21º Domingo do Tempo Comum – Ano B – Homilia
Evangelho:
João 6,60-69
Naquele tempo:
60 muitos dos discípulos de Jesus que o
escutaram, disseram: «Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?»
61 Sabendo que seus discípulos estavam
murmurando por causa disso mesmo, Jesus perguntou:
«Isto vos escandaliza?
62 E quando virdes o Filho do Homem subindo
para onde estava antes?
63 O Espírito é que dá vida, a carne não
adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida.
64 Mas entre vós há alguns que não creem».
Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé e quem havia de
entregá-lo.
65 E acrescentou: «É por isso que vos
disse: ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja concedido pelo Pai».
66 A partir daquele momento, muitos
discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele.
67 Então, Jesus disse aos doze: «Vós
também vos quereis ir embora?»
68 Simão Pedro respondeu: «A quem iremos,
Senhor? Tu tens palavras de vida eterna.
69 Nós cremos firmemente e reconhecemos
que tu és o Santo de Deus».
FRAY MARCOS
RODRÍGUEZ
Teólogo dominicano
espanhol
AO
INVÉS DE MORDER O OUTRO, DEIXAR-SE COMER
Estamos
no final do capítulo 6 do Evangelho Segundo João. Chega a hora do desenlace. A
alternativa está clara: ou chegar à
verdadeira Vida, ou permanecer preso na pura materialidade. Não tomar
nenhuma decisão é manter o caminho fácil do hedonismo, no qual estamos. Que
resultado teve a oferta de Jesus?
«Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?» Claro que são inaceitáveis
estas palavras, para eles e para nós. Vão contra toda lógica. Querem levar-nos
além do razoável. Todo aquele que se
deixar guiar pelo senso comum, se «escandalizará». O que nos pede Jesus é sair
do EU (ego) e entregar-se aos outros. Que disparate! Do ponto de vista
religioso, trata-se de substituir Deus pelo homem. Como podemos deixar de
servir a Deus para dedicar-nos aos outros? O primeiro dever do ser humano não é
dar «glória» a Deus?
A
incapacidade de compreender as palavras de Jesus é consequência do desejo de entender a partir da carne. E cuidado,
pois não se trata de desprezar ou esmagar a carne... Trata-se de descobrir o
verdadeiro sentido da vida fisiológica e terrena, para um ser humano, o verdadeiro sentido da carne está na transcendência;
isto é, descobrir as possibilidades mais sublimes que o ser humano tem de
crescer e ser mais que simples vida biológica. A vida terrena, caduca, transitória, não pode ser meta para o homem.
A meta é desfazer-se na entrega total.
«O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada». Este versículo é chave
para entender todo o capítulo. Aqui, carne e espírito não se referem a duas
realidades concretas e opostas, mas a duas
maneiras de afrontar a existência humana. Somente uma atitude espiritual pode dar pleno sentido a uma vida humana. Viver
somente a partir das exigências da carne, traz consigo uma limitação radical e,
portanto, cerceia a verdadeira meta do ser humano.
Em
teoria se entende muito bem e são aceitáveis estas palavras de Jesus, porém, na prática, quem crê, de verdade, que a
carne não serve para nada? Por que lutamos? Por que nos esforçamos? Qual é a nossa verdadeira preocupação?
Depois
de destacar, por várias vezes, que se havia de comer sua carne, agora nos diz
que a carne não serve para nada; que a única coisa que vale é o espírito. Estas
palavras nos obrigam a fazer um esforço sobre-humano para poder compreender o
que nos quer dizer Jesus. Não é nenhuma contradição. Trata-se de descobrir que o valor da «carne» vem do
fato de estar enformada pelo espírito.
Com o espírito, a carne é tudo. Sem o espírito, a carne não é nada. Novamente,
fica claro o profundo sentido que João
dá à encarnação.
«As palavras (exigências) que
vos falei são espírito e vida». As palavras não têm valor por si mesmas. Devemos
ir além das palavras e descobrir o ESPÍRITO ao qual elas fazem referência. Como
no discurso de Nicodemos e da Samaritana, a
referência ao espírito é chave para entender a mensagem de Jesus. «O que nasce da carne é carne, o que nasce do
espírito é espírito» (João 3,6). «Deus
é espírito, e há de aproximar-se dele em espírito e em verdade» (João
4,24).
Todo
o capítulo 6 vem dizendo que ele é o pão... Agora, nos diz que são suas
palavras as que dão a Vida. Para um ser
humano, a única proposta que pode levar à plenitude é aquela que faz Jesus, com
sua VIDA e com suas PALAVRAS.
«É por isso que vos disse: ninguém pode vir a mim a não ser que lhe seja
concedido pelo Pai». O projeto criador é do Pai que oferece ao homem a plenitude de Vida.
Jesus
não faz mais que executá-lo. Quem
rejeita o projeto de Deus, nunca aceitará Jesus. O espírito é indispensável
para entrar na dinâmica da entrega/amor. Sem uma experiência de Deus, as
palavras mais sublimes restam em palavrório vazio. Já dizia Plotino: «Falar de Deus sem uma autêntica virtude, é
pura conversa fiada».
«A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não
andavam mais com ele». Neste processo de distanciamento entre Jesus e os que o escutam, se
dá o último passo, o abandono.
Notem bem que, até agora, aqueles que criticavam e murmuravam eram «os judeus»,
agora são «os discípulos» que decidem abandonar Jesus. Talvez, a maioria dos
ouvintes já o havia abandonado antes. Recordemos que, todo o capítulo, foi proposto como um processo de iniciação.
Terminado o processo, deve-se tomar uma decisão.
«Vós também vos quereis ir embora?» Quão distante está Jesus da
busca, por todos os meios, da aprovação geral! Tanto os políticos como os meios
de comunicação condicionam tudo à audiência. O importante é vender, a qualquer
preço. Jesus aceita o desafio que sua
doutrina provoca. Está disposto a ficar completamente sozinho, antes que
ceder um milímetro na radicalidade de sua mensagem. A pergunta expressa uma
pitada de profunda amargura. Porém,
deixa muito clara a convicção que tem daquilo que está propondo.
«A quem iremos, Senhor? Tu
tens palavras (exigências) de vida
eterna».
Pedro dá a única resposta que se pode dar às palavras de Jesus: «Nos cremos». A imensa maioria dos que escutam Jesus se
sente mais segura com o cumprimento da Lei, que com as promessas de nova Vida
que ele lhe faz.
Na
multiplicação dos pães eram cinco mil. Ficam doze. Mais tarde, demonstrariam
que eles, tampouco, o entenderam. Para
entenderem Jesus tiveram que passar pela experiência pascal [paixão, morte
e ressurreição]. Antes dessa experiência nem o povo, nem os discípulos, nem os
Doze entenderam nada. João deixa claro
que o fundamento da Igreja que começa a se organizar são os Doze, e que Pedro é
a cabeça que a dirige.
Devemos
recordar que, este esquema de progressivo distanciamento se adverte nos
Evangelhos Sinóticos [Mt, Mc e Lc]. Em todos, Jesus começa sendo aclamado com
entusiasmo pela multidão, porém termina sendo abandonado por todos, incluindo
seus discípulos. «Todos o abandonaram e
fugiram» (Mc 14,50).
Se
hoje em dia, quase dois bilhões de pessoas se declaram cristãos, deve-se a que
não se exige a radicalidade de sua mensagem e estamos no engano do que Jesus nos pode dar, não na consciência daquilo
que ele nos exige. Se descobríssemos que a medula da mensagem de Jesus é
que temos de deixar-nos comer, quantos ficariam? Isso é, exatamente, o que nos
pede Jesus. Antes de morder o outro,
deve-se deixar-se comer.
Neste
discurso, João procura esclarecer as
condições de pertença à comunidade de Jesus:
* a adesão a Jesus e
* a assimilação de sua proposta de amor.
Sua
«exigência» é uma dedicação ao bem do
homem através da entrega pessoal.
O
messianismo triunfal fica definitivamente excluído. Contrariamente ao que se
continua dizendo nos dias de hoje, Jesus
não busca nem glória humana ou divina nem a promete aos que o seguem.
Seguir Jesus significa renunciar a toda ambição, e aceitar a entrega total de
si mesmo em benefício dos demais. [...]
Até
a Eucaristia, que é o símbolo (sacramento)
da entrega, a convertemos em objeto de
adoração, para evitar o compromisso de deixar-nos comer. Não queremos nem
ouvir falar da realidade significada: o
dom de si mesmo.
É desencorajador, continuar pensando
que Deus esteja mais presente em um pedaço de pão, que no ser humano que
sofre e espera nossa compreensão e ajuda.
É decepcionante, que a celebração da Eucaristia
não tenha nenhuma repercussão em nossa vida real nem me exija mudar nada em
minha vida!
Traduzido do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo.
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