A hora é de equilíbrio

 Pânico não é solução para o clima

 Editorial

Jornal «O Estado de S. Paulo» 

A longo prazo não há conflito entre preservação e prosperidade. A curto prazo, é preciso ponderar custos e benefícios

Como todas as Conferências Climáticas da ONU (COP), a 26.ª, que começa hoje, parte de um consenso: o dióxido de carbono aquece o planeta e degrada recursos da natureza, ameaçando a prosperidade da humanidade. Para que o planeta resista, é preciso que os combustíveis fósseis sejam abandonados. O dilema é que eles são letais para o futuro, mas vitais para o presente. 

A pandemia foi uma advertência dos desequilíbrios entre o mundo humano e o natural. O aquecimento global é essa catástrofe em câmera lenta. Mas a escalada dos preços da energia indica uma crise na produção e no fornecimento. Políticas energéticas mal calculadas podem acelerar essa crise. 

É mais fácil para os ricos exigirem fontes limpas, mas ainda caras. A energia é só uma fração de seus gastos. Para os países ricos, abrir mão de fontes fósseis custa menos. Obrigar os pobres a adotar tecnologias custosas pode drenar recursos de sua subsistência. Uma transição energética precipitada pode empoderar petroestados como a Rússia, a Arábia Saudita, a Venezuela e outras autocracias do cartel da Opep, e depreciações econômicas podem despertar revoltas populares contra a causa ambiental. 

A precificação do carbono é a estratégia do Acordo de Paris para pressionar a descarbonização, minimizando impactos econômicos. A degradação das emissões e o combate a ela têm custos, que precisam ser incorporados ao custo dos produtores e repassados aos consumidores, incentivando-os a buscar soluções limpas. Os governos podem ou fixar um imposto sobre as emissões, e os produtores então competiriam para reduzi-las, ou estabelecer tetos, e quem emitir acima compraria créditos de quem emitir abaixo. 

Uma tributação progressiva promoveria uma pressão contínua e homogênea. Mas sua eficácia depende de uma coordenação global ainda distante. Um mercado de carbono é mais factível, mas depende de uma atualização recorrente dos tetos e de fiscalizações custosas para evitar disparidades e encargos pesados ou leves demais. Possivelmente um sistema híbrido será a melhor solução. A COP deve avançar nas negociações, mas um acordo é improvável. Previsivelmente, as manchetes manifestarão frustração. 

Uma mudança de clima emocional é outro desafio para um ambientalismo sustentável. Quando, há três gerações, os ambientalistas lançaram seus alertas, precisavam vencer o descaso e o desconhecimento. Mas, justamente quando engajaram a maioria da população e das lideranças políticas, econômicas e civis, a sua retórica se tornou mais extrema e apocalíptica. Não surpreendem as pesquisas que mostram que para metade da população as mudanças climáticas devem extinguir a humanidade – embora a ciência assegure que os riscos são grandes, mas manejáveis –, e para a maioria o mundo está piorando – quando os indicadores mostram as últimas gerações menos desiguais e mais sadias, prósperas e escolarizadas do que nunca. 

Crescidos nessa atmosfera de catastrofismo, para muitos jovens o aquecimento global é uma obsessão que não conseguem enfrentar com outros recursos senão medo, raiva ou culpa, nem com a razoabilidade com que encaram outros desafios vitais como guerras, fome ou doenças. O pânico não trará soluções ao grande desafio de nosso tempo. Uma das missões da COP deveria ser dissipar a polarização entre negacionistas e alarmistas. A maioria das pessoas está apta a fazer concessões na prosperidade pela preservação e vice-versa, mas não a sacrificar uma pela outra. 

O caso do Brasil exemplifica esses dilemas e distorções dos desafios climáticos. O estrago reputacional de seu presidente antiambientalista é incalculável.

Mas o Brasil é maior que o governo. O País tem uma agricultura produtiva e sustentável, matrizes energéticas mais limpas, dois terços de cobertura nativa, quatro quintos da Amazônia intactos, e se nos últimos dois anos o desmatamento cresceu, nos últimos 20 caiu expressivamente.

O País precisa fazer compromissos ambiciosos como todos, mas tem conquistas como poucos; muito o que ser cobrado, e muito a cobrar; muito a aprender, mas muito mais a ensinar. 

Fonte: O Estado de S. Paulo – Notas & Informações – Domingo, 31 de outubro de 2021 – Pág. A3 – Internet: clique aqui (Acesso em: 01/11/2021).

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