Eleições norte-americanas

 Eleitores nos EUA farão escolha existencial entre fascismo e democracia

 Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo 

Ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, candidato è reeleição em novembro de 2024

Trump fez de seu primeiro mandato um “estágio fascista”; mesmo assim, milhões de votantes o escolherão nas urnas

Foi necessária quase uma década para o título desta coluna passar de exagero a cenário plausível. Depois que Donald Trump desceu a escada rolante para anunciar a candidatura, em junho de 2015, numa plataforma xenófoba e racista, a mídia americana, obcecada em projetar uma objetividade impossível diante do renegado com uma carreira de desrespeito às leis, foi procurar proteção de especialistas. Várias publicações entrevistaram historiadores, e a maioria dos consultados concluiu que o bilionário patife nova-iorquino não preenchia os requisitos para ser chamado de fascista. 

Em quatro anos no poder, Trump ensaiou os primeiros passos, como um estagiário do fascismo, e esbarrou na então ainda sólida máquina pública —tribunais, funcionários públicos e membros do gabinete que não cumpriram suas ordens, como mandar o Exército para a rua atirar nos manifestantes dos protestos antirracistas de 2020. 

Mas 2024 não é 2016 ou 2020. Agora, Trump, em franca deterioração mental e amparado por uma tropa bem financiada de camisas marrons com uma lista interminável de planos, gaba-se, diariamente, de:

* descrever imigrantes não brancos como vermes,

* de ameaçar prender qualquer adversário político,

* de perseguir jornalistas e

* deixa claro que não pensa em acatar o resultado da eleição do próximo dia 5. 

Ao contrário do nosso preguiçoso fascista chinelão [= Jair Bolsonaro] do 8 de janeiro, o do 6 de janeiro que instigou a invasão do Capitólio conta com a colcha de retalhos que regula as eleições presidenciais americanas. Ele terá à disposição:

* legislativos estaduais trumpistas para impugnar resultados e bloquear o envio de delegados ao Colégio Eleitoral que certifica vencedores na Presidência;

* uma numerosa e assustadora safra de juízes que nomeou, de listas feitas por lobbies de ultradireita;

* uma Câmara controlada por aliados; e, quem sabe,

* até 40% de eleitores que só admitem que o sol nasceu e se pôs se ele confirmar. 

Essa marcha, improvável há apenas dez anos, rumo ao precipício de um desfecho catastrófico, é marcada, há meses, por um grau de estabilidade. São as pesquisas que não apresentam qualquer mudança expressiva, a não ser por uma breve diferença registrada com a chegada de Kamala Harris, após Joe Biden renunciar à candidatura. 

Quanto mais Trump dança como um lunático em comícios, quanto mais figuras públicas historicamente alinhadas com o Partido Republicano declaram apoio a Kamala, menos parece mudar a intenção de voto registrada entre os eleitores. 

Fotos de BOB WOODWARD prestigioso jornalista norte-americano e da capa de seu mais recente livro: WAR (guerra)

A edição de novembro da revista The Atlantic, fundada em 1857, traz na capa uma pintura de George Washington, o fundador da república e seu primeiro presidente, como ilustração para um artigo de Tom Nichols. Sob o título “O Momento da Verdade”, o autor argumenta que a reeleição de Trump poria fim à imperfeita experiência democrática americana de dois séculos e meio. Entre muito do que legou ao país, lembra Nichols, Washington deu um singelo, mas poderoso exemplo ao ir embora para casa ao final do segundo mandato legal. 

O novo livro “War” do repórter Bob Woodward, da dupla de investigadores do escândalo Watergate, revela um comentário de Mark Milley, ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas no ano final da Presidência Trump.

O general, hoje na reserva, descreveu Trump como “fascista da gema”.

Dezenas de milhões, sem conhecimento do que o alerta representa para seus destinos, vão escolher o fascista. 

Fonte: Folha de S. Paulo – mundo/colunas e blogs – Quinta-feira, 17 de outubro de 2024 – Pág. A38 – Internet: clique aqui (Acesso em: 21/10/2024).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A necessidade de dessacerdotalizar a Igreja Católica

Vocações na Igreja hoje

Eleva-se uma voz profética