16º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 10,38-42
Alberto
Maggi *
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Escolher a liberdade é estar à
escuta de Jesus
Sempre que lemos o Evangelho devemos colocá-lo no contexto cultural da época. Se não fizermos isso, corremos o risco de sermos vaiados por fiascos e dar uma interpretação que, absolutamente, não é a intenção do evangelista. Esse é o caso desta passagem: capítulo 10 de Lucas, versículos 38 a 42. Uma passagem da qual nasceu a distinção entre a vida ativa, das pessoas comuns, normais, e a vida contemplativa, dos que optam pela vida monástica, o claustro, com clara preferência de Jesus por esta. Nada disso!
Lucas 10,38:** «Enquanto
estavam a caminho, Jesus entrou num povoado, e uma mulher, de nome Marta,
recebeu-o em casa.»
O evangelista nos diz que: “Jesus [acompanhado por
seus discípulos] entrou num povoado”. Aqui está a primeira
inconsistência. Estão a caminho e só Jesus entra. Por quê? Jesus exclui
os discípulos porque eles, ainda, não são capazes de entender a lição que ele
dará. Ele entrou em uma aldeia, povoado. Quando, nos Evangelhos,
encontramos a expressão “aldeia” é uma chave de interpretação que os
evangelistas nos dão para indicar resistência, incompreensão ou hostilidade ao
anúncio de Jesus, à novidade que Jesus traz, porque a aldeia é o lugar ligado à
tradição, ao passado. A aldeia é onde vigora o imperativo:
“Por que mudar? Sempre foi feito assim!”
Esta aldeia não tem nome precisamente porque era representativa de uma mentalidade ligada ao passado, que vê cada novidade com desconfiança. O nome da pessoa que hospeda Jesus é todo um programa, Marta significa “senhora, dona da casa”. A partir daqui entendemos que ela é a dona da casa.
Lucas 10,39: «Ela tinha uma irmã, Maria, que sentada aos pés do Senhor,
ouvia sua palavra.»
Eis esta imagem que o evangelista nos dá de Maria sentada
aos pés do Senhor, deve ser entendida no contexto cultural da época. Não
significa adoração de Maria ou contemplação ou veneração do Senhor. Maria
se coloca na posição de discípula em relação ao mestre. Por exemplo, há
São Paulo que diz nos Atos [22,3] que se diz instruído “aos pés de Gamaliel”.
Assim, sentar-se aos pés de alguém significava reconhecê-lo como mestre.
E no Talmud, o livro sagrado diz: “Seja sua casa um ponto
de encontro para os eruditos, polvilhados com o pó de seus pés e bebam sua
palavra com sede”.
Então a atitude de Maria não é uma atitude de
adoração, mas de escuta, como um discípulo a um mestre. Mas é algo
estranho o que Maria faz, porque ela não pode. Ela é uma mulher e as
mulheres não têm os mesmos direitos e privilégios que os homens. A mulher
tem que ficar na cozinha, tem que ficar invisível. Também no Talmud lemos que “as
palavras da lei são destruídas pelo fogo antes que serem ensinadas às mulheres”.
Os rabinos se gabavam de que Deus nunca havia falado com uma mulher.
Ele tinha feito isso apenas uma vez, com Sara, mas depois se arrependeu, pela mentira de Sara [Gn 18,13-15], e desde então nunca mais falou com uma mulher. Então Maria está fazendo algo escandaloso aqui. Transgride o papel onde a tradição sempre confinou as mulheres e assume a atitude do macho, do homem, do discípulo.
Lucas 10,40: «Marta, porém, estava ocupada com muito serviço.
Aproximou-se e disse: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha
a servir? Dize-lhe que me ajude!”»
Em vez disso, Marta é a fiel da tradição. Marta chega a repreender Jesus, responsabilizando-o pela ausência de sua irmã. E aqui está uma multiplicação do pronome pessoal “me, que me”, ela está toda centrada em si mesma. Marta não suporta que a sua irmã tenha transgredido as regras, as normas que a tradição e a moral atribuíram às mulheres, que Maria faça o papel de um homem, uma discípula, e pede a Jesus que a coloque de volta no papel onde a tradição sempre colocou as mulheres. Mas Jesus, em vez de repreender Maria, repreende sua irmã.
Lucas 10,41-42: «O Senhor, porém, lhe respondeu: “Marta, Marta! Tu andas
preocupada e agitada por muitas coisas. No entanto, uma só coisa é necessária.
Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada”.»
A repetição do nome significa reprovação, como quando Jesus, vendo a cidade
santa, dirá: “Jerusalém, Jerusalém” [Lc 13,34]. Portanto, é uma
expressão de reprovação. Literalmente: “de uma só [coisa] há necessidade”.
E aqui está a frase: “Maria escolheu a melhor parte
(literalmente a parte boa), e esta não lhe será tirada”. Então é
necessário entender o que é que não pode ser retirado. O que não pode ser
tirado de uma pessoa? Porque até a vida de uma pessoa pode ser tirada. Por
que Jesus diz que Maria escolheu uma parte que não pode ser tirada dela?
Porque Maria escolheu a liberdade, através da transgressão das
regras e normas de comportamento.
Uma coisa é a liberdade quando ela nos é concedida – quando ela é concedida também pode
ser retirada – outra coisa é quando a liberdade é fruto de uma conquista
pessoal, tendo a coragem de transgredir as regras da tradição e as regras
da religião.
Então, quando alguém conquista essa liberdade, ninguém
pode tirá-la dele. Assim, a de Jesus – como dissemos no início – não é uma
preferência por uma vida contemplativa em detrimento da ativa, mas é um
convite à escolha da liberdade.
E é interessante que para fazer esta escolha de liberdade o evangelista
não coloque um homem, mas uma MULHER.
* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 5. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2021.
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“A
conquista da liberdade é algo que faz tanta poeira que, por medo da bagunça,
preferimos, normalmente, optar pela arrumação.” (Carlos Drummond de
Andrade – 1902-1987: poeta,
cronista, contista e tradutor brasileiro)
O Evangelho deste domingo nos chama a atenção para algo de fundamental importância nos dias atuais: o ministério da escuta! Isso mesmo! Falta, seja na Igreja, seja na sociedade a capacidade de colocar-se à escuta das pessoas. Vivemos em um mundo do barulho, do ruído, da música em alto volume, das pessoas falando alto, de aparelhos eletrônicos ligados o tempo todo... Enfim, quase não se encontra mais espaço para OUVIR seja a nós mesmos, seja aos outros! Isso explica, em boa parte, os desencontros entre casais, famílias, colegas de trabalho, membros da Igreja, pessoas na sociedade.
Mas há algo, ainda mais grave, para o qual o Evangelho deste domingo nos convida a refletir: o desequilíbrio entre os lugares ocupados pelos homens e mulheres no interior de nossa Igreja, ainda, nos tempos de hoje! Por mais que tenhamos avançado no compartilhamento das responsabilidades e tarefas, no entanto, nossa Igreja segue sendo comandada por homens! As mulheres não têm acesso aos mais altos encargos no interior da mesma, bem como, não podem exercer ministérios importantes, como o diaconato e presbiterato considerados, até o momento, exclusivos dos varões! Passou da hora de se rever essa situação da mulher, que não é um dogma no interior de nossa Igreja!
Outro aspecto ressaltado pelo texto bíblico que estamos refletindo, é o fato de que a Igreja deveria ser o lugar privilegiado da acolhida do Evangelho, da acolhida da Palavra de Deus. A formação de pequenos grupos de reflexão e meditação do Evangelho de Cristo deveria ser uma prioridade absoluta nas comunidades! Escutar, compreender e partilhar as palavras de Jesus Cristo deveria ser uma prioridade em toda e qualquer paróquia, quase-paróquia ou comunidade cristã! No entanto, são raríssimas as comunidades que se organizam nesse sentido! O investimento humano e financeiro na escuta da palavra de Jesus é ínfimo, é pequenino em vista dos demais que a Igreja realiza! Sem isso, não haverá autêntica e profunda evangelização de nossa gente!
Finalmente, identificamos,
no Evangelho deste domingo, duas atuações muito importantes na vida de
todas as pessoas:
«Marta é a “ajuda”. Maria é a “escuta”.
Marta representa o “ser para”. Maria representa o “estar com”.
Marta é “serviço”. Maria é “companhia”. Todos os seres humanos
necessitam, em suas vidas, de ambas as coisas, ou seja, aquilo que representa
Marta e o que representa Maria.»
(José María Castillo)
Oração após a meditação do Santo Evangelho
«Senhor,
agradar-te não consiste em fazer muitas obras, mas em fazê-las com boa vontade,
sem apego e respeito humano. À noite serei examinado sobre o amor: ensina-me,
meu Deus, a amar-te como queres ser amado. Que eu não me entristeça com os
casos adversos do mundo, mas saiba o bem que eles podem conter, nem me alegre
com a prosperidade temporal, pois não sei ao certo se me asseguram a vida
eterna. Dá-me, ó Deus, recorrer imediatamente a ti, em tudo, com confiança, com
amor e com verdade. Amém.»
(São João da Cruz)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – XVI Domenica del Tempo Ordinario – Anno C – 21 luglio 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 12/07/2022).
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