«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 10 de março de 2023

3º Domingo da Quaresma – Ano A – Homilia

 Evangelho: João 4,5-42 

Frei Alberto Maggi

Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas) 

Bebamos da fonte do amor: Jesus Cristo

O quarto capítulo do Evangelho de João contém o episódio do encontro de Jesus com a samaritana, episódio exclusivo deste evangelista. A passagem é muito longa, mas vamos ver pelo menos os principais aspectos. O evangelista ambienta este encontro em uma cidade da Samaria, Samaria era a região que ficava no centro, entre a Judéia, ao sul, a região sagrada, e, ao norte, a Galileia, que era uma região que havia sido colonizada por populações estrangeiras, e por isso as pessoas eram mestiças e desprezadas. 

João 4,5-6: «Naquele tempo, Jesus chegou a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, perto da propriedade que Jacó tinha dado a seu filho José. Havia ali a fonte de Jacó. Jesus, fatigado da viagem, sentou-se, assim como estava, junto da fonte. Era por volta da hora sexta.»

Aqui, é importante a terminologia que o evangelista usa com muita precisão, não é um “poço”, mas é a nascente de “Jacó”. Então o evangelista dirá que Jesus, fatigado devido à viagem, “sentou-se” não junto ao poço, mas sentou-se “no poço”, é uma expressão inusitada, mas é usada para dizer que Jesus toma posse, ele possui esta fonte. Por que essa terminologia é importante? Porque o evangelista se refere ao lamento de Deus, contido no profeta Jeremias no capítulo 2, quando o Senhor diz: “abandonou-me a mim, fonte de água viva” (Jr 2,13b), é o mesmo termo “fonte”, “para cavar cisternas para si, cisternas rachadas que não retêm água” (Jr 2,13c). Assim, o evangelista coloca Jesus como a verdadeira fonte, que oferece água, a água do Espírito. João sublinha a hora, “era meio-dia” (= hora sexta), e diz que há uma samaritana que vai tirar água. Não é possível que seja essa hora! Ao poço, as pessoas iam de manhã cedo, ao amanhecer, ou ao entardecer, ao pôr do sol. Meio-dia não era a hora apropriada. Por que o evangelista coloca essa informação? Porque o meio-dia é a hora, neste Evangelho, da condenação de Jesus à morte. O evangelista quer mostrar os frutos da morte e ressurreição de Jesus. 

João 4,7-10: «Veio uma mulher da Samaria tirar água. Jesus lhe pediu: “Dá-me de beber!” Os seus discípulos tinham ido à cidade comprar comida. Então, a mulher samaritana disse a Jesus: “Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?” Os judeus, de fato, não se dão com os samaritanos. Jesus respondeu-lhe: “Se conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te diz: ‘Dá-me de beber’, tu lhe pedirias, e ele te daria a água viva”.»

A mulher é samaritana e, como veremos, é uma mulher adúltera, é anônima, representa a Samaria, e aqui o evangelista nos apresenta Jesus como o noivo, que vai reconquistar sua noiva adúltera, e não reconquistá-la com ameaças, com castigos, mas com a oferta de um amor ainda maior. E, de fato, Jesus, a esta mulher, que representa a Samaria, diz-lhe: “Se conhecesses o dom de Deus", ela foi tirar água, conhece o esforço para tirar água do poço, e Jesus diz-lhe que quer oferecer algo diferente, uma relação com Deus que não se baseia mais no esforço humano, nas virtudes humanas, mas no acolhimento do seu amor.

Jesus diz: “Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te diz: ‘Dá-me de beber!’, tu lhe terias pedido e ele te teria dado água viva”, eis a diferença entre a fonte, onde há a água viva, e a água do poço. 

João 4,11-14: «A mulher disse: “Senhor, não tens sequer com que tirar água, e o poço é fundo; de onde tens essa água viva? Serás maior que nosso pai Jacó, que nos deu este poço, do qual bebeu ele mesmo, como também seus filhos e seus animais?” Jesus respondeu: “Todo o que beber desta água, tornará a ter sede. Aquele, porém, que beber da água que eu lhe darei, nunca mais terá sede, mas a água que lhe darei se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna”.»

Em sua resposta, a mulher já o chama de “senhor”, então já há um progresso, ela o contesta dizendo: “não tens sequer como tirar a água e o poço é fundo”, eis o contraste entre a nascente/fonte e o poço, “de onde tens essa água viva?” E aqui está a expressão de Jesus: “Todo o que beber desta água, tornará a ter sede”, é a relação com Deus baseada na observância da lei. O poço, no simbolismo judaico, representava a lei divina, uma relação com Deus, baseada na observância da lei é sempre uma relação que deixa o homem insatisfeito, porque ele nunca sabe se observou o suficiente, se cumpriu as regras, se está certo ou não com Deus. Jesus vem propor uma nova relação com o Pai. A acolhida do homem ao amor de Deus transforma-se no indivíduo numa fonte que brota, por isso o homem já não tem que ir buscar a água com o seu próprio esforço.

Esta água, que dá a vida, é interna, é a experiência de um amor comunicado e um amor recebido.

Quando a pessoa faz a experiência de se sentir amada generosamente, descobre dentro de si a força, a energia para amar generosamente. 

João 4,15-18: «A mulher disse a Jesus: “Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede, nem tenha de vir aqui tirá-la”. Ele lhe disse: “Vai chamar teu marido e volta aqui!” — “Eu não tenho marido”, respondeu a mulher. Jesus retrucou: “Disseste bem que não tens marido, pois tiveste cinco maridos, e o que tens agora não é teu marido. Nisso falaste a verdade”.»

A mulher se declara disposta a receber esta água, e aqui Jesus pede que ela vá chamar seu marido. Ela responde que não tem marido. E aqui não é que Jesus esteja sendo um moralista, o que o evangelista nos apresenta é algo diferente, Jesus diz: “Disseste bem que não tens marido, pois tiveste cinco maridos, e o que tens agora não é teu marido”. Jesus refere-se à história de Samaria: dizíamos que os samaritanos eram uma população mestiça, eram colonos importados pelos assírios (no século VIII a.C.), misturaram-se com a população presente na região. Por isso, adoravam o Deus de Israel no monte Garizim, mas depois, sobre outros cinco montes ou colinas, eles ergueram cinco templos para outras divindades. Estes são os “maridos”, os termos marido e senhor na língua hebraica e aramaica são idênticos. Então Jesus, a esta mulher que se declara disposta a receber esta água, aponta-lhe que isso não possível, se ela permanecer na idolatria. 

João 4,19-20: «A mulher lhe disse: “Senhor, vejo que és um profeta! Os nossos pais adoraram sobre esta montanha, mas vós dizeis que em Jerusalém está o lugar onde se deve adorar”.»

E a mulher responde: “Senhor, vejo que és um profeta”, primeiro ela o viu como judeu, depois como o Senhor, como um profeta. E ela se refere à tradição, “nossos pais adoravam nesta montanha”, o Monte Garizim, “mas vós dizeis que em Jerusalém”, no lugar do templo, “está o lugar onde se deve adorar”.

E, aqui, está a importante revelação de Jesus: a era dos TEMPLOS acabou.

O Deus de Jesus não está mais em um templo, onde os homens devem ir, mas o homem se torna este templo, no qual Deus manifesta sua santidade

João 4,21-22: «Jesus lhe respondeu: “Mulher, crê em mim: vem a hora em que nem nesta montanha, nem em Jerusalém, adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis. Nós adoramos o que conhecemos, pois a salvação vem dos judeus...»

E Jesus diz: “Crê em mim”, e a chama de mulher”, que significa noiva. Jesus já havia se referido, com este termo, à sua mãe, agora dirige-se à samaritana. A mãe representa a noiva fiel, aquela a quem nunca faltou o vinho do amor; a samaritana é a esposa adúltera que o noivo reconquista com uma oferta de amor ainda maior. “Mulher, crê em mim, vem a hora que nem nesta montanha”, portanto, nem sobre o Garizim, “nem em Jerusalém adorareis o Pai”. Ela se referiu aos pais, à tradição, Jesus fala de Pai:

* enquanto Deus precisa de um templo e dos fiéis,

* o Pai precisa de filhos, que o imitem em seu amor. 

João 4,23-24: «... mas vem a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade; pois são estes os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito, e os que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade”.»

E depois Jesus continua: “mas vem a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade”, espírito e verdade é uma expressão que indica o amor que é fiel, traduz literalmente o evangelista: o pai procura tais adoradores, “Deus é espírito, e os que o adoram devem adorá-lo em espírito e  verdade”. O verdadeiro culto, que Jesus propõe, não é um culto que parte do homem para Deus, no qual o homem deve se privar daquilo que tem para oferecer a Deus, mas o novo culto é aquele que parte de Deus para o homem, uma comunicação de amor que o homem acolhe, e o novo culto que Jesus exige, é o prolongamento da ação criadora do Pai.

Enquanto o antigo culto diminui o homem, o novo culto o fortalece, de fato, quanto mais ele manifesta esse amor, mais ele se assemelha ao Pai.

Portanto, adorar em espírito e verdade significa colaborar na ação criadora do Pai

João 4,25: «A mulher disse-lhe: “Eu sei que virá o Messias, o que significa Cristo; quando ele vier, nos anunciará tudo”. Jesus lhe disse: “Sou eu, que falo contigo”.»

Pois bem, a mulher mais uma vez se declara sintonizada com o que Jesus lhe diz. É a ela, a uma adúltera, mulher considerada impura, que, pela primeira vez, Jesus se manifesta em sua condição divina e como o Messias. Jesus diz a ela: “Eu sou / Sou eu”, eu sou é a reivindicação do nome divino. 

João 4,26-42: «... Muitos samaritanos daquela cidade creram em Jesus por causa da palavra da mulher que testemunhava: “Ele me disse tudo o que eu fiz”. Os samaritanos foram a ele e pediram que permanecesse com eles; e ele permaneceu lá dois dias. E ainda muitos outros creram por causa da palavra dele, e diziam à mulher: “Já não é por causa da tua fala que cremos, pois nós mesmos ouvimos e sabemos que este é verdadeiramente o Salvador do mundo”.»

A conclusão desse longo episódio é que a mulher então vai chamar seu povo, deixa o jarro, ela entende que dessa água, desse jarro ela não precisa mais, porque não há mais o poço onde ela tem que retirar água, mas ela tem essa fonte, que Deus, por meio de Jesus, lhe ofereceu dentro dela. Ela vai espalhar a notícia ao povo, e, ao final, são os samaritanos que dizem à mulher: “Já não é por causa da tua fala que cremos, pois nós mesmos ouvimos e sabemos que este é verdadeiramente”, e aqui está a revelação, “o Salvador do mundo”. Enquanto os judeus esperavam o salvador de Israel, os hereges, os mestiços, os samaritanos impuros entenderam a verdadeira identidade de Jesus, o Salvador do mundo! 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 6. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2022. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

«Ela — a samaritana — o convence que está com sede, ao judeu tinha aversão, interrogou o sábio, foi corrigida pelo profeta, e adorou o Cristo.»

(Santo Efrém: 306 [c.]-373 — diácono e doutor da Igreja)

Esta cena do encontro de Jesus com a mulher samaritana é repleta de lições para nós, os evangelizadores! Nosso Mestre e Senhor nos dá uma verdadeira aula de como conduzir alguém do pecado, da ignorância, da indiferença à verdadeira conversão! Como nos disse, muito bem, frei Maggi, aqui não se trata de uma mulher, mas de todo um povo: os samaritanos. O segredo principal consiste em saber despertar a vontade, o desejo por algo que não se conhece e não se possui. Afinal, são os desejos, as vontades que nos movem, nós, os seres humanos. 

Mas, antes, há de se desinstalar a pessoa de sua zona de conforto, de seus hábitos arraigados, de seus próprios raciocínios. É o que Jesus faz, sendo judeu, solicitando água a uma samaritana (cf. Jo 4,7-9). Ao empregar suas energias em questionar Jesus, em criticá-lo, a mulher abre um franco, uma fresta para Jesus contra-atacar (cf. Jo 4,10). A mulher reage tal como Jesus esperava: criticando a ele e aos judeus (cf. Jo 4,11-12). Um novo franco, uma nova brecha se abre! Jesus tem como prosseguir o diálogo, tem como despertar mais curiosidade em sua interlocutora (cf. Jo 4,13-14)! 

Agora, quando a mulher se mostra receptiva a acolher o que Jesus tem a lhe dar — “uma fonte de água que jorra para a vida eterna” (Jo 4,14) —, ele avança para o terreno mais profundo, aquele da consciência da pessoa, do povo. Jesus revelará que sabe das traições do povo samaritano, é ciente de sua idolatria, de seu “adultério” para com o verdadeiro esposo que é Deus! Ele faz isso não para recriminar, provocar humilhação, remorso ou algo assim, mas para ajudar a samaritana a dar o passo seguinte: reconhecer, em Jesus, o Messias, o Salvador, a resposta mas profunda para toda a sua busca de sentido para a vida (cf. Jo 4,19-26)! 

Bem, depois que Jesus “capturou” o coração da samaritana, depois que ele lhe despertou o desejo por algo que jamais teve ou teria sem a sua ajuda, Jesus não precisa fazer mais nada! A própria convertida transforma-se em evangelizadora, em missionária! Isso é o mais extraordinário da metodologia de Jesus, o Messias! Inclusive, ela faz como ele, isto é, não diz tudo de uma vez, mas desperta curiosidade em seus interlocutores:

«A mulher deixou seu cântaro e foi à cidade, dizendo às pessoas: “Vinde ver [= conhecer, fazer contato] um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não seria ele o Cristo?”» (Jo 4,28-29)

Quanta gente com sede de vida eterna há neste mundo! Quanta gente segue bebendo do poço da miséria e carência humanas, porque não conhece, não foi apresentada à fonte de vida, à fonte que sacia, de verdade e definitivamente, a falta de sentido para a vida humana nesta Terra. Você, eu, todos nós da Igreja devemos nos comportar como Jesus: propor que as pessoas bebam da fonte, do manancial e não mais do poço! Há chance, há oportunidade para todos, neste mundo, como o demonstra a figura da samaritana, triplamente marginalizada por ser: mulher, samaritana (povo semipagão) e levar uma vida de adultério! 

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Senhor Jesus, sedento desde sempre, sedento no poço de Jacó, sedento no madeiro da cruz! Sedento em nós, sedento de nós! Quando terminaremos de buscar fontes de água que não matam nossa sede? Quando vamos desistir e, finalmente, subir lá no Calvário, onde tu preparaste para nós, em seu coração dilacerado, aquela torrente de graça que sacia toda sede? Sim, é hora de deixar, como a samaritana, todos os nossos preconceitos, todas as nossas defesas, para nos entregarmos a ti que nos dás a alegria de recomeçar a viver e correr para testemunhar o que fizeste por nós. Amém.»

(Fonte: Gianfranco Venturi. 3ª Domenica di Quaresima: orazione finale. In: CILIA, Anthony O.Carm. Lectio Divina sui vangeli festivi: per l’anno liturgico A. Leumann [TO]: Elledici, 2010, p. 154.)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – III Domenica della Quaresima – Anno A – 15 marzo 2020 – Internet: clique aqui (Acesso em: 08/03/2023).

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