«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 8 de julho de 2022

15º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia

 Evangelho: Lucas 10,25-37 

Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano


Ter fé é praticar o amor semelhante ao de Deus por nós

A lei divina deve ser observada, mesmo, quando causa sofrimento ao ser humano? No Evangelho deste domingo, extraído do capítulo 10 de Lucas, versículos de 25 a 37, obteremos uma resposta a essa questão tão importante. 

Lucas 10,25:** «Um doutor da Lei se levantou e, para experimentar Jesus, perguntou: “Mestre, que devo fazer para herdar a vida eterna?”»

Os doutores da lei são os escribas, os principais legisladores. A autoridade deles era uma autoridade divina porque sua palavra era considerada a mesma palavra de Deus. Ao invés de “para experimentar Jesus”, literalmente, está escrito: para tentá-lo. Aqui, o evangelista usa o mesmo verbo que usou no deserto para as tentações do diabo. Assim, o evangelista nos adverte:

“Atenção, esses zelosos defensores da doutrina, da tradição, são na verdade instrumentos do diabo”.

E ele perguntou: “Mestre...”, esta atitude é típica da falsidade curial, ele se volta para Jesus para tentá-lo, portanto para acusá-lo e, em vez disso, dirige-se a ele com esse título de respeito, como se quisesse aprender, mas na realidade ele só quer julgar.

Que devo fazer para herdar a vida eterna?” Este é o tópico que interessa ao doutor da Lei. Jesus não fala sobre isso, Jesus veio para mudar esta vida aqui. Jesus não está interessado na vida eterna. 

Lucas 10,26: «Jesus lhe disse: “Que está escrito na Lei? Como lês?”»

A resposta-pergunta de Jesus é provocativa e irônica! O doutor da lei é um dos maiores especialistas. É alguém que durante toda a sua vida, o dia todo, esteve escrutinando a Lei e seus significados ocultos. Bem, Jesus lhe pergunta: “O que está escrito na lei?” E, então, com profundo sarcasmo: “Como você lê?” Ou seja: “O que você entende?” Não basta ler a Escritura, é preciso compreendê-la.

Se o BEM DO SER HUMANO não é colocado em primeiro lugar em nossa vida, a Sagrada Escritura pode ser lida, mas não compreendida. 

Lucas 10,27: «Ele respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua força e com todo o teu entendimento; e a teu próximo como a ti mesmo!”»

Ele respondeu, e aqui cita Deuteronômio, no capítulo 6, versículo 5: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e com toda a tua força”. Ou seja, o amor a Deus é total, absorve todas as energias do homem. E acrescenta, com um preceito do livro de Levítico (19,18): “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Há uma diferença entre esses dois amores: enquanto o amor a Deus absorve toda a energia do homem, o amor ao próximo é relativo, eu amo meu próximo como amo a mim mesmo. 

Lucas 10,28-29a: «Jesus lhe disse: “Respondeste corretamente. Faze isso e viverás”. Ele, porém, querendo justificar-se, disse a Jesus:»

Jesus não fala da vida eterna, mas fala desta vida. O que isto significa justificar-se? Na época de Jesus havia um amplo debate entre duas escolas rabínicas, a escola de Rabi Shammai, muito mais rigorosa e severa, e a de Rabi Hillel, de manga larga, sobre o conceito de “próximo”. Naquela época, para Hillel o conceito de próximo também significava o estrangeiro residente em Israel, para Shammai, a posição mais rigorosa, próximo era aquele que pertencia, apenas, ao próprio clã familiar ou, no máximo, à tribo. O fato de ele querer justificar-se, nos faz entender que ele é a favor da posição mais estreita e rigorosa. 

Lucas 10,29b: «“E quem é o meu próximo?”»

De fato, ele pergunta a Jesus: “E quem é o meu próximo?”. Pois bem, Jesus não responde de maneira teológica, mas com uma narração, uma parábola em que muda radicalmente dois conceitos fundamentais da religião: o conceito de crente e o conceito de próximo. 

Lucas 10,30: «Jesus retomou: “Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de assaltantes, que lhe arrancaram tudo, espancaram-no e foram embora, deixando-o meio morto.»

Jerusalém está localizada na montanha de Judá, a mais de 818 metros acima do nível do mar, enquanto Jericó, no deserto, está a uns bons 258 metros abaixo do nível do mar. São algumas dezenas de quilômetros, cerca de trinta, então há uma grande diferença de altura. É uma área árida e desértica, onde é difícil caminhar.

 A área era perigosa e, ainda hoje, é perigoso ir sozinho. Naquela estrada, naquela situação, naquele clima, não existe alguma esperança. O homem assaltado só tem que esperar para morrer, a menos que, providencialmente, alguma boa alma passe. É isso que Jesus nos faz entender. 

Lucas 10,31: «Por acaso descia por aquele caminho um sacerdote, mas ao ver o homem, passou longe.»

Por acaso”, o que significa providencialmente, Jesus apresenta o melhor que poderia ter acontecido, a pessoa mais adequada. Um sacerdote descia pelo mesmo caminho. É importante que Jesus fale de um sacerdote descendo. O que isto significa? Jericó era uma cidade sacerdotal, onde os sacerdotes, por sua vez, subiam a Jerusalém ao templo e, através de complicados rituais de purificação, exerciam seu ministério litúrgico por uma semana. Assim, o sacerdote não vai a Jerusalém para ser purificado, mas já esteve em serviço no santuário há uma semana (pode-se dizer que suas roupas ainda cheiram a incenso) e está na plenitude da pureza ritual. Então, isso era o melhor que poderia acontecer.

Ao ver o homem...”, a salvação está ao alcance, em vez disso, aqui está a ducha de água fria: “Ele passou longe”. Por que isso? Ele é uma pessoa cruel, ele é uma pessoa insensível? Não, pior, ele é uma pessoa religiosa. Para uma pessoa religiosa, os deveres para com Deus vêm antes daqueles para com os homens. Afinal, o que o doutor da lei respondeu? O amor a Deus é total, o amor ao próximo é relativo.

Ele é um sacerdote em estado de pureza e a lei no livro de Levítico e no livro de Números o proíbe de entrar em contato com um morto ou ferido, porque senão ele se torna impuro. Então ele se depara com o dilema: observo a lei divina ou ajudo a pessoa? O que é mais importante: o bem de Deus ou o bem do próximo? Os religiosos não têm dúvidas, para eles o bem de Deus é mais importante. 

Lucas 10,32: «Assim também um levita: chegou ao lugar, viu o homem e seguiu adiante pelo outro lado.»

Os levitas eram assistentes dos sacerdotes, desempenhando várias tarefas relacionadas ao culto no templo de Jerusalém. Portanto, eles também tinham que permanecer em condições de pureza para as cerimônias do templo. Assim, mesmo com o levita, não há esperança para aquele homem. E, depois, há o golpe de misericórdia. 

Lucas 10,33: «Um samaritano, porém, que estava viajando, chegou perto dele e, ao vê-lo, moveu-se de compaixão.»

Um samaritano”, o inimigo mais terrível, a pessoa mais horrenda, o ser humano mais repugnante aos olhos de um judeu, que estava viajando, passando. E dele esperaríamos: “ele chegou lá e deu-lhe o golpe de misericórdia”. Mas, em vez disso, Jesus diz: “Ele o viu”. Tudo bem, o sacerdote e o levita também o viram e Jesus afirma algo extraordinário: “moveu-se de compaixão [dele]”.

“Ter compaixão” é um verbo reservado apenas a Deus. É só Deus que tem compaixão, porque ter compaixão significa uma ação com a qual a vida é comunicada a quem não tem vida. Então, para Jesus, este samaritano, um herege, um mestiço, um pecador, uma pessoa impura, se comporta como Deus. Quem é a pessoa que tem fé para Jesus?

Não aquela que obedece a Deus observando suas leis – e vimos os resultados com o sacerdote –, mas aquela que se assemelha a Deus praticando um amor semelhante ao dele. 

Lucas 10,34-35: «Aproximou-se dele e tratou-lhe as feridas, derramando nelas azeite e vinho. Depois, colocou-o sobre seu próprio animal e o levou a uma hospedaria, onde cuidou dele. No dia seguinte, pegou dois denários e deu-os ao dono da hospedaria, recomendando: ‘Cuida dele, e o que gastares a mais, eu o pagarei quando eu voltar’.»

O samaritano se aproxima dele, cura o infeliz e até o leva para uma pousada cuidando dele e, ao final, Jesus volta-se novamente para o doutor da Lei e pergunta-lhe... 

Lucas 10,36: «No teu parecer, qual dos três fez-se o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?”»

Jesus revirou a pergunta do doutor da Lei. Ele queria saber: “quem é meu próximo”, ou seja, “até onde meu amor deve ir?” Jesus lhe pergunta: “quem se fez próximo”, ou seja, de onde parte o amor?

O próximo é aquele que se aproxima dos necessitados. 

Lucas 10,37: «Ele respondeu: “Aquele que usou de misericórdia para com ele”. Então Jesus lhe disse: “Vai e faze o mesmo”.»

A resposta é muito fácil, mas inaceitável para o doutor da lei. Enquanto ele responde, ele nem menciona o nome “samaritano”, tanto que tal pessoa o horroriza. E não aceita que um homem possa amar como Deus. O texto grego fala de “misericórdia”, porque Deus é quem tem “compaixão”, os homens têm misericórdia. E para o doutor da Lei é inaceitável que um homem possa amar como Deus.

Vai e faze o mesmo”. Portanto, para Jesus, aquele que tem fé não é mais a pessoa que obedece a Deus observando suas leis, mas aquela que se assemelha ao Pai praticando um amor semelhante ao dele. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 5. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2021.


Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“Meus irmãos, eu não vos aconselho o amor ao próximo; aconselho-vos o amor ao mais afastado.” (Friedrich Nietzsche – 1844-1900: filósofo, escritor, poeta e filólogo alemão)

Como dizia o grande humorista, dramaturgo e jornalista brasileiro Millôr Fernandes (1923-2012): “O ser humano ainda não tinha aprendido a amar o próximo e já tinha inventado a televisão que ensina a desprezar o distante”. Sem saber, ele previa aquilo que se passa, hoje, com um mundo onde as pessoas vivem, cada uma, em sua “bolha ideológica”. O que é favorecido e facilitado pelas tais mídias sociais: WhatsApp, Instagram, Facebook, YouTube, Twitter, Tik Tok etc.

O ser humano, nos dias atuais, tem dificuldade em relacionar-se, dialogar e conviver com outras pessoas que não se assemelham, em tudo, a ele mesmo! 

Essa parábola do Bom Samaritano é, indubitavelmente, um dos textos mais significativos e surpreendentes de todo o Novo Testamento! Ele cala fundo em nossas consciências, justamente, nesses tempos em que temos dificuldade, até, de trocar ideias, quem dirá, então, de AMAR O PRÓXIMO! Uma das consequências desse estado de coisas é a perda da sensibilidade, da misericórdia para com os nossos semelhantes! Cresce o individualismo, o egoísmo e a indiferença! Justamente, em um momento da história da humanidade, em que mais necessitamos de solidariedade, compaixão e interesse uns pelos outros! 

Em meio a tudo isso, como fica a religião?

Esta parábola é avassaladora, desconcertante e terrível para com os “religiosos”! Isso fica claro, quando Jesus identifica, entre aqueles que “passam longe”, “desviam o caminho”, quando veem o homem semimorto, caído à beira da estrada: o SACERDOTE e o LEVITA. Sim, justamente, “os homens da religião”, aqueles que mais deveriam viver a fé, o amor, a misericórdia. Não! Eles se sentem “puros”, pois retornam de seus afazeres “sagrados” no Templo de Jerusalém, sentem-se dispensados de olhar para o necessitado, pois se sentem justificados, santificados pelo cumprimento rigoroso das normas e ritos religiosos! Afinal, já “serviram a Deus” na liturgia do templo, não sentem necessidade de mais nada! 

Aqui, encontramos um exemplo flagrante de como a religião pode anular o Evangelho! Isso porque, a observância fiel dos ritos religiosos produz a tranquilização das consciências, mesmo que estas se encontrem diante de situações limites como nessa parábola: um homem quase morto, abandonado à beira da estrada! Como observa, muito bem, o teólogo espanhol José María Castillo:

“A observância dos ritos tranquiliza as consciências. Enquanto que, como sabemos, a misericórdia, a bondade e o anseio de justiça nos complicam a vida e nos criam problemas. Isso não explica as muitas contradições em que vivem submersas tantas pessoas da Igreja?”

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Pai, torna-nos dignos de servir os teus filhos e nossos irmãos, que em meio ao mundo vivem e morrem na pobreza e na fome. Dá-lhes, através de nossas mãos e o nosso coração, o pão cotidiano, a paz e a alegria. Pai, dá-nos hoje e sempre a fé que sabe ver e servir Jesus, teu Filho, nos pobres. Faz, ó Pai, que nos tornemos um ramo genuíno e frutuoso de Jesus, verdadeira videira, aceitando-o em nós como a verdade que devemos anunciar, como a vida que devemos viver, como a luz que devemos acender, como o amor que devemos comunicar, como o caminho que devemos percorrer, como a alegria que devemos dar, como a paz que devemos difundir, como o sacrifício que devemos oferecer para a salvação do mundo. Amém.»

(Madre Teresa de Calcutá)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – XV Domenica del Tempo Ordinario – Anno C – 14 luglio 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 06/07/2022).

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