«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Futuro do catolicismo

 O catolicismo pode sobreviver no século XXI?

 Cécile Chambraud

Le Monde, 29-08-2021 

É sobre o catolicismo na França e na Europa, mas interessa a nós, brasileiros, também, fiquemos atentos

Missa dominical em uma igreja francesa, nesses tempos de pandemia de Covid-19

Desde a década de 1960, o catolicismo está diminuindo a cada ano na Europa Ocidental. Este processo é irremediável? Isso pode empurrar a Igreja para as margens, mas também pode determinar uma onda de recuperação. 

Desde 2018, a sucessão de contínuas revelações de violências sexuais contra menores trouxe um severo golpe ao edifício já enfraquecido do catolicismo, tanto na França como em toda a área ocidental. 

Comissões de investigação, livros, documentários alimentam a tese da natureza sistêmica dessa realidade mantida por muito tempo escondida. A denúncia de que a Igreja seria uma matriz desses crimes insere-se no diagnóstico já consolidado de um declínio que se manifestou, a partir da década de 1960, na forte diminuição da prática, dos batismos, das vocações e, na prática, de um desinteresse religioso que diz respeito a quase metade da população.

O catolicismo entre nós está à beira da extinção? 

Publicado em fevereiro de 2018, na França, por Éditions du Seuil - sem tradução no Brasil

“Desde o início do século XIX, tem havido anúncios de morte iminente, acredita o historiador Guillaume Cuchet, que descreveu esse colapso em Comment notre monde a cessé d’être Chrétien (= ‘Como nosso mundo deixou de ser cristão’, ed. Seuil, 2018). Não acredito na tese de uma crise terminal. Mas, ainda assim, existe um movimento. Não linear no tempo, não homogêneo no espaço e na sociedade, mas é uma forte tendência de longo prazo. E esse abandono espetacular foi ampliado nos anos 2000, superando uma nova etapa. Ainda existe um mundo católico ativo. Mas o declínio atinge fortemente as pessoas que estão à sua margem”. 

Publicado, na França, em 2021 - sem tradução no Brasil

Conflitualidade intraeclesial 

O historiador e sociólogo Philippe Portier, autor, com Jean-Paul Willaime, de um estudo intitulado La Religion dans la France contemporaine (= “A religião na França contemporânea”, ed. Armand Colin, 2021), chama a atenção para o risco de distorção:

“Nós pensamos a partir da imagem que o catolicismo se dá a si mesmo no século XIX, quando a reforma tridentina [nascida do Concílio de Trento, que terminou em 1563] finalmente chegou a disciplinar a população, com um catolicismo reunido em torno de sua hierarquia. A história do catolicismo é muito mais problemática do que se diz. Muitas vezes é resumida como um caminho linear, embora tenha sido um caminho difícil e contrastado. Afinal, o catolicismo é vivido na ideia de que, desde o Renascimento, nada mais vai bem”.

Há um debate animado entre os católicos sobre as razões a que atribuir o declínio das últimas décadas. “São duas narrativas contrapostas, resume o sociólogo Yann Raison du Cleuziou:

a) Para alguns, é o resultado de um encontro incompleto e fracassado com a modernidade. Partindo da encíclica Humanae vitae [de Paulo VI que em 1968 se posicionou contra a contracepção], a Igreja teria se afastado do horizonte da emancipação e, consequentemente, teria perdido sua relevância social.

b) Para outros, a Igreja está em declínio porque perdeu sua substância sobrenatural devido à secularização interna. O caminho errado teria sido trilhado na época do Concílio Vaticano II.

Essas duas interpretações causam uma forte conflitualidade intraeclesial. O fim é um medo e a responsabilidade é empurrada de um lado ao outro reportando-se à memória: uns à saudade de uma articulação entre esperança social e religiosa, outros à saudade de uma religião popular perdida”. 

O impacto social desse declínio maciço e rápido foi medido? De acordo com os pesquisadores, é ainda em grande parte um ponto cego. “O aumento de ‘não afiliados’ é um fato novo e importante, destaca Guillaume Cuchet. Torna-se majoritário entre os jovens. Isso introduz um fator desconhecido em nossa história”. “O que chama a atenção, enfatiza Yann Raison du Cleuziou, é que esse importante desenvolvimento se torna invisível e indolor porque o distanciamento tem como causa uma indiferença para com a antiga religião. Aqueles que se afastam ignoram inclusive de serem a causa”. 

O que resta do catolicismo para aqueles que se afastaram? “A grande maioria dos franceses ainda tem uma experiência íntima do catolicismo” por meio de celebrações familiares, batismos, comunhões, casamentos. No entanto, essas ocasiões de reunião estão diminuindo.

* Os batismos, que diziam respeito a 95% dos recém-nascidos na década de 1960, hoje seriam administrados a apenas 30%.

* As primeiras comunhões e as confirmações [crisma] diminuem na mesma medida.

* O número de casamentos diminui, assim como o número de matrimônios religiosos.

* O único rito que ainda perdura em 70% é o dos funerais religiosos. Mas por quanto tempo ainda? 

A hora da verdade chegou, antecipa Guillaume Cuchet. O distanciamento religioso é em grande parte geracional, devido aos baby boomers, que estão se aproximando da idade da morte. Eu ficaria surpreso se a taxa de funerais religiosos ainda fosse a mesma daqui a trinta anos”. 

Yann Raison du Cleuziou também se questiona sobre o destino dos objetos de devoção doméstica: “O que se faz, por exemplo, com os crucifixos, no momento da sucessão dos avós? Aqueles objetos eram como símbolos de passagem. Constituíram signos que faziam existir um mundo paralelo superior à realidade ordinária e que determinavam seu sentido. Hoje são desativados. Todo um sistema de comunicação é desmontado”. 

Publicado, na França, em 2019, por Édition du Seuil - sem tradução no Brasil

Dentro desse movimento de “tornar-se minoria” do catolicismo francês, a retirada não é uniforme. Em seu livro Une contre-révolution catholique. Aux origines de la Manif pour tous (= Uma contrarrevolução católica: às origens da Manifestação para todos, Seuil, 2019), Yann Raison du Cleuziou mostrou que os católicos que ele define como os mais “observantes” - muito apegados às práticas rituais e às formas de culto - são aqueles que melhor conseguiram transmitir sua fé aos seus descendentes. “A fé persiste onde a sua transmissão é privatizada, onde se baseia num know-how familiar. E, portanto, também na solidariedade das classes sociais”, resume o sociólogo. Com o risco, Guillaume Cuchet ressalta, que o catolicismo “se torne uma religião de classe, uma espécie de anglicanismo”. 

Em vez disso, nos ambientes onde as famílias se engajam em instituições - paróquia, escola, centros de reunião - para a transmissão, “a fé ruiu”, explica Yann Raison du Cleuziou. A consequência, neste contexto em que o catolicismo termina como fenômeno majoritário, “aqueles que duram são os que viviam como uma minoria dentro do catolicismo”. 

Deve-se notar que permanece uma forte contribuição “inesperada”, a dos imigrantes católicos. Essa população “invisível” carrega consigo uma religiosidade própria, que dá amplo espaço “a uma forte devoção mariana e ao culto aos santos”. 

Aumenta a diferença 

No entanto, a diminuição não fez com que a Igreja Católica desaparecesse do debate público. “Num mundo de agnosticismo político generalizado, essas comunidades continuam a ser centros de interpretação, de reflexão sobre os problemas da sociedade e de ação, enfatiza Philippe Portier. A Igreja é capaz de produzir textos sobre migrantes, sobre bioética, sobre fraternidade, que contribuem para alimentar o debate público”. 

Mas a Igreja fez as pazes com a modernidade que tanto acusou no século XIX? 

Publicado em 2012, na França, por Éditions du Seuil - sem tradução no Brasil

“A expressão 'sinais dos tempos' que surgiu no Concílio Vaticano II designava aquilo que, na cultura moderna, ‘deixa um sinal’, fala aos católicos”, explica o historiador Denis Pelletier, coautor com Jean-Louis Schlegel, de A la gauche du Christ. Les chrétiens de gauche en France de 1945 à nos jours (= À esquerda de Cristo: os cristãos de esquerda na França de 1945 a nossos dias; Seuil, 2012). “É um pensamento do encontro entre os universos tradicionais e modernos. Além disso, essa noção foi derrubada por João Paulo II e os sinais dos tempos tornaram-se sinais de crise”. 

Nas últimas décadas, aumentou a distância em relação ao sistema de valores das sociedades ocidentais, que modificaram profundamente suas legislações nas esferas familiar e bioética - muitas vezes com grande desaprovação da Igreja Católica. Mesmo que o Papa Francisco tente relativizar o espaço ocupado por esses problemas no discurso católico, eles permanecem sensíveis. Último exemplo: o Vaticano protestou oficialmente com a diplomacia italiana contra um projeto de lei que visa combater a discriminação e a incitação à violência contra os homossexuais e os transgêneros, afirmando que isso limitaria o exercício da liberdade de consciência nas escolas católicas. Esses problemas estão também no centro da reflexão imposta pelos leigos à Igreja alemã sobre temas - que fazem tremer Roma - como a sexualidade, o lugar da mulher, o celibato dos padres, os casais homossexuais... 

Os desafios da globalização 

Os recursos do catolicismo talvez estejam em outro lugar, e não mais nos países de antiga presença na Europa? Em algumas regiões do mundo, existem de fato áreas particularmente dinâmicas. “Na África, explica Philippe Portier, de 1965 ao início dos anos 2000, o cristianismo passou de 25% para 46% da população. Este aumento diz respeito tanto ao catolicismo quanto aos evangélicos. Existem também centros de desenvolvimento na Ásia, como na Coreia ou na Índia”. 

Mas esta globalização, por sua vez, coloca desafios específicos ao catolicismo, cujo nome significa “universal”. “Nos territórios onde é apresentada, a Igreja é confrontada com uma pluralidade de formas de compreender a fé”, que se expressa através de teologias ou abordagens rituais particulares, nota Philippe Portier. O Papa Francisco tenta dar um enquadramento para gerir essa diversidade, em particular através do caminho sinodal. 

Isso não acontece sem tensões. No sínodo dedicado à Amazônia, em outubro de 2019 em Roma, opositores do papa argentino roubaram, na igreja onde foram colocadas, algumas estatuetas representando a Pachamama, a Mãe Terra da tradição andina, e as jogaram no rio Tibre. Eles acusaram Francisco de ter cometido um ato de “idolatria” durante uma cerimônia nos jardins do Vaticano na presença de imagens da Pachamama. 

Imagem da PACHAMAMA

A pluralidade constitui uma dificuldade particular para o catolicismo, no qual “a noção de Igreja está carregada de uma dimensão teológica particular - que não existe em outras tradições - com pretensão universal”, assinala Denis Pelletier: a unidade é indispensável a essa instituição religiosa. Além disso, a Igreja Católica é “construída em torno da centralidade de Roma”. “Há mil e quinhentos anos, a história se construiu em torno da Europa, com uma vocação majoritária. Mas hoje, se a América Latina for excluída, onde a Igreja Católica é mais dinâmica, é minoritária. Eclesiologicamente, isso tem consequências. Em particular, levanta o problema da articulação entre religião e política”. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 10 de setembro de 2021 – Internet: clique aqui (Acesso em: 10/09/2021).

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