«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

As mulheres são...

 Quem carrega o fardo da destruição do Estado?

 Ana Luíza Matos de Oliveira

Economista, Doutora em Desenvolvimento Econômico, professora Visitante da FLACSO – Brasil 

O trabalho feminino gratuito é o que garante a manutenção da sociedade capitalista no Brasil

 

Nossa sociedade brasileira se sustenta em uma divisão sexual do trabalho, em que as mulheres estão historicamente vinculadas ao trabalho doméstico e de cuidado, ao mesmo tempo fundamental e desvalorizado. 

No Brasil, como o Estado oferece pouco apoio para a prestação de cuidados (como creches, instituições de longa permanência para idosos etc.), o trabalho feminino gratuito é o que garante a manutenção da sociedade capitalista. Esta questão tem várias implicações para as mulheres:

* menor e pior participação econômica do que os homens;

* baixa renda e por vezes dependência financeira do parceiro; e

* a sobrecarga de trabalho ao adicionar o tempo de trabalho remunerado ao trabalho doméstico não remunerado.

Além das perdas no mundo do trabalho, as relações patriarcais tornam as mulheres mais suscetíveis à violência doméstica, ao feminicídio e ao preconceito. 

Mas a experiência das mulheres não é única: mulheres de classe alta podem “terceirizar” parte das atividades domésticas para as trabalhadoras domésticas e, assim, ter mais oportunidades de desenvolvimento profissional, gerando uma trajetória de desigualdades em relação às mulheres pobres. Também, questões raciais devem ser consideradas, uma vez que ainda hoje as mulheres negras ocupam a base da pirâmide social, assim como as mulheres indígenas. Ou seja, existem várias realidades quando se fala em ser mulher ou em gênero.

Se historicamente o Brasil já é um país muito desigual, infelizmente estamos piorando desde 2015 (não só no ponto de vista das mulheres, mas no ponto de vista dos outros grupos vulneráveis e para a população como um todo), com o aumento da pobreza e da informalidade levando a um aumento da desigualdade.

Desde 2015, o Brasil sabotou seu incipiente Estado de bem-estar social.

E, no mundo da economia e da política fiscal dominado pelos homens, não houve uma preocupação de que a austeridade aumentaria as desigualdades de gênero. Com a destruição do Estado, quem arca com o preço? Quem carrega o fardo? Pois as mulheres carregam grande parte deste peso. 

Exemplos de destruição do Estado de bem-estar social 

Um exemplo é o caso dos cortes no Programa Bolsa Família, que reduz a pobreza (incluindo a pobreza intergeracional), melhora as condições de saúde das crianças e, ao dar preferência às mulheres como beneficiárias do benefício, amplia as possibilidades de escolha das mulheres. O gráfico 1 mostra como o programa se expandiu rapidamente de 2004 a 2012, mas uma queda substancial na cobertura entre outubro de 2016 e julho de 2017, bem como de maio de 2019 a março de 2020. Por outro lado, a pobreza aumentava, ou seja, enquanto aumentava a demanda da população pelo programa.

Gráfico 1 – Famílias beneficiárias pelo Programa Bolsa Família (Fonte: SAGI)

De forma semelhante, o gráfico 2 mostra os valores pagos em “Políticas para as mulheres” e mostra como, a partir de 2015, há um corte bastante significativo dos valores pagos em políticas para a redução das desigualdades de gênero na sociedade. Estes dados mostram, na prática, os impactos da política de austeridade, de corte de gastos sociais. 
Gráfico 2 – Valores pagos em “Políticas para as mulheres¹” (em milhões de R$), corrigido pelo INPCFonte: Adaptado de Oliveira, Passos, Guidolin, Welle e Nassif-Pires (2020)

Apesar deste impacto palpável no dia-a-dia da população (em especial da população feminina), o tema dos impactos da austeridade na questão de gênero ainda é muito pouco explorado no Brasil. Em artigo recente publicado na revista “Economia Política”, com Magali Alloatti, discutimos este fato a partir de uma busca na base de dados Web of Science, que nos retornou 352 artigos (166 de acesso aberto). 

Nosso artigo dá algumas pistas de como e porque a austeridade impacta mais fortemente as mulheres: 

a) nos indicadores de saúde, pois o financiamento insuficiente de políticas de saúde leva a que soluções temporárias se tornem duradouras e aumenta as distâncias de gênero;

b) no mercado de trabalho, pois como as mulheres são mais presentes no trabalho a tempo parcial e informal, são as que mais sofrem nas crises, bem como as mais impactadas no caso de reformas administrativas;

c) na pobreza, pois cortes em políticas públicas voltadas ao alívio da pobreza as impacta diretamente;

d) ao cortar políticas de educação, saúde, seguridade social etc., os mais vulneráveis – entre eles as mulheres – são os mais afetados;

e) a austeridade se baseia em transferir a provisão pública de cuidados às famílias, o que acaba recaindo sobre as mulheres;

f) por fim, se a austeridade leva a corte nas políticas de combate à violência de gênero, as mulheres se veem fortemente impactadas. 

Apesar de todas estas 6 questões serem facilmente observadas no Brasil contemporâneo, em nossa pesquisa nos deparamos com uma lacuna: quase todos os artigos que discutem os elos entre austeridade e a questão de gênero o fazem com um enfoque na Europa. Há quase nada de produção com enfoque no Brasil. Falta ainda discutirmos no Brasil os impactos de gênero da austeridade e como as mulheres estão ainda mais sobrecarregadas com a redução do Estado. 

Nota:

[1] O programa 2016 (“Políticas para as mulheres”) contém as seguintes ações: Ampliação e consolidação da rede de serviços de atendimento às mulheres em situação de violência; Construção da casa da mulher brasileira; Políticas culturais de incentivo à igualdade de gênero; Promoção de políticas de igualdade e de direitos das mulheres; Atendimento às mulheres em situação de violência; Publicidade de utilidade pública; Produção e divulgação de informações, estudos e pesquisas sobre as mulheres; Capacitação de profissionais para o enfrentamento à violência contra as mulheres; Central de atendimento à mulher – ligue 180; Apoio a iniciativas de fortalecimento dos direitos das mulheres em situação de prisão; Apoio a iniciativas de referência nos eixos temáticos do plano nacional de políticas para as mulheres; Incorporação da perspectiva de gênero nas políticas educacionais e culturais; Apoio à criação e ao fortalecimento de organismos de promoção e defesa dos direitos da mulher; Incentivo a políticas de autonomia das mulheres; Fortalecimento da participação de mulheres nos espaços de poder e decisão; Apoio a iniciativas de prevenção à violência contra as mulheres. 

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos – Notícias – Sexta-feira, 17 de setembro de 2021 – Internet: clique aqui (Acesso em: 17/09/2021).

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