Conversando sobre ansiedade
Ansiedade
nos lembra que não há controle sobre o futuro
Rodrigo de Almeida Ramos
Psiquiatra e mestre em Medicina pela Santa Casa de São Paulo, diretor e Sócio Fundador do Núcleo Paulista de Especialidades Médicas – NUPEM
Ansiedade na medida certa é preciosa, em
excesso, é insalubre
RODRIGO DE ALMEIDA RAMOS |
O neurocientista português Antonio Damasio, em seu livro A Estranha Ordem das Coisas, reflete sobre a necessidade de sentimentos humanos para a preservação da homeostase, a situação de equilíbrio químico do mundo interno. Quando a homeostase opera no que ele chama de faixa positiva, a pessoa experimenta uma sensação de alegria e bem-estar que reflete em sua saúde, ajudando a mantê-la. Nas situações em que ela atua, no entanto, numa faixa negativa, como ocorre por exemplo em situações de estresse, há a emergência de sentimentos como tristeza, desconforto e, em alguns casos, até dores no corpo.
E é aqui que entra a ansiedade. Antes de mais nada é importante que se esclareça que há uma relação íntima entre ansiedade e medo. Se este é a representação emocional de um perigo iminente detectada pelo organismo, a ansiedade é um aviso de que precisamos nos empenhar se quisermos garantir a sobrevivência futura.
Quer ir bem em uma prova? Estude. Seu desejo é perder peso
para manter sua saúde? Organize sua dieta e rotina de exercícios físicos.
E o que garante que você se esforçará adequadamente? A ansiedade!
Aquele estado de humor de valor negativo e altamente desconfortável que funciona como um conselheiro que toda hora sopra em seu ouvido “você está bem-preparado para o evento de amanhã?”.
Não é à toa que a ansiedade sobreviveu na linhagem humana da seleção natural. Indivíduos com uma ansiedade saudável tendem a ser mais adaptados porque apresentam uma probabilidade aumentada de ter um futuro mais organizado.
Então a ansiedade é uma dádiva? Muita calma nessa hora! Porque como tudo que depende de uma regulação química do nosso corpo, a ansiedade pode sair do controle e se tornar uma doença. Imagine um desequilíbrio tamanho em nossa homeostase que faça você acreditar que o futuro está completamente comprometido e que a você nada resta a não ser sofrer a expectativa da desgraça.
A doença ansiedade não se baseia em fatos. Ela é apenas uma espécie de
contaminação do pensamento que compromete a vida da pessoa.
Como reação ao hipotético destino miserável, o corpo responde com
medo.
Há a liberação interna de substâncias como a adrenalina, que promovem taquicardia, falta de ar, palidez, sudorese, diarreia, tremores e sensação de desmaio.
E por que a pandemia piora a
ansiedade?
Ela promove uma situação de estresse ao comprometer todas as ideias de futuro. O emprego não está mais garantido. A vida de pessoas que amamos, ao menos no curto prazo, é incerta. Nossa sobrevivência também não é tão segura. É a hostilidade do ambiente se somando a uma hostilidade do mundo interno, que pode ocorrer em pessoas vulneráveis para o problema.
A ansiedade na medida certa é preciosa. Em excesso é insalubre. E no fundo ela sempre nos lembra uma coisa: que por mais que tentemos, nosso controle sobre o futuro nunca será pleno. “Como será o amanhã? Responda quem puder”.
Fonte: O Estado de S. Paulo – Cultura – Quarta-feira, 22 de setembro de 2021 – Pág. H1 – Internet: clique aqui (Acesso em: 28/09/2021).
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