«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

domingo, 10 de julho de 2022

Medo no ar

 Diante do medo, muitos sacrificam sua liberdade

 Leandro Karnal

Historiador, escritor, psicanalista e filósofo

LEANDRO KARNAL
 

“Eu não desejo ser dominado por aquilo que temo”

O medo é uma forma eficaz de controle. Zygmunt Bauman escreveu que é o nome da “nossa incerteza: nossa ignorância da ameaça e do que deve ser feito” (Medo Líquido, Zahar, p. 8). O sociólogo afirma que há os de primeiro grau, que compartilhamos com os animais: risco de vida, por exemplo. Seres vivos apresentam algum tipo de receio sempre. Os humanos acrescentamos “medos derivados”: uma sensação de vulnerabilidade e de insegurança que já não depende de uma ameaça direta. 

Diante dele, aceitamos restringir nossa liberdade. Aliás, passamos a entregá-la de bom grado. Segurança parece ser um lugar muito mais quentinho do que valores como habeas corpus ou pluripartidarismo. Golpes [militares] sempre contaram com o fantasma dos pavores coletivos:

* 1937 e 1964, no Brasil;

* 1966 e 1976, na Argentina;

* 1973, no Chile.

Vale a pena ler!!!

Ele embasava ditaduras de direita e ajudava a prolongar a vida de governos autoritários de esquerda. Stalin e Pinochet sabiam que uma população apavorada era submissa. 

Temer abre universo vastíssimo. É provável que segure casamentos, adie trocas de emprego e crie barreiras contra ousadias pessoais e profissionais. A frase do historiador francês Lucien Febvre valeria para a Idade Moderna e para hoje: “Peur toujours, peur partout” (medo sempre e em toda parte). 

Nascemos, crescemos e morremos sob a longa penumbra dos nossos anseios e inseguranças. Os perigos reais e imaginados dialogam e multiplicam-se em associação fértil.

Os que ousam podem ser punidos com algum desastre e são usados como exemplo pela nossa zelosa acomodação.

Somos – ou ao menos eu sou – indivíduos profundamente covardes. Exceção? As narrativas que fazemos sobre nós e nossos enfrentamentos com o mundo. Nelas, viramos Aquiles invencíveis. 

Todos os dias, eu recebo vídeos nos grupos de WhatsApp, mostrando novos golpes, riscos maiores e violências variadas. O “lar doce lar” é tomado de riscos de acidentes. A rua? Um campo minado que necessita de couraças cada vez mais pesadas. Relações são arriscadas. As festas contêm armadilhas. Respiramos medo. 

Amuletos, medalhas e cristais para alguns; livros de autoajuda para outros, treinamento incessante para os que traduzem sua angústia em qualificação eterna. Muitos são os recursos. Todos apresentam alguma falha. Não existe magia ou ação absolutas para a segurança. 

Nem sempre é confortável mostrar nossa ANGÚSTIA. Preferimos usar termos eufemísticos: estratégia, prudência, astúcia.

Antes da viagem, podemos ter informações sobre os riscos de cada lugar. Durante a estada no hotel, você tem medidas para proteger os bens no quarto, para evitar acidentes na piscina ou cobranças indevidas. Cuidado ao usar seu cartão: as maquininhas podem ser fraudadas! Muita atenção com malas no aeroporto. Está em Paris? Cuidado com “o golpe do anel”? Não sabe qual é? Leia tudo sobre ele na internet. No Rio? Alguém se oferece para limpar seu sapato de um aparente dejeto de pombo? É golpe! Em São Paulo? Nunca pegue o celular na Paulista. Ele será roubado! Bebidas em bares e casas noturnas? Há chance de soníferos e golpes de “boa-noite, cinderela!” e você amanhecerá, no mínimo, sem um rim em uma banheira de hotel. Sua internet despeja mais riscos na sua tela que o Amazonas joga água doce no Atlântico. 

Vocês, prudente leitora e equilibrado leitor, sabem que o mundo tem riscos e que os golpes existem. Os medos diretos são reais. Há golpes e assaltos em todo lugar. O excelente filme Nove Rainhas (2000, Fabián Bielinsky) mostra, em uma cena antológica, uma rua de Buenos Aires tomada por picaretas e golpistas. 

Sim, os riscos existem. O que nos mata é que, além do desafio real, existe o medo macerado, curtido, decantado e orgânico. Os medos derivados possuem autopropulsão.

Aceitamos cada vez mais câmeras, raios X, revistas, portas giratórias que trancam, pois sabemos que tais medidas podem nos proteger. O medo cala e solapa o edifício da liberdade. 

Há alguns anos, decidi assumir uma dupla atitude. Por um lado, evito lugares mais perigosos, horários com mais problemas ou ostentação de celular na calçada. Faço seguros, observo como está a rua antes de sair do carro, reforço trancas e alarmes em casa. Realizo exames médicos preventivos. Tomo muitas medidas, mas falta a segunda opção: não viverei para o medo. Os riscos estão ao meu redor, tento saber deles e evito viver para eles. É um pouco da atitude de Ulisses na Odisseia: sei das sereias que atraem marinheiros aos rochedos, continuo querendo navegar e conhecer, mesmo amarrado ao mastro do navio.

O ato aristotélico de coragem é avançar consciente do medo. Eu não desejo ser dominado pelo que temo.

Aprendi também que quem oferece segurança quase sempre é do padrão mafioso: “... pague para que nós possamos protegê-lo de nós mesmos”. 

Preciso respirar. O medo está diluído no ar. Em ano de eleição, seu temor pode conduzi-lo às urnas. Seria bom carregar sua ESPERANÇA também. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Cultura & Comportamento / Colunista – Domingo, 03 de julho de 2022 – Pág. C8 – Internet: clique aqui (Acesso em: 10/07/2022).

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