Solenidade de Todos os Santos e Santas – HOMILIA
Evangelho: Mateus 5,1-12a
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus. Naquele tempo: 1 Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, 2 e Jesus começou a ensiná-los: 3 «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. 4 Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. 5 Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. 6 Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7 Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8 Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 9 Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. 10 Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. 11 Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. 12a Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus.
Palavra da Salvação.
Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano
Santidade é humanizar o mundo
Mateus 5,1a: «Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte...».
As bem-aventuranças são, sem dúvida, a obra-prima do Evangelho de Mateus, uma obra-prima não só do ponto de vista teológico, veremos sua riqueza espiritual, mas também literária. Então, vamos ver no capítulo 5, no Evangelho de Mateus, esse texto extraordinário. O evangelista escreve: “Vendo as multidões, Jesus subiu ao monte”, vendo as multidões Jesus não se afasta, não toma distância do povo, mas quer ativá-las, onde? Na montanha. Esta montanha é precedida pelo artigo definido, a montanha, não é qualquer montanha, mas não é dito que montanha é. Qual é o significado disso? A montanha, na tradição bíblica e judaica, indicava e o Monte Sinai, onde Deus, por meio de Moisés, deu e estipulou a aliança com seu povo, mas também significa entrar na esfera, na condição divina. Então Jesus, através da proclamação dessas bem-aventuranças, quer levar as multidões para alcançarem a condição divina, cada pessoa, por isso é um convite válido para sempre.
Mateus 5,1a-2: «... e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, e
Jesus começou a ensiná-los...».
O ato de “sentar-se” é aquele de assumir a atitude
de mestre, tanto que Jesus se põe a “ensinar” seus discípulos. E
aqui o evangelista apresenta as bem-aventuranças. Mateus fez um trabalho
meticuloso: calculou não só o número de bem-aventuranças, mas até com quantas
palavras para compor essas bem-aventuranças, de acordo com as técnicas
literárias da época. As bem-aventuranças são exatamente 8, porque o
número 8, na tradição espiritual, no cristianismo primitivo, indicava a
ressurreição de Jesus, que ressuscitou no primeiro dia após a semana. Por
isso, os batistérios, local onde se recebia o batismo, sempre tiveram a forma
octogonal. Então, o número 8 indica vida que não é interrompida pela morte. O
evangelista quer indicar que,
... acolhendo estas bem-aventuranças, se tem uma vida dentro de si,
que então será capaz de superar a morte.
Mas não é só isso: o evangelista também calcula o número de palavras para compor as bem-aventuranças, e são exatamente 72, e o evangelista só queria criar esse número porque, em determinado momento, vemos que há uma repetição de algo que não era necessário para o texto [cf. Mt 5,10-11]. Por que 72? Porque, segundo o cálculo contido no livro do Gênesis, no capítulo décimo, na versão grega, os povos pagãos, então conhecidos, eram 72. Qual é a intenção do evangelista? Enquanto, no Sinai, Moisés proclamava os mandamentos, que estavam reservados ao povo de Israel, neste monte, que substitui o Sinai, Jesus não recebe a nova aliança de Deus, mas Ele, que é Deus, proclama a nova aliança, que é válida para toda a humanidade.
Mateus 5,3aα: «Bem-aventurados...».
A primeira das bem-aventuranças é a mais importante de todas, porque é a chave para a existência de todas as outras, e Jesus começa por proclamar: “Bem-aventurados”. Qual é o significado desta expressão? É uma felicidade tão grande que foi considerada inatingível nesta terra. Naquela época, naquela cultura, os bem-aventurados eram os deuses, que gozavam de privilégios não concedidos aos humanos, ou seja, da máxima felicidade. Mas, para compreender as bem-aventuranças, esta aclamação de Jesus “bem-aventurado”, devemos sempre colocá-la após as situações, ou as indicações que ele apresenta.
Mateus 5,3aβ: «... os pobres em espírito».
Os primeiros bem-aventurados são os “pobres em espírito”.
É preciso dizer imediatamente que Jesus nunca proclama bem-aventurados os
pobres. Os pobres são infelizes, e é dever da comunidade cristã
retirar-lhes de sua situação de infelicidade.
Jesus não pede aos seus discípulos que se juntem aos tantos pobres
que a sociedade produz, mas que se comprometam a eliminar as causas da sua
pobreza.
Jesus proclama: “Bem-aventurados os pobres em espírito”,
ou de espírito. A partícula grega [τῷ] pode ser traduzida de três
maneiras, vamos ver qual pode ser o significado:
a) Pobres “em” espírito, isto é, os que são carentes de espírito, idiotas, mas não é
possível que Jesus proclame a estupidez como a mais alta aspiração do ser
humano, por isso a descartamos.
b) Pode ser pobre “em” espírito, ou seja, uma pessoa que, embora
possua bens, está espiritualmente desligada deles e, coincidentemente, foi
justamente esta a explicação apresentada pela Igreja. Mas Jesus não pede
pobreza espiritual, mas pede pobreza imediata. Quando ele encontra ou bate
de frente com o rico, ele não lhe pedirá que se desligue espiritualmente de
suas riquezas, mas pede um desapego imediato e real [cf. Mt 19,16-22; Mc
10,17-22; Lc 18,18-23].
c) Então a terceira possibilidade é pobre “para” o espírito, isto é, não aqueles que a sociedade empobreceu, mas aqueles que livremente, voluntariamente, pelo espírito, por essa força interior que possuem dentro, escolhem entrar nessa condição, o que faz não significa, como dissemos, ajuntar-se aos pobres que a sociedade produz continuamente, mas significa diminuir seu padrão de vida, seu nível de vida, para permitir que, aqueles que o têm muito baixo, aumentem um pouco. Estes são os pobres no espírito, são aqueles que aceitam partilhar generosamente o que são e possuem.
Mateus
5,3b: «... porque deles é o
Reino dos Céus.»
Os pobres em espírito, aqueles que fazem esta escolha, Jesus
os proclama bem-aventurados “porque deles”, o verbo está no presente,
não é uma promessa para o futuro, mas uma possibilidade imediata, no
presente, “porque deles é o reino dos céus”. Infelizmente,
no passado, este reino dos céus criou tanta confusão, era entendido como um
reino no céu, como se fosse a vida após a morte, e, de fato, se
dizia aos pobres que eles eram abençoados, porque iriam para Paraíso. Nada
disso. Mateus é o único evangelista que usa a expressão “reino dos céus”,
enquanto todos os outros usam a expressão “reino de Deus”. Jesus já
havia proclamado o necessário convite à conversão, porque o reino de Deus
estava próximo:
... com a aceitação das bem-aventuranças, o reino de Deus torna-se
realidade.
Mas o que esse “reino dos céus” significa? Que Deus
governa os seus. E como Deus governa seu povo? Não emitindo leis
externas ao homem, que ele deva observar, mas comunicando-lhe sua própria
capacidade de amar. Então Jesus diz: quem escolhe isso de forma livre e
voluntária, bem-aventurado porque, a partir do momento em que faz essa escolha,
acolhe esta bem-aventurança, deixa que Deus se manifeste como Pai em sua
existência.
Depois dessa primeira bem-aventurança, seguem todas as demais em séries de três, as três primeiras dizem respeito aos sofrimentos da humanidade [aflitos, mansos e puros de coração], os quais a comunidade cristã é chamada a libertar desses sofrimentos. É preciso ficar bem claro que as bem-aventuranças não são para um indivíduo, são para uma comunidade! Então, seguem os efeitos, o florescimento do amor nos indivíduos e na comunidade a partir da aceitação dessas bem-aventuranças.
* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
A função, a finalidade das
“bem-aventuranças”, como nos esclarece frei Alberto Maggi, é “levar as
multidões para alcançarem a condição divina”. E o que é característico da
condição divina? Dois aspectos se sobressaem:
1º) A
santidade: Deus é santo (“Sede santos, porque eu, o Senhor, vosso Deus, sou
santo” – Lv 19,2b; cf.: Lv 11,44; Ex 15,11; 1Sm 2,2; Is 6,3 – Ap 4,8). Pelo
fato de Deus ser “santo”, ele está livre das imperfeições morais e das
fraquezas comuns à humanidade (cf. Os 11,9). No entanto, ele nos intima a
sermos santos como Ele! A ideia subjacente ao vocábulo “santo” (hebraico: qôdesh)
é a de separação, consagração, diferenciação do que é comum/profano, aquilo que
deve ser tratado com cuidado. Essa percepção da santidade requer, portanto, dos
seres humanos pureza e inocência. É nisso que insistirão as
“bem-aventuranças”! Contudo, não nos enganemos, não se trata de algo intimista,
individual, apenas, pois, se na tradição sacerdotal do Antigo Testamento, a
santidade estava mais afeita ao culto, à manutenção da separação entre o
sagrado e profano; porém, na tradição profética, que é a seguida por
Jesus, a santidade requer a pureza da justiça social, da integridade
interior e atos morais consequentes por parte do povo.
2º) O Amor: Deus é amor (1Jo 4,8). Como afirma Dt 4,31: “Pois o Senhor teu Deus, é um Deus misericordioso. Ele não te abandonará, nem te destruirá, nem se esquecerá da aliança que jurou a teus pais”. Em seguida, Deuteronômio desfila os feitos, as ações pelas quais Deus manifestou seu amor pelo seu povo (4,32-38). Pois o amor de Deus é concreto, se traduz em vida, liberdade, justiça e felicidade. O Reino de Deus, como frisou frei Maggi, é um reino de amor, Deus comunica ao ser humano sua capacidade de amar. Essa é a melhor “lei”, a melhor “instrução” que Deus pode conceder aos seres humanos: amar (cf. Mt 22,34-40; Mc 12,28-31; Lc 10,25-28; Rm 13,8-10).
Nisso, estabelece-se uma
dialética: aquele que é o “inteiramente o Outro”, o “completamente
santo/separado” quer nos elevar à sua santidade, para podermos nos
relacionar e conhecê-lo de perto! Por isso, envia-nos o seu Filho e o seu
Espírito, expressão de seu amor, para estarem junto aos que Ele ama e torná-los
amantes d’Ele também. O seu Filho, sendo plenamente, profundamente
HUMANO, consegue comunicar-nos o MODO de sermos santos como seu Pai é
santo!
Sendo humanos, em plenitude, seremos santos e viveremos com e
por Deus!
Por isso, as 8 bem-aventuranças são as condições concretas para sermos FELIZES! Desfrutarmos de uma felicidade que não é deste mundo, mas o transcende, o ultrapassa, por isso não se esgota em nossa vida terrena! Contudo, elas devem ser vividas aqui, agora, nesta terra! E, muito interessante, nenhuma dessas “bem-aventuranças” estão relacionadas com a religião. A relação delas é com a VIDA. O que fazermos, o que vivermos, o quer sermos para que a vida, nesta terra, seja mais humana, mais suportável, mais leve, enfim, mais feliz!
“O humano é o cume da vida. É a forma de vida mais rica, mais criativa, mais produtiva” (José María Castillo).
Oração após a meditação do Santo Evangelho
«Senhor Jesus, tu nos mostras o caminho das bem-aventuranças para alcançar aquela felicidade que é plenitude de vida e, portanto, santidade. Todos somos chamados à santidade, mas o tesouro para os santos é somente Deus. A tua Palavra, ó Senhor, chama de santos todos aqueles que, no batismo, foram escolhidos pelo teu amor de Pai, para serem conformados a Cristo. Faz, ó Senhor, que por tua graça saibamos realizar esta conformidade a Cristo Jesus. Agradecemos-te, Senhor, pelos teus santos que colocaste em nossos caminhos como manifestação do teu amor. Pedimos-te perdão se desfiguramos, em nós, o teu rosto e renegamos a nossa vocação de sermos santos.»
(Fonte: Cosimo
Pagliara. 1 novembre: Solennità di Tutti i Santi. In: Anthony Cilia, O.Carm. [Org.] Lectio Divina sui vangeli festivi per l’anno litúrgico B. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 689.)
Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci”– Videomelie e trascrizioni – IV Domenica Tempo Ordinario – 29 gennaio 2017 – Internet: clique aqui (acesso em: 04/11/2021).
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