«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Os endividados

Silvio Caccia Bava
Jornalista e Editor-chefe de «Le Monde Diplomatique – Brasil»

Vivemos um momento de transição nas formas de exploração capitalista,
em que a DÍVIDA é um elemento central para produzir a subordinação
e construir os elos de uma nova servidão

Sessenta e três milhões e seiscentos mil brasileiras e brasileiros deixaram de pagar contas que deviam e tornaram-se “ficha suja” nos serviços de proteção ao crédito.[1] Esses inadimplentes são nada menos que 42% da população adulta do país. Mas não nos esqueçamos de que a questão das dívidas é maior: elas pesam não apenas sobre esses inadimplentes, mas também sobre todos aqueles que conseguem manter em dia o pagamento de suas dívidas com grandes dificuldades, mediante esforços e sacrifícios cada vez maiores.

O crescimento da inadimplência é geral, ocorre em todo o país, com destaque para a região Sudeste, que em junho acusou aumento de 9,88%, se comparado com o mesmo mês do ano anterior. Essa tendência de crescimento dos inadimplentes vem se expressando desde outubro de 2017.

Dessas dívidas, 51% são contraídas com bancos e instituições financeiras e se referem a atrasos no pagamento do cartão de crédito, do cheque especial, de financiamento e empréstimos. E foram as que mais cresceram em junho (7,62%), se comparadas a junho de 2017. A inadimplência com as contas de água e luz estão em segundo lugar, com alta de 6,69% no mesmo período. Já as contas de telefone, internet e TV por assinatura aumentaram a inadimplência em 3,57% no mesmo período.

O avanço da inadimplência é explicado pela alta taxa de desemprego, pela precarização das relações de trabalho, pela redução da renda, enfim, pelos ajustes estruturais impostos pelo neoliberalismo. A reforma trabalhista, a reforma da Previdência e o corte nas políticas de transferência de renda contribuíram para isso.

Essa situação de endividamento não é uma particularidade da realidade brasileira. Ela parece estar presente em um grande número de países, pois, desde o crédito educativo, o seguro-saúde, a hipoteca, o financiamento do carro, tudo passa a ser financiado pelos bancos e pelo sistema financeiro, tornando o endividamento uma condição geral da vida social.[2]

A jabuticaba brasileira são as taxas de juros cobradas do consumidor. Por exemplo, os juros cobrados quando o consumidor opta por parcelar o pagamento do débito no cartão de crédito ou não faz o pagamento na data do vencimento são de inacreditáveis 334% ao ano. Na Argentina, essa taxa do crédito rotativo é de 47,4%; no Peru, de 44,1%; e, no Chile, de 21,59%.[3] Já o cheque especial fica em 324% ao ano, e o crédito pessoal, em 125,7%. Isso contra uma inflação esperada em 2018 de 4,5% ao ano.[4]

Assim, a tendência global de financeirização da vida como forma de controle social ganha contornos radicais no Brasil, estabelecendo uma nova categoria social, a dos endividados, com muito mais dificuldades de superar essa condição e saldar seus débitos que em qualquer outra parte do mundo. Aqui se cobram os maiores juros do planeta.

Segundo Negri e Hardt, vivemos um momento de transição nas formas de exploração capitalista: de uma ordem baseada na hegemonia do LUCRO (pela exploração do trabalho industrial), transitamos para uma ordem dominada pela RENDA, em que a dívida é um elemento central para produzir a subordinação e construir os elos de uma nova servidão.[5]

O trabalhador, que agora se configura como um consumidor endividado, é controlado pela dívida:
* Atormentado pela dívida,
* ele tem medo de perder o emprego,
* trabalha mais arduamente,
* não participa da defesa dos seus direitos enquanto coletividade e
* sujeita-se a novas modalidades de disciplina e controle em seu trabalho.

Romper esse novo padrão de servidão e afirmar para cada cidadão a condição de um ser livre, capaz de exercer plena e ativamente sua cidadania, participar com seus pares na dinâmica da política, nas decisões de interesse público, implica questionar a natureza da dívida que o sujeita e libertar-se coletivamente desse jugo.

Isso vale tanto para as dívidas pessoais quanto para as atribuídas ao conjunto da sociedade, como é a dívida pública, que no Brasil entrega para o setor financeiro, como pagamento do serviço anual dessa dívida, quase a metade de todos os impostos arrecadados. Consequentemente, essa concentração da riqueza aumenta a desigualdade social e bloqueia a melhoria da qualidade de vida de todos.

NOTAS

[1] “Brasil fecha primeiro semestre com 63,6 milhões de consumidores inadimplentes”, Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, 16 jul. 2018. Disponível em: <http://cndl.cdls.org.br>.

[2] Antonio Negri e Michael Hardt, Declaração: isto não é um manifesto, N-1 Edições, São Paulo, 2016.

[3] Ver: <www.proteste.org.br>.

[4] Vinicius Torres Freire, “Taxa básica despenca, mas juro do crédito segue alto”, Folha de S. Paulo, 15 abr. 2018.

[5] Antonio Negri e Michael Hardt, op. cit.

Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil – Editorial – Ano 12 – Nº 133 – Agosto 2018 – Pág. 3 – Internet: clique aqui.

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