Egito: democracia, ditadura da minoria e apatia da maioria
A Constituição do Egito
Editorial - Folha de S. Paulo
Cédula de votação do referendo para aprovação da nova constituição no Egito |
Apesar de delinear-se um arcabouço legal mais conservador, não se justifica, por enquanto, o pavor da classe média egípcia, endossado pela opinião pública ocidental, de que o Egito caminha em direção à teocracia após livrar-se da ditadura secular de Hosni Mubarak.
A Constituição preocupa mais pelas suas omissões do que por seu conteúdo. Não há, por exemplo, limite claro ao poder dos militares.
Menções à preservação da ordem pública e dos "valores morais" soam como ameaça potencial às liberdades civis e individuais. A liberdade de culto só é garantida para outras "religiões divinas" (cristianismo e judaísmo), o que suscita temor em seitas menores.
O texto assevera que todos os cidadãos, homens e mulheres, são iguais perante a lei. Em matérias como casamento e herança, minorias religiosas prosseguirão sob a alçada dos respectivos cleros.
A nova Constituição promete ainda independência do Judiciário e liberdade de imprensa. Mas arbitragens em questões legais caberão à Universidade Al Azhar, epicentro intelectual do islã sunita, conhecida pela tradição moderada.
Por controversa que seja, a Constituição de Mursi reflete um novo pacto entre a maior parte dos egípcios e seus governantes. Todas as consultas nas urnas desde a queda de Mubarak, incluindo a eleição dos parlamentares que definiram a composição da Constituinte, indicam que a força política mais popular, coesa e organizada é a Irmandade Muçulmana.
O jogo democrático trouxe à tona o Egito devoto que Mubarak e seus aliados ocidentais alienaram. A oposição secular acusa os religiosos de terem confiscado a revolução, mas ela ganharia tempo e reconhecimento se considerasse a dinâmica pós-revolucionária como um processo em aberto. Só com a medição de forças, nas ruas, corre o risco de terminar isolada.
Duas razões reforçam a noção de que Mursi não implementará uma guinada extremista: a necessidade de manter a bilionária ajuda militar dos EUA e o pragmatismo imposto pela crise econômica.
A Constituição está sujeita a emendas e precisa ser regulamentada pelo próximo Parlamento. Ainda parece cedo para dar por fracassado todo o esforço de democratização do Egito.
Fonte: Folha de S. Paulo - Opinião - Quinta-feira, 27 de dezembro de 2012 - Pg. A2 - Internet: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1206867-editorial-a-constituicao-do-egito.shtml
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Egito: democracia, ditadura da minoria e apatia da maioria
Comentário ao Editorial
Óbvio que se os outros dois terços podiam votar e não compareceram às urnas porque foram impedidos de fazê-lo, o processo não foi democrático e o resultado não é legítimo. Isso acontece com frequência em dezenas de países, e o problema é óbvio. Mas não é o que nos interessa aqui. O que nos interessa são os outros dois problemas igualmente graves, mas que são menos debatidos:
GEORGE W. BUSH - Ex-presidente dos EUA |
Deveríamos forçar essas pessoas a votarem? Mas se elas não estão nem aí com o resultado, é legítimo diluir o voto daquelas que realmente se importam com o voto e estudam as propostas dos candidatos com aqueles que prefeririam ter ido à praia e não sabem em quem estão votando?
Em outras palavras, o que é mais democrático: forçar alguém que não se importa a votar e com isso reduzir o valor do voto de quem realmente se importa, ou submeter quem não se importa aos resultados oriundos de sua omissão?
Não se esqueça, por exemplo, que no Brasil temos o voto obrigatório (aliás, entre as 10 maiores economias democráticas, é a única na qual o voto é obrigatório).
O segundo problema é como tratar uma grande quantidade de pessoas que querem votar, não podem votar, mas estão sujeitas aos resultados da votação alheia.
Pense no caso dos presos brasileiros: não podem votar enquanto estiverem cumprindo suas penas, mas os resultados das eleições recaem sobre eles. Quem é eleito fará leis - inclusive leis de execuções penais e orçamentárias - que afetarão os condenados. Imagine que elejamos um Congresso no qual a maioria dos deputados decida cortar pela metade o orçamento para cobertores ou comida nas prisões. O resultado das eleições seria legítimo?
MOHAMED MURSI - atual presidente do Egito |
Em São Paulo ou Rio os imigrantes ainda não conseguiriam eleger um prefeito, mas o percentual cresce e em breve podemos ter que decidir questões como Cingapura, na qual mais de 18,3% dos residentes são estrangeiros, ou uma cidade como Londres, na qual mais de um terço nasceu no estrangeiro (na área central da cidade, esse número pula para mais de 40%). Se incluímos essas pessoas no processo democrático, os resultados são imediatamente afetados. Se não os incluímos, eles não têm voz na definição das normas que os afetam direta e indiretamente.
Fonte: Para Entender Direito - Folha de S. Paulo - 27/12/2012 - Internet: http://direito.folha.uol.com.br/1/post/2012/12/egito-democracia-ditadura-da-minoria-e-apatia-da-maioria.html
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