12º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 9,18-24
Alberto
Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Quem vive para si destrói sua
própria existência
Após a Quaresma, o Tríduo Pascal, o Tempo Pascal e as festas
da Ascensão do Senhor, Pentecostes e Santíssima Trindade, a Igreja retoma o Tempo Comum, iniciado com o Batismo de Jesus. Este
tempo existe não para celebrar algum aspecto particular do mistério de Cristo,
mas para celebrá-lo em sua globalidade, especialmente em cada Domingo (cf.:
NALC 43: Normas Gerais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário); durante
este tempo se aprofunda e se assimila o mistério de Cristo que se insere na
vida do povo de Deus para torná-la plenamente pascal.
O elemento principal e mais forte do Tempo Comum é o Domingo, que surgiu antes mesmo da celebração anual da Páscoa. Era o único elemento celebrativo no correr do ano: a grande celebração semanal do Mistério Pascal de Cristo. É, pois, um tempo marcadamente caracterizado pelo Domingo, quer pela teologia, quer pela espiritualidade.
Lucas 9,18a:** «Aconteceu que
Jesus estava orando, à parte, e os discípulos estavam com ele.»
O início desta passagem do Evangelho é: Um dia Jesus
estava em um lugar solitário orando. Mas na realidade Lucas não escreve
assim. Trata-se de uma tentativa de harmonizar uma aparente inconsistência
que existe nessa passagem. Então, vamos ler no texto original grego o
que o evangelista nos escreve. Em primeiro lugar, Jesus não é nomeado, e
a expressão “Um dia” está ausente.
Na realidade, a passagem começa dizendo que: Ele estava
(Jesus) sozinho orando. Não em um lugar solitário, Jesus ora sozinho. Por
que então as traduções relatam que ele estava em um lugar solitário? Porque
então o evangelista escreve: Os discípulos estavam com ele. Portanto,
ele não pode orar sozinho se os discípulos estiverem com ele.
Mas, na realidade, o evangelista quer indicar, como já fez em outras
ocasiões, que os discípulos acompanham Jesus, mas NÃO O
SEGUEM.
Então Jesus está na solidão. Ele está sozinho. Os discípulos, mesmo estando com ele, não são solidários com ele.
Lucas 9,18b: «Então, perguntou-lhes: “Quem dizem as multidões que eu
sou?”»
As multidões às quais Jesus enviara seus discípulos para anunciar a novidade da notícia do Reino de Deus. É uma espécie de exame que Jesus faz para ver se o efeito da pregação dos discípulos foi bem sucedido. O resultado é decepcionante, é um fracasso.
Lucas 9,19: «Eles responderam: “Uns dizem que és João Batista; outros,
Elias; outros, que algum dos antigos profetas ressuscitou ”.»
Por que João Batista? João Batista já havia sido
assassinado por Herodes, mas acreditava-se que os mártires ressuscitariam
prontamente. Elias foi o profeta guerreiro que, pela violência, fez
cumprir a lei divina. São todos personagens que se relacionam com o passado.
Ninguém entendeu quem é Jesus, O NOVO que Deus expressa com sua
figura.
Esse equívoco se deve à confusão que os discípulos têm na cabeça. Acompanham Jesus, mas ainda não compreenderam quem ele é e, sobretudo, qual é a sua missão e destino.
Lucas 9,20: «Jesus, porém, perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?”
Pedro respondeu: “O Cristo de Deus”.»
Como Pedro costuma fazer, ele responde em nome de todos, pretendendo
ser o líder, o chefe do grupo. Não é uma boa resposta, tanto que veremos que
Jesus não apenas os repreende, mas o evangelista usa o termo, o verbo, que é
usado para os possuídos.
Por que não é uma boa resposta? O Cristo de Deus, que
é o messias de Deus, com o artigo definido, indica o que é esperado
pela tradição, ou seja, o messias vingador, o messias libertador, o messias
que teria conquistado o poder e expulsado os romanos.
Essas são as mesmas expressões que os adversários de Jesus usarão quando ele estiver na cruz, quando disserem: “Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!” [Lc 23,39], ou seja: Este homem, assim tão poderoso, como pode acabar na cruz? Que a resposta está errada pode ser visto na reação de Jesus.
Lucas 9,21: «Ele, porém, os advertiu expressamente para que não
dissessem isso a ninguém.»
Jesus, literalmente, os repreendeu, e é o verbo que funciona para expulsar demônios. Então, a resposta de Pedro não é apenas incorreta, não apenas não é de Deus, mas é uma resposta demoníaca porque persegue esses sonhos de poder.
Lucas 9,22: «E acrescentou: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser
rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos escribas, ser morto e,
ao terceiro dia, ressuscitar”.»
Nos Evangelhos, Jesus fala de si mesmo como Filho de Deus,
Filho de Deus é Deus na condição humana e Filho do homem é o homem na
condição divina. Aqui ele se apresenta como o homem que tem a plenitude
da condição divina. Este é o objeto do ódio mortal da instituição
religiosa, que pode dominar os homens, subjugá-los enquanto permanecerem na condição
infantil, mas quando o homem atingir a plenitude da condição divina
– e isso não é uma prerrogativa exclusiva de Jesus, mas uma possibilidade para
todos os seus discípulos – será o alarme para a instituição.
E aqui Jesus indica o Sinédrio, o mais alto órgão
jurídico de Israel:
* “pelos anciãos” (os senadores),
* “pelos principais sacerdotes” (que seriam os sumos
sacerdotes), e
* “pelos escribas” (os teólogos), como responsável por ele “ser morto”. A instituição, aquela que acreditava ser a representante de Deus, quando Deus se manifesta em Jesus, não só não o reconhece, como pede até sua eliminação, sua morte.
Lucas 9,23: «Então, começou a dizer a todos: “Se alguém quer vir após
mim, negue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me...»
Em seguida, Jesus diz a esses discípulos que ainda não
entenderam, como dissemos no início, aqueles que o acompanham, mas não o
seguem: “Se alguém quer vir após mim...”. Jesus havia convidado esses
discípulos a segui-lo, “negar-se a si mesmo”.
O que significa negar a si mesmo? É passar por um renegado. Jesus pede
para renunciar aos valores da sociedade: Deus, Pátria e Família, e
colocar:
* no lugar de Deus, o Pai;
* no lugar da Pátria, o Reino de Deus; e
* no lugar da família, a comunidade. Portanto, passar
por um renegado da sociedade.
“Tome a sua cruz”: Aqui o evangelista usa o verbo “levantar
a sua cruz”. Era o momento em que o condenado tinha que levantar o patíbulo do
chão, ou seja, o eixo horizontal da cruz, carregá-lo nos ombros e,
depois, ser conduzido pelo carrasco para fora da cidade onde se encontrava o
eixo vertical da cruz, aquele sempre fixado no chão, e ali ser crucificado com
essa terrível tortura.
Jesus não se refere à morte de cruz, mas ao terrível momento
do maior desprezo, da maior solidão, porque era dever dos parentes, dos amigos, insultar e
espancar os condenados a esta terrível tortura. Então Jesus diz:
“Se você quer me seguir, desista de toda forma de ambição e sucesso,
aceite perder completamente sua reputação, ficar completamente sozinho”.
“Todos os dias”: Aceitando assim, cotidianamente,
essa rejeição por parte da sociedade, especialmente por parte da instituição
religiosa que se vê ameaçada por essas pessoas que, graças ao seguimento de
Jesus, chegam à condição divina.
“E siga-me”: Portanto, é a condição que Jesus coloca. Deve-se
enfatizar que a cruz, nos Evangelhos, nunca se refere às dores, doenças, sofrimentos
que se encontram na vida. Deus não envia cruzes, mas a cruz é tomada
pelo homem como uma escolha livre para seguir Jesus, e para seguir
Jesus é preciso ser totalmente livre.
E quem se importa com sua REPUTAÇÃO, quem se importa com seu NOME, quem se importa com uma CARREIRA, não é uma pessoa livre e não pode seguir a Jesus.
Lucas 9,24: «... pois quem quiser salvar sua vida, este a perderá; mas
quem perder sua vida por causa de mim, este a salvará.»
Assim, Jesus conclui afirmando que quem vive para si destrói sua própria existência, quem vive para os outros é aquele que a realiza plenamente.
*
Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 5. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2021.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“Não
viva para que a sua presença seja notada, mas para que a sua ausência seja
sentida.” (Bob
Marley [1945 a 1981]: cantor e compositor jamaicano)
Por mais paradoxal que possa parecer, mas o que mais atrapalha a boa e eficaz evangelização, a humanização dos homens e das mulheres como desejado por Jesus, a realização do projeto de seu Pai, o Reino de Deus, nesta Terra, são os MAUS DISCÍPULOS DE CRISTO que existem em todas as partes!
Ao não saber quem é Jesus, seus seguidores não o seguem, apenas, o acompanham, apenas fazem volume, apenas estão ao seu lado, sem estar com ele, de verdade! Isso ocorreu nos tempos da presença física do Cristo entre nós, e segue acontecendo nos tempos de hoje!
Todos aqueles que se dizem cristãos, mas que buscam mais a fama, a glória, a riqueza, o poder e a influência não conhecem Jesus, nem convivem com ele em seu íntimo! São pessoas que buscam a si mesmas! É o fenômeno denominado “narcisismo cristão”, ou seja, é a pessoa que não busca anunciar Jesus e viver como ele viveu, mas busca ela mesma aparecer e se enxergar em tudo aquilo que ela realiza na Igreja e ao seu redor! No fundo, é ela que importa, não o Cristo!
Jesus não teve receio de
indicar, claramente, aqueles que seriam os responsáveis pela sua morte, os seus
adversários:
* os
chefes religiosos,
* os homens
consagrados,
* os responsáveis
pelo Templo de Jerusalém.
Assim, também nós, nos dias
atuais, não devemos recear em indicar, de modo transparente, quem mais
atrapalha e dificulta a pregação e vivência coerentes do Evangelho de Cristo:
a) Aqueles
que pregam, disseminam e vivem uma religião totalmente
alienada da realidade concreta da vida da maioria das pessoas: seus
sofrimentos, suas necessidades, suas angústias, suas aspirações e sonhos!
b) Aqueles
que são clericalistas, como denuncia frequentemente o Papa Francisco.
c) Esse
clericalismo expressa-se, muito bem, nos seguintes apegos:
* às
rubricas litúrgicas,
* ao
direito e às normas,
* à
burocracia,
* à
ortodoxia cega,
* à
pastoral da manutenção religiosa,
* à
sacramentalização pura e simples,
* à
bajulação dos ricos, influentes e poderosos que podem retribuir ao clero
subserviente aquilo que deseja.
d) Aqueles que se fazem presbíteros, religiosos, religiosas, missionários consagrados não por vocação, mas buscando prioritariamente sua segurança e estabilidade social, financeira, emocional e afetiva! Enfim, ser servidos e não servir!
Por isso tudo, muitos dos tais discípulos(as) de Jesus Cristo seguem dando a resposta equivocada a esta questão fundamental proposta por ele: “E vós, quem dizeis que eu sou?”
«Senhor,
o que eu sou para ti, por que tu queres ser amado por mim a ponto de ti
preocupares se eu não o fizer, e me ameaçares severamente? Como se já não fosse
um grande infortúnio não te amar! Dize-me, por favor, Senhor meu Deus
misericordioso, o que tu és para mim? Dize à minha alma: "Eu sou a tua
salvação". Dize-o, para que eu ouça. Os ouvidos do meu coração, Senhor,
estão diante de ti; abre-os e diga à minha alma: "Eu sou a tua
salvação". Perseguirei esta voz e assim te alcançarei; não esconda teu
rosto de mim. Amém.»
(Santo Agostinho, Confissões 1,5)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – XII TEMPO ORDINARIO – 19 giugno 2016 – Internet: clique aqui (Acesso em: 15/06/2022).
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