Não converte, mas ilude e manipula!
Congregação dos Missionários de São Carlos (Scalabrinianos), é vice-presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM)
Pe. Alfredo José Gonçalves, cs |
Pastoral
em tempos líquidos, diria Zygmunt Bauman
O mais importante é despertar
sensações. No pano de fundo de uma música em geral tempestuosa, desfilam
velozes os diálogos, gestos e imagens. Luzes, cores e ação devem levar ao
espetáculo. Este último é a razão de ser da filmagem, seja ela de natureza
real ou fictícia. Objetos, rostos e multidões percorrem a tela numa corrida
vertiginosa. Importa menos a conexão das fotografias e da linguagem do que os
arrepios que elas são capazes de provocar. O grande sucesso é deixar o
espectador emocionalmente ébrio e hipnotizado. A ponto de ele praticamente
sequer repousar e recostar-se. Numa atitude permanente de expectativa e quase
de medo, ele tende a ocupar apenas a ponta da poltrona. O olhar grudado naquela
alucinante sucessão ou justaposição de ações que surgem e desaparecem no seu
campo de visão, a cabeça pendida para frente, ele mal consegue respirar com
regularidade. As surpresas o mantêm o tempo
todo alerta. Pouca deverá ser a preocupação com o processo de encadeamento.
Menor ainda a definição e os contornos de tempo e espaço. Fugaz e veloz,
tudo desliza com um sonho. Sonho meio fantasia e meio pesadelo, onde a
conexão entre causa e efeito não sabe exatamente onde colocar os pés. Cena de ação em filme produzido por Hollywood
Em lugar de fatos, com seu respectivo sequenciamento, prevalecem as emoções e sentimentos. As cenas, em cadeia não raro, desconectada, entram pelos olhos e eletrizam os neurônios do cérebro, sem passar pela razão. Não há meio nem tempo de engolir, mastigar, digerir e selecionar o que se vê e ouve. Tampouco haverá reflexão possível e menos ainda espaço para uma formulação de juízo crítico. Imperam as verdades e certezas, não as hipóteses, buscas e pesquisas. Tanto que, ao sair da sala de projeção para a rua, o espectador sente-se literalmente cruzar de um mundo para outro. É como se tivesse feito uma longa viagem a um lugar secreto, misterioso. De repente, a nave espacial o abandona em meio à dura realidade do cotidiano.
Os dois parágrafos anteriores
servem para ilustrar o que tende a ocorrer quando, em lugar de uma pastoral
de processo, privilegiamos uma “pastoral hollywoodiana”. Multidões,
espetáculos, heroísmos e grandes proezas tomam o protagonismo dos trabalhadores
e trabalhadoras. Daí a relevância dada à solenidades e às pompas exteriores,
em detrimento da concentração e reflexão pessoal e coletiva. Nestes casos, não
será incomum que a parafernália dos gestos e objetos litúrgicos ganhem um
formalismo ritual exageradamente rico e vistoso.
É preciso compensar o vazio interior com a exuberância, o
exibicionismo e a ostentação exterior.
Sobretudo, é preciso “encher
os olhos” das câmeras, dos holofotes e dos microfones, uma vez que as
cerimônias tendem a ultrapassar as paredes do templo e chegar ao espectador
através das telas e telinhas. A linguagem da pose, da indumentária, das frases
feitas e de certos ritualismos obtusos retornam da noite dos tempos.
A teatralização se sobrepõe ao processo de oração, reflexão,
meditação e contemplação.
Nesse cenário fantasioso de luzes
e cores, não difícil transformar qualquer celebração em show. E neste,
fazem valer sua performance tanto o celebrante quanto os ministros, coroinhas,
cantores, e assim por diante.O espetáculo, a vibração, a emoção são os resultados que importam!
Mais pernicioso, todavia, vem a
ser quando a pastoral hollywoodiana, além de predominante nos momentos
celebrativos, invade igualmente o campo da conscientização, organização e
mobilização populares, à luz da Palavra de Deus. A tendência hoje é deixar
de lado, como ultrapassadas:
*
a opção preferencial pelos pobres,
*
o caráter combativo das Pastorais Sociais,
*
as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)!
*
E, juntamente com tais práticas a reflexão teórico-crítica da Teologia da
Libertação (TdL) que as acompanhava.
Por que trilhar este caminho longo, lento e laborioso, quando podemos usar os atalhos da espetacularização? E o povo aplaude, uma vez que não é fácil olhar para a realidade nua e crua. Menos fácil ainda é pensar, refletir e lutar. Melhor festejar, receber pronta a receita, vestir um jaleco branco e fazer parte integrante do show, mesmo que seja alguns degraus abaixo dos figurantes centrais.
Convém deixar claro que não
tem sido pouca a influência de alguns canais católicos de televisão para
esse retrocesso de uma PASTORAL DO PROCESSO para uma PASTORAL DO ESPETÁCULO. A
via do envolvimento pastoral e do compromisso sociopolítico da fé cedeu o lugar
à via curta e emocionante da festa.
Através desse atalho, tenta-se chegar à ressurreição sem passar pela
dor e o sofrimento, pela paixão e a morte, pela superação da cruz e do túmulo.
Ademais, a interiorização e espiritualização individuais da religião é bem mais cômoda do que ter de lidar com relações novas para com o “outro, o diferente e o estrangeiro”. São essas relações, contudo, as únicas que apontam o caminho do Reino dos Céus.
Fonte: Enviado pelo autor – Quinta-feira, 30 de março de 2023.
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