Por que o populismo cresce???
Sociedade
está saturada e isso ajuda o populismo
Paulo Beraldo e Julia Correa
Entrevista
especial com Dominique Reynié
Professor
do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po)
Para professor do “Sciences
Po”, político que oferece soluções fáceis conquista o eleitor que está cansado
de tanta informação
![]() |
Dominique Reynié Foto: Tiago Queiroz / Estadão |
A extrema
direita nunca teve tanta chance de vencer uma eleição na França como agora.
A avaliação é do professor Dominique Reynié, do Instituto de Estudos
Políticos de Paris (Sciences Po). Ele esteve no Brasil para apresentar os
resultados da pesquisa Democracias Sob Tensão, que ouviu 36.395 pessoas
em 42 países.
Reynié diz
que os políticos que “simplificam” a realidade e apresentam soluções fáceis
conseguem conquistar eleitores saturados de informação. “Uma parte do
aumento do populismo no mundo tem a ver com a saturação cognitiva e essa
demanda por simplificação”, disse. A seguir, trechos da entrevista ao jornal O
Estado de S. Paulo.
Em sua
palestra, o sr. cita uma “saturação cognitiva” da sociedade, na qual os
indivíduos buscam soluções mais simples. Como isso funciona com políticos
populistas?
Dominique
Reynié: Vivemos uma época de mudanças profundas e poderosas em áreas
muito diferentes da vida privada, política, da ciência, da cultura. Há
informações demais, complexas demais para que possamos assimilá-las,
entendê-las e aceitá-las. Evidentemente, por parte da sociedade, em especial as
elites intelectuais e os homens de negócios, é possível viver com isso. É até
uma oportunidade. Mas, para grande parte da sociedade, é uma fonte de angústia
e de sofrimento. Uma parte do aumento do populismo no mundo democrático tem
muito a ver com essa saturação cognitiva e essa demanda por simplificação, para
reduzir o sofrimento psíquico de uma parte da população.
No
Brasil, o relatório mostra que 50% das pessoas não se interessam por política.
Esse é um ingrediente a mais?
Dominique
Reynié: Sim, essa é uma razão importante. Vemos isso no Brasil, mas
também no mundo democrático todo. É uma tendência que eu qualificaria de
“despolitização”, um retiro em relação à cena pública. A gente se fecha em
comunidades privadas, em redes. Mas a gente se separa da comunidade nacional,
política.
Como
podemos melhorar a eficácia da democracia e a confiança das pessoas?
Dominique
Reynié: A crise da cultura democrática que observamos tem a ver
parcialmente com a perda de confiança na capacidade do Estado democrático
de produzir serviços fundamentais – segurança, educação, saúde. Essa perda vai
levar uma parte dos cidadãos a arriscar a experiência de uma saída da
democracia. É isso que nos ameaça. Toda questão é restaurar a eficiência.
E o caminho é se apoiar na globalização que, provavelmente, é o grande desafio
atualmente.
Os
países que mais enriquecem hoje não são as democracias. Por quê?
Dominique
Reynié: Há uma ameaça particular que pesa sobre a democracia: o fato
de que, se não conseguirmos garantir um conforto material mínimo, não vai
haver apego à democracia. E ela, por natureza, não pode obrigar os cidadãos
a lhe sustentar. Para ser apoiada, precisa de um bom desempenho, do ponto de
vista material e das liberdades. A força do governo autoritário é
justamente poder se manter mesmo se os cidadãos não apoiam. No caso chinês, não
há apenas força e repressão, há uma eficácia prática de enriquecer os chineses,
melhorar o nível de vida, de educação. Então, temos um antimodelo que
pode trazer uma parte dos cidadãos das democracias a perder a solidariedade com
a ideia democrática. É a razão pela qual é essencial trabalhar no
fortalecimento dos Estados democráticos.
Como
deve ser a relação entre Estados democráticos e não democráticos?
Dominique
Reynié: Esse ponto é importante. Podemos ter relações econômicas e
comerciais com a China. É até recomendável. Mas a questão é não somente saber
quais são as consequências dessas relações sobre a liberdade na China, ou sobre
a autoridade na China. A gente deve se indagar se é razoável as democracias
ajudarem a China a se tornar mais poderosa sendo que ela não é um regime
democrático.
O
sr. vê algum tipo de movimentação nesse sentido?
Dominique
Reynié: Hoje, vemos quase o contrário. Nas relações entre Brasil e
França, Estados Unidos e Europa, prevalece o sentimento de divisão do mundo
democrático. Ou isso é uma tendência que vai se afirmar com uma fragmentação
que precipita o declínio da democracia no mundo, ou é uma fase intermediária,
uma crise que vai levar os chefes de Estado dos países democráticos a começarem
a discutir as condições de uma cooperação internacional democrática.
![]() |
Manifestantes em Paris - "Coletes Amarelos" Foto: Zakaria Abdellkafi/AFP |
Qual
seria o efeito dos “coletes amarelos” na França e nas próximas eleições
francesas?
Dominique
Reynié: Os coletes amarelos vão ter influência profunda sobre a
sociedade, a vida política e sem dúvida sobre as eleições de 2022. Eles
trouxeram uma politização de protesto de uma parte muito grande da sociedade
francesa. Na França, havia eleitores da extrema direita e do populismo de
esquerda. Mas os coletes amarelos não são essas pessoas. Não acredito que eles
terão um voto moderado. Ou vão se abster ou fornecer eleitores a mais para o
voto populista.
Então
as chances de a extrema direita vencer, com Marine Le Pen, são maiores do que
nunca?
Dominique
Reynié: É exatamente essa frase que é preciso dizer. Ela tem mais
chances do que nunca de ser eleita presidente da França em 2022. Não significa
que vai ser eleita, mas que tem mais chances do que jamais teve.
Há
alguma comparação entre Marine, Viktor Orbán, premiê da Hungria, e Jair
Bolsonaro?
Dominique
Reynié: Diria que o ponto-chave que os aproxima é o que Vladimir
Putin chama de “soberanismo” democrático. Isso é uma democracia bizarra.
Como
o senhor vê o papel das redes sociais no declínio ao apego à democracia?
Dominique
Reynié: As redes sociais, que são ainda mais recentes, estão mudando
profundamente o espaço público e democrático. E há efeitos positivos e
negativos. É extraordinário quase todo mundo dar seu ponto de vista e
participar de uma discussão. Mas também há aspectos terrivelmente negativos,
como o efeito de bolha e a tendência de dialogar apenas com quem pensa igual.
Comentários
Postar um comentário