«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Falando francamente...

 “Organizada de forma hierárquica e patriarcal, a Igreja está fadada ao desaparecimento”

 Antonio Aradillas

Sacerdote, escritor e jornalista – RELIGIÓN DIGITAL: 16/01/2023 

Entrevista com Juan José Tamayo

Nascido em 1946 em Amusco (Palencia, Espanha), é doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade de Salamanca e doutor em Filosofia pela Universidade Autônoma de Madri. Dirige a Cátedra “Ignacio Ellacuría” de Teologia e Ciências da Religião na Universidade Carlos III de Madri (Espanha) e é professor visitante em numerosas universidades nacionais e internacionais. É também Secretário Geral da Associação dos Teólogos João XXIII, membro do Comitê Internacional do Fórum Mundial de Teologia e Libertação, do Conselho de Administração da Associação para o Diálogo Inter-religioso de Madri e Conselho Curador da Fundação Siglo Futuro.

JUAN JOSÉ TAMAYO

Uma entrevista sincera com um dos mais reconhecidos e renomados teólogos espanhóis da atualidade

Frases de destaque desta entrevista:

“O que Jesus põe em prática é um movimento igualitário de homens e mulheres que compartilham sua vida e seus bens e o acompanham no anúncio do Reino de Deus. O que Jesus nos lega, com sua vida exemplar e sua mensagem libertadora, é um espírito de comunidade, solidariedade, igualdade, disponibilidade e dedicação aos outros, especialmente às pessoas e grupos empobrecidos e mais vulneráveis.” 

“A estrutura e a formação atuais dos seminários não respondem, em geral, aos desafios atuais, nem sua orientação responde aos problemas que os futuros sacerdotes encontrarão. Não os preparam para ser e exercer o ministério que é exigido e identifica a Igreja hoje.” 

A própria democracia está em perigo e seriamente ameaçada por esses sistemas, pelos golpes de estado permanentes, pela aliança cristã-neofascista entre a extrema direita política e os movimentos integralistas católicos e fundamentalistas evangélicos.” 

A escola não é o lugar para educar na fé religiosa, mas para formar cidadãos responsáveis, sujeitos de seus próprios destinos, livres, participativos, com senso crítico, e transmitir conhecimentos voltados para uma convivência solidária, harmonizando teoria e prática.” 

Não há relação intrínseca entre o ministério sacerdotal e celibato. A condição celibatária para o exercício do ministério sacerdotal é puramente disciplinar e, claro, mutável. Quanto mais cedo for eliminada, melhor.” 

“O Papa Francisco está assumindo com determinação, ímpeto evangélico, fé e esperança a recuperação do [Concílio] Vaticano II, a cujo esquecimento e descumprimento seus predecessores o sujeitaram.” 

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Graças a Deus, no início do meu caminho para Emaús no ano do Senhor 2023, tive a oportunidade de entrevistar Juan José Tamayo, doutor em Teologia e Filosofia e diretor emérito da Cátedra de Teologia e Ciências das Religiões “Ignacio Ellacuría” da Universidade Carlos III de Madrid. Com certeza pode-se afirmar que, hoje, Juanjo para os amigos, é o teólogo espanhol com maior projeção nacional e internacional. O seu “currículo” assim o salmodia, embora, como acontece com muita frequência, no seio do “establishment” e mais ainda no clerical, tal reconhecimento seja literalmente mesquinho e até inviável. 

Autor de mais de setenta livros, é professor visitante em diversas universidades da Europa, América Latina, Estados Unidos e África, secretário geral da “Associação de Teólogos e Teólogas João XXIII” e membro do Comitê Internacional do Fórum Mundial de Teologia e Libertação

E também e acima de tudo, sua conversa é amena, agradável e inteligível, sem perder um grama sequer de conhecimento teológico e humanístico. A desclericalização é uma característica essencial de sua linguagem, que nunca cheira a incenso e não exige ecos de qualquer tipo de música celestial, nem mesmo “gregoriana”, embora a adore e goste de ouvi-la. É plano. De Tierra de Campos-Canal de Castilla-, acessível e dir-se-ia jornalístico, ancorado no jornal independente EL PAÍS, em cuja escola e dicionário se formou e exerce com tão esperada e frutuosa frequência. 

Das duas horas de conversa mantidas com Juanjo a falar do humano e do divino, sem anticlericais inócuos ou ociosos, encorajo-me a fazer um extrato a fim de ajudar os leitores de Religión Digital a equipar as suas mochilas para enfrentar o caminho eclesial – “longa caminhada” – que identifica as horas, os dias, as semanas e os tempos litúrgicos do ano novo e dos próximos, com os problemas e protagonistas hierárquicos que definirão e manterão, com a ajuda de Deus. 

JUAN JOSÉ TAMAYO e a foto de capa de um de seus últimos livros

Eis a entrevista. 

Quais foram e continuam sendo os motivos, causas, razões ou sem-razões pelas quais a hierarquia eclesiástica ainda censura e reprova não poucas de suas ideias relacionadas à Teologia?

Juan José Tamayo: Fundamentalmente, minha irrenunciável liberdade de pensamento, pesquisa e expressão, também e, sobretudo, dentro da teologia, a suposta, mas não real, negação de minha parte, da divindade e ressurreição de Jesus de Nazaré, fatos, doutrinas e eventos que não deveriam ser interpretados de forma diferente do que uma expressão sublime da libertação do ser humano. 

A Igreja está acabando?

J. J. Tamayo: Organizada de forma hierárquica e patriarcal, está fadada a desaparecer se as reformas decorrentes do Concílio Vaticano II não forem prontamente operacionalizadas. A hierarquia recusa-se a morrer e estamos, neste momento, perante o paradigma de uma morte previsível, mas ao mesmo tempo perante um desejo decisivo de a evitar ou adiar com uma multiplicidade de meios humanos e nem sempre divinos. 

Também meios humanos?

J. J. Tamayo: Certamente, meios humanos dos governos. Com referência, por exemplo, à Espanha, todos os governos da atual democracia – de direita, de centro e de esquerda – têm sido reféns da Igreja Católica, a quem mantiveram, e até aumentaram, os privilégios em matéria educacional, fiscal, cultural, militar, legal em aplicação dos Acordos entre o Estado e a Santa Sé assinados em 1979. Muitos desses privilégios são da época da ditadura. Não poucos especialistas consideram o Acordo inconstitucional, por não respeitar os princípios de igualdade, neutralidade e laicidade do Estado. A Igreja também se sente refém dos governos justamente por causa desses privilégios, que constituem flagrante discriminação contra outras religiões. 

Bispos em procissão com suas mitras

A COMUNIDADE

Bispos, “Sucessores dos Apóstolos”?

J. J. Tamayo: Os sucessores de Jesus, dos apóstolos e dos discípulos são as comunidades cristãs que surgiram depois da Ressurreição e, especialmente, as mulheres que foram as primeiras testemunhas da Ressurreição. 

Jesus de Nazaré foi o fundador da Igreja?

J. J. Tamayo: Da Igreja em sua atual configuração hierárquica e piramidal, certamente não. O que Jesus faz é pôr em ação um movimento igualitário de homens e mulheres que compartilham sua vida e seus bens e o acompanham no anúncio do Reino de Deus. O que Jesus nos lega, com a sua vida exemplar e a sua mensagem libertadora, é um espírito de comunidade, de solidariedade, de igualdade, de disponibilidade e de dedicação ao próximo, especialmente às pessoas e aos grupos mais pobres e vulneráveis. 

Você guarda o número de telefone de algum bispo que considera amigo e que lhe considera também?

J. J. Tamayo: Que eu me lembre, nenhum. Bem, sim, a do Cardeal Antonio Cañizares. Tínhamos o mesmo diretor de tese de doutorado: Casiano Floristán e começamos a ensinar teologia ao mesmo tempo. Mas não tenho amigos em instâncias eclesiásticas tão “altas”, nem inimigos, pelo menos da minha parte. Mas isso não me preocupa nem me tira o sossego. Entre os carismas que São Paulo relaciona, o da direção da comunidade ocupa o penúltimo lugar. No exterior, especialmente na América Latina, tenho bispos que são verdadeiros amigos, com quem compartilho encontros teológicos. 

DOM PEDRO CASALDÁLIGA (1928 a 2020). Foi o primeiro bispo da Prelazia de São Félix (MT), sendo conhecido internacionalmente por defender os direitos humanos, especialmente dos povos indígenas e marginalizados, e também por suas posições políticas e religiosas a favor dos mais pobres.

Pedro Casaldáliga foi um amigo?

J. J. Tamayo: Foi realmente. Ele expressou sua solidariedade comigo quando foi condenado meu livro Dios y Jesús. El horizonte religioso de Jesús de Nazaret (tradução livre: Deus e Jesus. O horizonte religioso de Jesus de Nazaré), em 2003. Mantivemos uma longa ou extensa correspondência. Todos os anos enviava uma mensagem de apoio ao Congresso de Teologia convocado pela Associação de Teólogos João XXIII. Acabei de publicar um livro sobre ele: Pedro Casaldáliga. Larga caminada con los pobres de la tierra (trad. livre: Pedro Casaldáliga. Longa caminhada com os pobres da terra) pela Herder, Barcelona. E na página 63 deixo registrado estes chocantes versos do amigo poeta: “Malditas todas as cercas/, Malditas todas as propriedades privadas/ que nos privam de viver e de amar/. Malditas sejam as leis / amanhadas por poucas mãos / para proteger cercas e bois / e fazer a terra escrava / e escravos os humanos escravos”. 

Capa do livro dedicado a DOM PEDRO CASALDÁLIGA por Juan José Tamayo

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

O que fazemos com os seminários diocesanos, conciliares [adaptam-se às normas estabelecidas nesta matéria pelo Concílio de Trento] e outros?

J. J. Tamayo: Muitos deveriam ser fechados porque são pré-conciliares e não seguem as orientações teológicas do Concílio Vaticano II. O Papa Francisco os criticou severamente e criou uma comissão para investigá-los. Muitos já estão fechados por falta de vocações.

A estrutura e a formação atuais dos seminários geralmente não respondem aos desafios atuais, nem sua orientação responde aos problemas que os futuros padres encontrarão.

Não preparam os seminaristas para ser e exercer o ministério que hoje exige e identifica a Igreja. Sua Teologia é mais apologética do que crítico-profética e tende a reproduzir a atual estrutura eclesiástica, ao invés de ir para as periferias existenciais, como solicitado pelo Papa Francisco. 

E a Teologia da Libertação?

J. J. Tamayo: Sim, continua viva e atuante em suas diferentes tendências:

* teologia do diálogo inter-religioso e intercultural,

* do Sul global,

* feminista,

* ecológica,

* camponesa,

* indígena,

* negra,

* decolonial, apesar das tentativas de matá-la. Dom Jacques Gaillot, bispo francês destituído por João Paulo II, dizia: “Uma Igreja que não serve, não serve para nada”. Eu diria sobre a teologia: “Uma teologia que não é livre nem libertadora não é teologia, é apologética”

Papa infalível?

J. J. Tamayo: Em certo sentido, a infalibilidade foi um obséquio que os Cardeais fizeram ao Papa Pio IX, para reparar o mal sofrido por ter sido privado da posse dos Estados Pontifícios. Carece de fundamento bíblico e teológico. É um dos dogmas a serem revistos pelo Magistério eclesiástico. Por si só, desde a sua definição dogmática até o presente, foi utilizado apenas uma vez, quando Pio XII declarou o dogma da Assunção de Maria em 1950, assim formulado: “A Mãe de Deus, depois de sua vida terrena, foi elevada em corpo e alma à glória celestial”. A meu juízo, essa afirmação “dogmática” não tem base bíblica, teológica ou histórica, e mal tem respaldo na devoção popular. Embora, paradoxalmente, na Espanha seja feriado no calendário de trabalho. 

Como você vê o futuro, perfeito, imperfeito ou mais que perfeito?

J. J. Tamayo: Do jeito que as coisas estão hoje, eu me conformaria com o futuro ser e existir e que o construamos de forma fraterna-sororal e ecológica; um futuro sem exclusões ou discriminações por motivos de etnia, cultura, religião, classe social, gênero, identidade sexual, origem geográfica etc., onde todos caibamos, inclusive a natureza. Mas vejo como difícil, devido à resistência dos diferentes sistemas de dominação: neoliberalismo, colonialismo, imperialismo. patriarcado, fundamentalismo, racismo, antiecologismo, supremacismo, etc.

A própria democracia está em perigo e seriamente ameaçada por esses sistemas, pelos golpes de estado permanentes, pela aliança cristã-neofascista entre a extrema-direita política e os movimentos católicos integristas e evangélicos fundamentalistas.

Acabamos de vê-los, no Brasil, com o assalto das turbas de Bolsonaro, que não reconhecem o triunfo eleitoral de Lula, ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso e à Presidência da República. E, dois anos antes, nos Estados Unidos com o assalto dos seguidores de Trump ao Capitólio. 

POBRE E DOS POBRES

Igreja pobre e dos pobres?

J. J. Tamayo: Foi assim que as primeiras comunidades cristãs o viveram e as Ordens Religiosas denominadas "Mendicantes" tentaram pô-lo em prática. Foi o Papa João XXIII quem, um mês antes da inauguração do Concílio Vaticano II, afirmou que “a Igreja se apresenta aos países subdesenvolvidos como a Igreja de todos, e particularmente como a Igreja dos pobres”. Vale destacar a relação estabelecida entre os países subdesenvolvidos e a Igreja dos pobres. Tal convicção foi em grande parte o que justificou a convocação do Vaticano II, embora não poucos padres conciliares tenham sido os primeiros a esquecê-la. A Teologia da Libertação o recordou novamente durante os pontificados de João Paulo II e Bento XVI, mas com seus correspondentes “monitums” e advertências condenatórias. 

A favor ou contra o ensino denominacional da Religião nos planos oficiais de estudo?

J. J. Tamayo: Totalmente contra o ensino denominacional de Religião na escola. A escola não é o lugar para educar na fé religiosa, mas para formar cidadãos responsáveis, sujeitos de seus próprios destinos, livres, participativos, com senso crítico, e transmitir conhecimentos orientados para uma convivência solidária, harmonizando teoria e prática. Sim, sou a favor do tema não confessional da religião como fenômeno social e cultural. O que acontece é que, no caso da hierarquia católica, quando falha a educação na fé nos espaços religiosos e familiares, ela procura outras áreas para compensar essa falha, e uma delas é a escola, embora os resultados sejam bastante negativos. 

Ensino dado por clérigos e parentes?

J. J. Tamayo: Por especialistas em ciências das religiões. Um ensino com rigor científico, capacidade crítica, não apologética e que preze valores éticos libertadores. 

Quanto custa uma missa?

J. J. Tamayo: Cobrar pela Eucaristia, que é o sacramento da partilha, parece-me um ato simoníaco. 

MULHERES – IGREJA

Mulheres sacerdotes?

J. J. Tamayo: A sobrevivência na Igreja Católica da discriminação contra as mulheres no exercício do ministério presbiteral, que se tenta justificar – injustificadamente – apelando à vontade de Jesus de Nazaré, é um sinal inequívoco da sobrevivência do patriarcado, já ultrapassado noutras áreas e outras esferas da vida. 

Celibato?

J. J. Tamayo: Não há relação intrínseca entre o ministério sacerdotal e celibato. A condição celibatária para o exercício do ministério sacerdotal é puramente disciplinar e, claro, mutável. Quanto mais cedo for eliminado, melhor. 

Carreira eclesiástica?

J. J. Tamayo: Com a carreira eclesiástica, perverte-se a função de serviço que os líderes religiosos têm. Além disso, a hierarquia se apropria da eclesialidade e de funções que correspondem à toda a comunidade cristã. 

“PACHAMAMA”

Respeito e veneração da Natureza como sagrada?

J. J. Tamayo: As comunidades indígenas interpretam assim e vivem isso. Chamam a natureza de "Pachamama" (Mãe Terra) como expressão de reconhecimento de sua dignidade e direitos, de respeito e cuidado, evitando e condenando assim qualquer ataque contra ela, especialmente por parte do modelo de desenvolvimento científico-tecnológico da Modernidade, que a depreda. Essa é uma atitude que devemos aprender com essas comunidades e praticar em nossa cultura ocidental, cada vez mais distante e menos respeitosa com a natureza. Estou lendo um livro maravilhoso sobre ecologia nas religiões: Sacred Nature – Restoring our ancient bond with the natural world [tradução livre: Natureza Sagrada – Restaurando nosso antigo vínculo com o mundo natural], da historiadora das religiões Karen Armstrong. Eu recomendo [há, por enquanto, edições em inglês e espanhol]. 

KAREN ARMSTRONG e a foto da capa de seu mais recente livro, recomendado por Juan José Tamayo, em sua entrevista

Descanonizar alguém canonizado, mesmo que tenha sido papa e se chame João Paulo II?

J. J. Tamayo: Com a mesma rapidez e idênticos procedimentos com que foi canonizado, poderia ser descanonizado. E com ele outros papas e santos. Lembro-me que quando Escrivá de Balaguer foi beatificado, escrevi um artigo intitulado “Heterodoxia de Jesus de Nazaré e a ortodoxia de Escrivá de Balaguer”, no qual afirmei que se Jesus fosse submetido aos atuais padrões de beatificação, não seria beatificado. Por ocasião da sua canonização escrevi outro intitulado “Uma canonização inoportuna”. 

NOSSOS BISPOS

Existe algum bispo na lista da Conferência Episcopal Espanhola que possa ser visto como o “alter ego” do Papa Francisco?

J. J. Tamayo: Claro que existem, mas predominam aqueles que não seguem a trilha profética e reformadora de Francisco. Creio que a reforma do Francisco ainda não passou os Pirenéus. 

Nem mesmo o presidente [da Conf. Episc. Espanhola]?

J. J. Tamayo: Eu creio que não. Não o vejo envolvido na reforma da Igreja Católica espanhola, nem na incorporação dos leigos, especialmente das mulheres, nos órgãos de governo onde são tomadas as grandes decisões. Também não o vejo disposto a acolher o coletivo LGTBI dentro da Igreja, nem a realizar encontros com movimentos sociais e populares, nem a levar a sério o fenômeno da pedofilia, a oferecer respostas radicais de acordo com a gravidade do problema e com as demandas de vítimas, nem, em geral, colaborar com organizações não confessionais criadas para investigar casos de agressão sexual dentro da Igreja Católica. Pelo contrário, encomendou uma auditoria ao escritório de advogados Cremades-Calvo Sotelo, dirigido por um membro do Opus Dei, organização católica que obstrui a ação da justiça em casos de pedofilia produzidos nas suas instituições e nega a culpa de pedófilos de ditas instituições já condenadas pela justiça. 

DOM JUAN JOSÉ OMELLA atual Presidente da Conferência Episcopal Espanhola

O Papa Francisco?

J. J. Tamayo: Ele está assumindo com determinação, ímpeto evangélico, fé e esperança a recuperação do Vaticano II, a cujo esquecimento e descumprimento seus predecessores o sujeitaram. Está colocando em prática o espírito conciliar e respondendo aos novos desafios do nosso tempo, especialmente o das desigualdades geradas pelo neoliberalismo, que qualifica de injusto não só nas suas consequências, mas também nas suas raízes. E isso com forte oposição de setores fundamentalistas dentro e fora da Igreja Católica, e em meio a sofrimentos, incompreensões e dores, não sendo os mais preocupante a de seu joelho.

Ainda assim, parece-me que pouco avançou no reconhecimento da igualdade entre homens e mulheres na Igreja Católica e no seu protagonismo em questões que dizem respeito à toda a comunidade cristã.

As mulheres continuam sendo a maioria silenciada e invisível.

Francisco se reuniu quatro vezes com movimentos populares. Nem uma vez, com os movimentos feministas. É a melhor prova de que as mulheres continuam a ser subordinadas, silenciadas e invisibilizadas na instituição eclesiástica. 

E o amanhã?

J. J. Tamayo: Eu não sou um profeta, então não posso nem suspeitar ou imaginar o futuro. Espero, porém, que o caminho sinodal iniciado, conduza a uma verdadeira democratização da Igreja e que o Povo de Deus não se submeta às ordens da hierarquia, mas seja soberano e protagonista.

E já vendo, ao longe, os perfis da aldeia de Emaús, com cheiro e sabor de “pão repartido”, e o eco dos versos do teo-poeta Pedro Casaldáliga e do “santo” Antonio Machado – quando é a sua beatificação?, somos obrigados a pôr fim à conversa da nossa caminhada. 

Último livro publicado por JUAN J. TAMAYO, por enquanto, em edição somente espanhola

NOTA:

Os últimos livros de Juan José Tamayo são:

* “Hermano islam” (Editorial Trotta, 2019);

* “Ha muerto la utopía? ¿Triunfan las distopías?” (Biblioteca Nueva, 2020, 4ª ed.);

* “Pedro Casaldáliga - Larga caminada con los pobres de la tierra” (Editorial Herder, 2020);

* “Ignacio Ellacuría, treinta años después” como diretor e coautor com Héctor Samour (Tirant lo Blanch, 2021, varias reimpressões);

* “La compasión en un mundo injusto” (Editorial Fragmenta, 2021);

* “La Internacional del odio” (Editorial Icaria, 2022, 3ª ed.). 

Traduzido e editado do espanhol por Telmo José Amaral de Figueiredo. 

Fonte: Religión Digital – Libros – Segunda-feira, 16 de janeiro de 2023 – Internet: clique aqui (Acesso em: 17/01/2023).

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