, para isso, ele usa o mesmo verbo que é usado no livro do Êxodo, então, é uma referência à libertação que Jesus está realizando. E, aqui, está este personagem que nos é apresentado duas vezes: o filho de Timeu, Bartimeu. Bartimeu não é o nome do filho de Timeu, é que, na primeira vez, o evangelista o apresenta em grego e, depois a segunda, em aramaico, por que isso? Porque ele quer dobrar o nome para deixar claro que são os dois discípulos Tiago e João. “Timeu” em grego significa “honra”. Jesus, no sexto capítulo desse evangelho (6,1-5), no episódio da sinagoga de Nazaré, onde ele não foi acreditado e não foi aceito, disse, literalmente: «Nenhum profeta é desonrado, exceto em sua terra natal».

Bem, enquanto Jesus é o desonrado, os discípulos buscam honra, como vimos no Evangelho do domingo anterior. Em seguida, menciona-se “filho de Timeu” é repetido em aramaico, “Bar” significa “filho”, Timeu a honra, é o discípulo que busca honra, e o evangelista duplica-o para deixar claro que são, precisamente, Tiago e João, que são cegos, têm olhos, mas não veem. 

Marcos 10,46c: «... cego e mendigo, estava sentado à beira do caminho.»

À beira do caminho” é um termo técnico que já apareceu no quarto capítulo para indicar a semeadura infrutífera de Jesus. Em uma parábola, o semeador lança a semente e os pássaros vêm, imagem do poder que leva embora a mensagem. Por que o cego, ou melhor, os “cegos” estão a mendigar?

O ambicioso, o vaidoso é sempre forçado a mendigar de quem detém o poder.

O ambicioso é aquele que sempre é obrigado a estar na mendicância, sempre pedir. 

Marcos 10,47-48: «Quando ouviu dizer que Jesus, o Nazareno, estava passando, começou a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” Muitos o repreendiam para que se calasse. Mas ele gritava mais ainda: “Filho de Davi, tem piedade de mim!”»

A multidão acredita que Jesus é o revolucionário que veio das montanhas onde viviam os lutadores, os resistentes à opressão romana. O cego grita exatamente como no episódio da possessão na sinagoga de Cafarnaum. Ao abrir a boca e dizerfilho de Davi, ele revela a razão de sua cegueira! Ele não vê em Jesus o filho de Deus, aquele que comunica sua vida por amor, mas o filho de Davi, ou seja, como o grande guerreiro valoroso que, com um banho de sangue, inaugurou o reino de Israel pela reunião das tribos. Os verdadeiros seguidores de Jesus o exorcizam ao repreendê-lo, ao ralhar com ele, para se calar. Na segunda vez que o cego grita, desaparece, inclusive, o nome de Jesus, ele só menciona o “filho de Davi”, isto é, aquele que devia restaurar a monarquia. É isso que Tiago e João querem seguir. 

Marcos 10,49-51: «Então Jesus parou e disse: “Chamai-o”. Eles o chamaram e disseram: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. Então Jesus lhe perguntou: “O que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Mestre, que eu veja!”»

Jesus não se aproxima do cego, Jesus para. Então, ele lhe deu uma chance, mas não é Jesus que tem de se aproximar do cego, é o cego que tem de se aproximar de Jesus. Assim como aconteceu em relação aos Doze, os quais Jesus teve de chamá-los, apesar que eles o acompanham, mas não o seguem, estão distantes dele, mesmo que fisicamente próximos. O verbo chamar, aqui, é sublinhado pelas três vezes que é repetido. O cego tirou seu manto, e aqui começa o processo de conversão. O manto indica a pessoa, jogar fora o manto significa romper com a ideologia que o cegou. É o momento da sua conversão, ele tirou o manto, deu um salto e foi até Jesus, não é Jesus indo ao cego, mas o cego indo até Jesus. A pergunta de Jesus ao cego é, exatamente, a mesma que ele havia feito para Tiago e João: “O que queres que eu te faça?” (cf. Mc 10,36). O evangelista chama a nossa atenção: “Neste episódio estou lidando com Tiago e João, discípulos cegos e surdos”. Ao responder à indagação de Jesus, o cego não o chama mais de “filho de Davi”, mas de “Rabuni”. Enquanto “rabi” era usado para pessoas, rabuniera uma expressão dirigida apenas a Deus, significando “meu Senhor”. Finalmente, os discípulos compreenderam quem é Jesus. O pedido do cego deixa entender que ele não havia nascido assim: “Que eu possa ver novamente!” Ele não nasceu cego, teve um período em que ele viu e foi a ideologia religiosa nacionalista que o cegou. 

Marcos 10,52: «Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”. No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho.»

Jesus não executa nenhuma ação neste homem cego, Jesus lhe disse: “Vai, tua fé te salvou (= curou)”. A resposta do cego a Jesus, à sua mensagem de amor, mudou sua vida e o salvou, Jesus não realizou nenhuma ação. A expressão: “No mesmo instante, ele recuperou a vista”, indica que ele enxergava antes.

A ideologia nacionalista religiosa da supremacia, da superioridade cega as pessoas, leva ao racismo e à exclusão dos outros.

Enfim, o evangelista frisa que o cego (representando Tiago e João) “seguia Jesus no caminho”, é a estrada que leva a Jerusalém, à paixão e à morte de Jesus que, até os discípulos aceitarão. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 5. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2021.

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.»

(“Livro dos Conselhos” de El-Rei D. Duarte)

Há um ditado popular que diz: “O pior cego é aquele que não quer ver!” Esse é o caso de muitas pessoas no tempo de Jesus e em nosso tempo, hoje. Enquanto Jesus se prepara para enfrentar as consequências de suas atitudes em favor da vida, em favor dos pequenos e pobres, em favor dos humilhados e marginalizados pela sociedade em que vivia, seus discípulos estão preocupados em obter honrarias, privilégios, poder e glória nesta terra. 

Nos dias atuais, enquanto há padres, missionários, religiosos e religiosas, cristãos leigos e leigas comprometidos em construir uma sociedade em que haja justiça, oportunidades semelhantes para todos, educação e saúde de qualidade, cuidado com os famintos, com os sem-teto, com os sem-terra, com os sem dignidade; há outros que encaram a missão da Igreja como, meramente, “espiritual”. Deve-se cuidar das “almas”, do “espírito” das pessoas, essa seria a prioridade da Igreja de Jesus Cristo no entender dessas pessoas. 

Para essas pessoas, cabe citar um dos principais documentos emanados do Concílio Vaticano II, que afirma com toda clareza:

“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história.” (Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo atual: Gaudium et spes, n. 1 – grifos nossos)

O que mais dificulta o reconhecimento de Jesus como o verdadeiro messias, o verdadeiro salvador, por parte de seus discípulos, é a ideologia que os cega! Ideologia que via no messias um líder guerreiro nacionalista empenhado em restaurar um reino terreno por cima da morte, aniquilação e subjugação de outras pessoas! Aliás, os nacionalismos jamais desapareceram! Eles existem, hoje, em várias partes do mundo. Em nome da pátria, da nação, se cometem vários tipos de atrocidades e se desrespeita o direito dos mais fracos, dos mais pobres e da natureza. 

A cegueira simbolizava as trevas do espírito e a dureza do coração (cf.: Is 6,9-10; Mt 15,14; 23,16-26; João 9,41; 12,40). Somente a verdadeira conversão é capaz de retirar, de nossas vidas, essa cegueira! Como bem afirma o teólogo espanhol José María Castillo: “A fé, quando é autêntica, nos faz ver a realidade da vida e da sociedade em que vivemos”. A fé verdadeira jamais afasta a pessoa da realidade, dos fatos e dos problemas vividos pelas pessoas, neste mundo! 

Para Jesus, o mais importante era, e continua sendo, até hoje:

«A felicidade das pessoas e a dignidade dos que a “boa” sociedade e a religião mais “ortodoxa” consideram indignos» (J. M. Castillo).


 Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor Jesus Cristo, com a cura de Bartimeu, tu nos deste um sinal que aqueles que escutam a tua Palavra e creem que tu és o Filho de Deus caminham na luz. Chama a nós, também, para estar ao teu lado, cura a nossa cegueira. Como mendicante cego, vou interrogando a calçada com o bastão branco na esperança de encontrar-te. Quando grito o teu nome, todos me dizem para calar-me. Quando tu me chamas, todos me encorajam... Toca os meus olhos repetindo: “Efatá!”. Toca o meu espírito a fim que, finalmente, eu creia! Jesus, não pare de passar pela nossa estrada. Contempla-nos e tenha piedade da nossa cegueira e pobreza... Sê um pai para nós, ilumina os nossos olhos com a luz da fé e fortifica a nossa coragem para que possamos seguir-te até o fim do caminho. Amém.» 

(Fonte: Carlos Mesters. 30ª domenica del tempo ordinario. In: Anthony Cilia, O.Carm. [Org.] Lectio Divina sui vangeli festivi per l’anno litúrgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 590.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – XXX Domenica Tempo Ordinario – 28 Ottobre 2018 – Internet: clique aqui (acesso em: 23/10/2021).

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