«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Mateus: evangelho do verdadeiro Messias

 Prof. Dr. Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo

Assessor da Comissão Bíblica Diocesana – Diocese de Jales – SP 

        A Igreja Católica propõe, em sua liturgia dominical, a leitura quase que contínua dos três evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) durante três anos consecutivos denominados de Ano Litúrgico A, B e C. Desde o advento iniciado no domingo 27 de novembro do ano passado, adentramos no Ano Litúrgico A, o qual se dedica a ler e meditar o Evangelho Segundo Mateus. 

        Os evangelhos surgiram como resposta das primeiras comunidades cristãs, no século I da era cristã, às questões levantadas nas relações:

[a] no interior das comunidades,

[b] com as comunidades judaicas ligadas à sinagoga ou

[c] com o ambiente social e cultural romano da época.

        Esses escritos, os evangelhos, não tinham a intenção de ser uma biografia completa de Jesus, mas um esforço de repensar a fé, à luz da vida e da pregação do Cristo, diante de tantas ameaças e problemas que atingiam o cristianismo das origens. As duas principais ameaças eram a dispersão das comunidades e o desaparecimento das mesmas. Pois era extremamente complicado as pessoas acreditarem em uma salvação oferecida por um Crucificado! Pois, o condenado à cruz era considerado um maldito de Deus, na mentalidade dos judeus e o pior dos malfeitores, na mentalidade romana.

        Cada evangelho, portanto, dará suas respostas, segundo a realidade específica na qual aquela comunidade vive. A comunidade na qual originou-se o Evangelho de Mateus é predominantemente constituída por judeus convertidos ao cristianismo. O local não é bem certo, há possibilidade de ser na Palestina, no sul da Síria ou em um lugar onde o judaísmo fosse marcante. Existe uma tendência de localizar a comunidade mateana em Antioquia da Síria, a capital oriental do Império Romano. Mateus procurará, então, entender a fé em Jesus, o Nazareno, à luz da tradição religiosa de Israel, uma vez que ele se comunica com judeus.

        Ao mesmo tempo que Jesus representa uma continuidade em relação à religião de Israel, o judaísmo, preservando a sua essência, ele realiza uma ruptura com o passado! Isso fica claro em Mateus 5,17: “Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim abolir, mas levá-los à plenitude”. A passagem de Mateus 5,21-48 concretiza essa intenção de Jesus: “Ouvistes o que foi dito aos antigos... Eu, porém, vos digo”. Portanto, diante de judeu-cristãos com uma firme tendência a serem reacionários diante do Cristo e a novidade que ele representa, Mateus, com equilíbrio, vai apresentando um Messias:

[1] livre diante das tradições religiosas de seu povo (sábado, ritos de purificação, costumes e tabus religiosos);

[2] que ensina com autoridade, bem diferente dos respeitadíssimos doutores da Lei (cf. Mt 7,29); 

[3] que liberta os seus discípulos do legalismo, do apego às normas pelas normas;

[4] com isso, ele revela a “alma” da Lei, o “essencial” da fé que é o amor, o bem que fazemos aos outros. Resumindo, Mateus nos revela um Cristo que se pauta pela continuidade, ruptura e plenificação do judaísmo do qual ele provém.

        Em uma grande síntese, Mateus apresenta as seguintes respostas aos seus três maiores desafios, vejamos:

1ª) A fé cristã no ambiente judaico: desmontando a argumentação que via em Jesus de Nazaré um amaldiçoado por Deus, pelo fato de ter sido crucificado (cf. Dt 21,23), Mateus mostra Jesus como o “Filho amado” de Deus (cf. Mt 3,17 e 17,5), e os fariseus e escribas como sendo os desobedientes da verdadeira tradição dos pais (cf. Mt 15,3)! A cruz foi fruto de uma injustiça não de uma maldição divina (cf. Mt 27,19 e 27,54). Deus encontra-se, sempre, ao lado de quem é fiel a ele, mesmo sendo um crucificado! Jesus supera Moisés, o grande profeta de Israel, porque ele:

* percorre o caminho de ida e volta do Egito, a terra da escravidão (cf. Mt 2,13-21),

* atravessa o mar Vermelho pelo seu batismo (cf. Mt 3,13-17),

* supera as tentações no deserto (cf. Mt 4,1-11) e

* oferece a “autêntica lei”, a “nova lei” ao povo (cf. Mt 5–7: sermão da montanha).

Mas, o ponto central da argumentação de Mateus, está na diferenciação do modo de agir da comunidade dos discípulos de Jesus e aquele da liderança sinagogal. A “fidelidade” dessa liderança é exibicionista e inescrupulosa (cf. Mt 6,1-18), trai a lei, dando uma aparência de santidade (cf. Mt 15,3-9). Já, os discípulos do Reino, aqueles que ouvem e seguem Jesus possuem um modo de vida baseado na “justiça”, a qual é superior àquela das lideranças judaicas (cf. Mt 5,20). Sendo submissos à vontade de Deus (cf. Mt 7,21-23), sem fingimentos e hipocrisias, o discípulo deverá se distinguir pela sua capacidade de ser solidário, concretamente, com os mais fracos e pequenos da sociedade, isso é fundamental (cf. Mt 25,31-46)!

2ª) A fé no ambiente romano: Mateus orienta a sua comunidade a ser aberta aos cidadãos romanos, livre de qualquer preconceito e condenação. Afinal, foram os pagãos os primeiros a reconhecer e acolher Jesus (cf. Mt 2,1-12), chama um cobrador de impostos e senta-se à mesa com seus amigos (cf. Mt 9,9-10), curava a todos, inclusive romanos (cf. Mt 4,24), elogia a fé de uma pagã (cf. Mt 15,28). No entanto, Mateus não se furta de alertar sua comunidade sobre os perigos da ideologia romana dominante. O Reino de Deus (Reino dos Céus, como Mateus o chama) se contrapõe ao Império Romano. Afinal, o poder sobre os vários reinos e povos do mundo tem algo de diabólico (cf. Mt 4,8-9)! Deus está muito acima de César, por isso, o dinheiro que lhe pertence pode lhe ser devolvido, mas não a vida, a adoração, a reverência: “O que é de César, devolvei a César, e o que é de Deus, a Deus” (Mt 22,21). O reino que deve prevalecer, nesta terra, é o de Deus, por isso, os discípulos devem suplicar por ele (cf. Mt 6,10), afinal, só Deus é o “Senhor do céu e da terra” (Mt 11,25). Algo terrível, no Império Romano, era o recurso constante à violência! Jesus, o verdadeiro e único Mestre, ensina os discípulos a não serem violentos como os romanos, e sim mansos (cf. Mt 5,4) e pacíficos (cf. Mt 5,9), dispostos a oferecer a face esquerda a quem bater na direita (cf. Mt 5,39). Com isso, invalida-se a lei de talião, o famoso “olho por olho, dente por dente” (cf. Mt 5,44-48). E, ao final do evangelho, fica claro que: “Todos que usam da espada, pela espada perecerão” (Mt 26,52).

3ª) A fé cristã no interior das comunidades: a crise pela qual passa a comunidade é uma oportunidade para os seus membros reavivarem a fé! E o antídoto, a vacina contra isso está bem explícito em Mateus 24,12-13: “A iniquidade se espalhará tanto que o amor de muitos esfriará. Quem, porém, perseverar até o fim, esse será salvo”.

O único caminho de salvação para o cristão é a perseverança no amor.

Afinal, esse será o critério de julgamento da humanidade (cf. Mt 25,31-46). E esse amor ao próximo deve ser vivido em todos os momentos e em todas as instâncias da vida. Quando não há amor, incorre-se, segundo Mateus, nos seguintes erros:

3.1) Conflitos de liderança: vontade de ser mais e ter mais poder que os outros. A ambição dos discípulos é combatida com a máxima de Jesus: “Quem quiser ser o maior, no meio de vós, seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro, no meio de vós, seja vosso servo, da mesma forma que o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por muitos” (Mt 20,26-28). Por isso, na comunidade, não pode haver intolerância com aqueles que cometem erros, mesmo que graves (cf. Mt 18,15-21). O julgamento, a condenação e a exclusão de membros faltosos devem ceder lugar ao perdão, à acolhida e ao incentivo para se prosseguir na caminhada (cf. Mt 18,23-34). Portanto, para ser perdoado, há de se perdoar, isso é evidente (cf. Mt 6,14-15)!

3.2) Fragilidade da fé das lideranças: no apóstolo Pedro, Mateus personifica essa realidade. O orgulho, a vaidade, o autoritarismo impedem que haja uma autêntica fé! Provocando: dúvidas e desconfianças (cf. Mt 14,29-32), a sabotagem dos planos de Deus para nós (cf. Mt 16,13-23), a traição e negação (cf. Mt 26,33.34 > 26,69-75).

3.3) A queda nas tentações: Jesus resume, muito bem, a situação de seus discípulos com a seguinte frase: “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação. O espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26,41). Nessas palavras encontramos, também, o antídoto: vigilância e oração sempre! A oração é algo que se faz em retiro, em silêncio (cf. Mt 14,23; 26,36), ela consiste em escutar o Pai, com o propósito de conhecer a sua vontade e transformá-la em ação (cf. Mt 26,39.42). É importante destacar que as tentações-simbólicas sofridas no início de sua atividade (cf. Mt 4,1-11) são a síntese de tudo o que experimentará ao longo de sua vida: atuar em seu próprio benefício, visar o seu sucesso pessoal (cf. Mt 27,40). Sendo inevitáveis, Jesus ensina que a força para vencer as tentações provém da súplica contínua dirigida ao Pai dos Céus:E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal [= maligno]” (Mt 6,13).

O objetivo maior da comunidade cristã é a de ser fermento do Reino neste mundo, mediante seu testemunho, seu modo de vida, o discípulo torna possível e realidade o Reino de Deus nesta terra (cf. Mt 13,33).

É deveroso sublinhar que me inspirei, na totalidade deste artigo, na obra do biblista jesuíta capixaba, Jaldemir Vitório, intitulada “Lendo o evangelho segundo Mateus: o caminho do discipulado do Reino” (Paulus, 2019). 

Nota:

Todas as citações bíblicas, neste artigo, foram extraídas de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 6. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2022.

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