14º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 10,1-12.17-20
Alberto Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Jesus envia a todos em missão de paz
Após o fracasso da missão dos doze apóstolos (cf. Lc 9,1-6) que estão imbuídos excessivamente de ideologia nacionalista-religiosa, quer dizer, do sucesso e da primazia de Israel que deveria subjugar todos os outros povos, Jesus tenta uma nova missão e muda os enviados!
Vamos ler com atenção.
Lucas 10,1:** «Naquele tempo, o Senhor escolheu outros setenta e dois
discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde
ele próprio devia ir.»
Porque esse número? No livro do Gênesis, no capítulo 10, os povos pagãos conhecidos naquele tempo são precisamente setenta e dois. Portanto, esses 72 vêm do paganismo. Na verdade, eles vêm da região da Samaria onde Jesus escolhe os novos enviados. Portanto, após o fracasso “dos doze” Jesus tenta novamente com outros não ligados a essa ideologia nacionalista.
Lucas 10,2: «E dizia-lhes: “A messe é grande, mas os trabalhadores são
poucos. Por isso, pedi ao dono da messe que mande trabalhadores para a
colheita.»
A
resposta ao anúncio da Boa Notícia será uma colheita abundante. As palavras de
Jesus são um convite a tomar consciência de que se necessita da cooperação de
todos. Infelizmente, na tradição religiosa, essas palavras foram limitadas e
reservadas às vocações religiosas, reduzindo assim os aspectos mais relevantes!
Como
se Jesus tivesse pensado em pedir “ao dono da messe” de enviar padres, monges,
freis e freiras. Nada disso! Tornar-se trabalhador em sua messe é um convite
dirigido a todos. Todos devem cooperar juntos para o anúncio da Boa Notícia de
Jesus. Não existem categorias especiais, não existem categorias reservadas.
Em seguida, Jesus dá algumas instruções:
Lucas 10,3: «Eis que vos envio como cordeiros para o meio de lobos.»
Jesus adverte sobre a hostilidade que haverá por parte da sociedade, especialmente do setor religioso que se sente ameaçado pelo anúncio dessa Boa Notícia, isto é, de um novo e diferente relacionamento com Deus.
Lucas 10,4: «Não leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias, e não
cumprimenteis ninguém pelo caminho!»
Em seguida, Jesus convida a ter plena confiança nas pessoas. A urgência desse trabalho de anúncio da Boa Notícia é tão importante que não se deve perder tempo: “não cumprimenteis ninguém pelo caminho”.
Lucas 10,5: «Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz
esteja nesta casa!’»
Devemos
saber que, na cultura judaica da época, não era lícito ― como diz Pedro (Atos
10,28) ― “a um judeu é proibido relacionar-se com um estrangeiro ou entrar
em sua casa”. Era impensável, portanto, que um judeu entrasse na casa de um
pagão! Jesus está dizendo: “Não tenham esses escrúpulos, não tenham essas
regras”.
“A paz esteja nesta casa” não é um convite: é um dom. O discípulo enviado é ele mesmo um dom de paz, quer dizer, um dom de felicidade.
Lucas 10,6: «Se ali morar um amigo da paz, a vossa paz repousará sobre
ele; se não, ela voltará para vós.»
“Amigo da paz”, ou seja, uma pessoa em sintonia com essa paz que os discípulos são convidados a vivenciar. “Ela [a paz] voltará para vós”: portanto, a paz não é perdida mesmo se houver uma recusa.
Lucas 10,7: «Permanecei naquela mesma casa, comei e bebei do que
tiverem, porque o trabalhador merece o seu salário. Não passeis de casa em
casa.»
Em seguida Jesus volta a insistir sobre não discriminar casas. Isso dá a entender que era um problema, e na verdade continua sendo ainda hoje! Em outras palavras, Jesus insiste para não se ter escrúpulos religiosos, não ficar em picuinhas, não cobrar tratamentos especiais por razões religiosas ou ideológicas. Não se façam de difíceis, pede Jesus! Não fiquem a observar se naquela casa, naquela família existem ou não existem as observâncias religiosas!
Lucas 10,8: «Quando entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, comei
do que vos servirem...»
É
estranha essa insistência de Jesus sobre o não ficar presos a detalhes. Ainda é
um tema muito atual: também hoje há pessoas que, por ideologias, ou por modas,
ou por medos, têm problemas na alimentação, não comem certos alimentos,
descartam outros. Criam problemas e dificuldades!
No fundo, Jesus insiste: “Comam o que vos é oferecido, mesmo se o que vos está sendo apresentado não se encaixa em seu menu ideal”.
Lucas 10,9: «... curai os doentes que nela houver e dizei ao
povo: ‘O Reino de Deus está próximo de vós’.»
Jesus diz “curai”, não está escrito “sarai”. Curar é um processo não apenas físico, mas espiritual, que envolve a própria pessoa que está sendo tratada. “O reino de Deus está próximo de vós”, ou seja, a sociedade alternativa tem como seu efeito o bem-estar também físico das pessoas.
Lucas 10,10-12: «Mas, quando entrardes numa cidade e não fordes bem
recebidos, saindo pelas ruas, dizei: ‘Até a poeira de vossa cidade, que se
apegou aos nossos pés, sacudimos contra vós’. No entanto, sabei que o Reino de
Deus está próximo! Eu vos digo que, naquele dia, Sodoma será tratada com menos
rigor do que essa cidade”.»
“Até a poeira... sacudimos contra vós”, esse gesto era o que se fazia saindo de uma terra pagã. Não se podia, entrando em Israel, levar qualquer coisa do mundo pagão porque tudo era considerado impuro, portanto, se sacudia até a poeira dos próprios pés! Em outras palavras Jesus está dizendo: “Alguém não aceita esse dom de paz, então ele é como um pagão; não se incomodem com isso e não percam tempo. Pode ser que não haja ainda condições necessárias para acolher essa novidade do Reino!”.
Lucas 10,17: «Os setenta e dois voltaram muito contentes, dizendo: “Senhor,
até os demônios nos obedeceram por causa do teu nome”.»
Pois bem, eis aqui a conclusão: “Os setenta e dois...” ― ao contrário do retorno “dos doze” que foi sem alegria ― voltaram “contentes”, cheios de alegria, dizendo: “Senhor, até os demônios nos obedeceram por causa do teu nome”. Os setenta e dois conseguiram libertar muita gente das falsas ideologias.
Lucas 10,18: «Jesus respondeu: “Eu vi Satanás cair do céu, como um
relâmpago.»
Na
cultura daquele tempo, se acreditava que Satanás morasse no céu, isto é, na
corte divina, como diz o Livro de Jó (1,6-12), e fosse uma espécie de
inspetor-geral. Ele descia à terra, espionava os moradores da terra e depois os
acusava diante de Deus. Pois bem, com o anúncio da Boa Notícia de Jesus, isto
é, um Deus que é Amor, um Deus que é bondoso para com os ingratos e os maus, um
Deus que não premia os bons e não castiga os maus, como a religião pregava,
mas, pelo contrário, um Deus que a todos, independentemente do comportamento
deles, comunica e oferece o seu amor: o papel de Satanás não tem mais razão de
existir.
O autor do Apocalipse (12,10) comentará mais tarde: “porque foi expulso o acusador dos nossos irmãos, aquele que os acusava dia e noite perante nosso Deus”. Satanás perdeu o seu papel. Ele, o acusador, foi expulso.
Lucas 10,19-20: «Eu vos dei o poder de pisar em cima de cobras e escorpiões e
sobre toda a força do inimigo. E nada vos poderá fazer mal. Contudo, não vos
alegreis porque os espíritos vos obedecem. Antes, ficai alegres porque vossos nomes
estão escritos no céu”.»
Então Jesus assegura que esse anúncio de vida e esses mensageiros da vida serão mais fortes do que todos os obstáculos e todas as dificuldades que poderão encontrar. Esse anúncio de Jesus é feito de acordo com a linguagem simbólica daquele tempo: “Eu vos dei o poder de pisar em cima de cobras e escorpiões” – quer dizer, aqueles que têm o veneno em si mesmo e que podem envenenar – “e sobre toda a força do inimigo. E nada vos poderá fazer mal”. Portanto, Jesus assegura à comunidade dos crentes que quando eles são portadores de um anúncio de vida e são portadores porque acolheram essa vida e agora a transmitem aos outros, não há nada que possa prejudicá-los e que possa fazer-lhes algum mal!
* Traduzido e editado do italiano por Pe.
Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Os textos bíblicos citados no interior dos retângulos foram extraídos de: Sagrada Congregação para o Culto Divino. Trad. CNBB. Palavra do Senhor I: lecionário dominical A-B-C. São Paulo: Paulus, 1994.
Reflexão PessoalPe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“Como são formosos,
sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz, que anuncia coisas
boas e proclama a salvação...”
(Isaías 52,7)
O Evangelho deste domingo deixa claro que a missão é de todos os cristãos e para todos os povos da terra! Os 72 enviados, além do significado já explicado acima por frei Maggi, possui também um significado de totalidade, de plenitude, basta conferirmos em: Gn 10,2-31; Ex 1,5; Dt 10,22; Zc 7,5. Com isso, Jesus quer dizer que sua missão não foi confiada, apenas, a “doze” apóstolos, mas a todos, à totalidade das pessoas.
Ser missionário é contagiar as pessoas com os
valores do Evangelho de Jesus. Não é a minha proposta, não são as minhas
ideias, ou os meus projetos que contam, mas aqueles de Jesus, o Cristo. Se
confrontamos as atitudes e atividades dos discípulos após a paixão, morte e
ressurreição de Jesus (cf. Atos 1―12) com as do Mestre constataremos uma imensa
semelhança:
* o grupo de Jesus
continuou itinerante (cf. At 8,14-17.26-40);
* os seus seguidores
estavam atentos ao bem-estar completo das pessoas que integravam a comunidade
(cf. At 3,1-10; 4,32-37; 5,12-16; 9,32-43);
* a prioridade era o
anúncio e difusão da Boa Notícia (Evangelho) de Jesus, mais do que outras
atividades (cf. At 2,14-36; 3,12-26; 4,5-21; 6,2);
* as pessoas se
maravilhavam com o testemunho vivo dado pelos discípulos e os convertidos
aumentavam (cf. At 2,42-47; 5,12-14; 11,19-21; 12,24-25).
Todos nós, hoje, somos devedores daqueles que
desafiando distâncias, diferenças linguísticas, diversidade cultural, conforto
e segurança, riqueza e bem-estar se dispuseram a ser transmissores do
Evangelho!
Isso tudo é ainda mais repleto de mérito, se
levamos em conta um dado intrigante: a proposta que Jesus transmitiu e
vivenciou é um “comportamento social desviado”, ou seja, marginal! O movimento
iniciado por Jesus foi, e sempre será, um movimento “contracultural”! Isso
significa que o projeto do Evangelho jamais será assimilado e acolhido
totalmente pela sociedade humana!
É preciso deixar bem claro que, a missão de
todos aqueles que desejam ser discípulos e discípulas de Jesus possui, sempre,
o mesmo objetivo, a mesma finalidade: curar os feridos da sociedade e anunciar
a proximidade do reinado de Deus.
Em segundo lugar, essa missão deve ser
realizada com os mesmos procedimentos:
* nada de grandes
recursos financeiros,
* nada de segurança,
* nada de ostentação,
* nada de privilégios,
* conviver com quem
recebe aqueles em nome de Cristo,
* e sem concessões
para obter favores!
Será que a nossa comunidade se encontra realizando essa missão que Cristo nos confiou e do modo que ele nos indicou? Ou será que estamos confiando e nos apoiando mais em nossas ideias, projetos e recursos materiais?
«Dá-nos, Senhor Jesus,
a coragem de deixar as amarras das seguranças e dos nossos hábitos para seguir
o teu convite: “Ide”! Contigo não temos nada a temer, Senhor: espalharemos as
sementes da tua Palavra. Dá-nos mais fé e a coragem de ousar mesmo quando tudo
ao nosso redor desacelera o ímpeto do anúncio. Agradecemos-te por nos ter
escolhido e por confiar em nós. Envia, ainda, Senhor, homens e mulheres que,
abandonando tudo, se põem a caminho para terras desconhecidas. Muitos derramam
o seu sangue sobre os passos das boas notícias. Pedimos-vos por eles, Senhor.
Dá também a nós a mesma coragem. Senhor nosso Deus, faze-nos anunciadores da
paz, lá onde tudo fala de vingança e de ódio, de guerra e de violência. Que as
nossas vidas falem, certos de que nada é impossível contigo e para ti. Amém.»
(Marino Gobbin. Orazione finale. 14ª
Domenica del Tempo Ordinario. In: CILIA, Anthony, O.Carm. [a cura
di]. Lectio Divina per l’anno liturgico C. Sui vangeli
festivi. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 458.)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – XIV TEMPO ORDINARIO – 7 luglio 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 24/06/2025).

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