«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Redizer a fé e ser minoria [Excelente!]


Entrevista com Enzo Bianchi

Brunetto Salvarani
Revista Settimana
n. 36, 07-10-2012

BRUNETTO SALVARANI - biblista italiano
Eu me encontrei com o prior do Mosteiro de Bose, Enzo Bianchi, em meados de agosto passado, por ocasião de uma das semanas bíblicas que, há anos, ele realiza em seu mosteiro durante o verão europeu. O coração da entrevista que ele me concedeu é o Ano da Fé desejado por Bento XVI, inevitavelmente ligado ao Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização para a Transmissão da Fé Cristã, e ao 50º aniversário do início do Concílio Vaticano II (11 de outubro de 1962). Um evento, este último, ainda a ser implementado plenamente: não nos esqueçamos de que, ainda no início do novo milênio, João Paulo II pedira a todas as Igrejas locais que se interrogassem sobre a recepção do Concílio e voltassem aos textos por ele emitidos, a fim de conhecê-los e assimilá-los. Além disso, a história ensina que acontecimentos epocais como uma cúpula ecumênica precisam de diversas décadas para se tornarem patrimônio compartilhado de toda a Igreja.

Eis a entrevista.

Caro prior, qual é, a partir da sua observação, o estado de saúde da fé católica no início do terceiro milênio da era cristã?

Enzo Bianchi: A resposta só pode variar dependendo do território e do continente que se escolha focar. Com toda a evidência, nas Igrejas de antiga cristandade, as europeias e norte-americanas, assistimos – no quatro do fim de uma sociedade cristã – a uma forte crise de vocações, e não só isso: estamos passando por um tempo de verdadeira e consistente diminutio [trad.: diminuição] eclesial. Embora deveríamos lembrar, no entanto, o aumento dos cristãos na África, na Índia e na América Latina: dado não desprezível, de cujo porte ainda não estamos suficientemente conscientes.

Por que, em tal contexto, um Ano da Fé? Que expectativas e que esperanças com relação a ele?

Enzo Bianchi: Entre 1967 e 1968, quando pouco depois do fim do Vaticano II Paulo VI decidiu convocar um Ano da Fé, a questão referia-se em primeiro lugar à chamada fides quae, ou seja, aos conteúdos de fé, aos dogmas e às crenças. O evento concluiu, significativamente, com uma solene proclamação do Credo do Povo de Deus, em que se dizia novamente o Credo tradicional, ampliando-o.

Hoje, quase meio século depois, estamos passando por uma nova crise da fé, desta vez relativa à fides qua, isto é, ao ato de crer em si mesmo. Trata-se de uma escolha fundamental do ser humano que desaparece: a fé, de fato, é uma virtude teológica, de um lado, mas também é uma escolha humana (K. Barth), de outro. A fé se sente ameaçada, enfraquecida e posta em discussão como ato de "dar confiança" ao outro, à terra e aos projetos para a melhoria da polis.

JULIA KRISTEVA - filósofa de origem búlgara
Como se pode enxertar o dom da fé por parte de Deus se falta a fides qua? O problema também se refere aos ateus e aos não crentes! Sem ela, a situação é ainda mais grave do que no tempo de Paulo VI. Quem captou isso muito bem é a filósofa e psicanalista Julia Kristeva, com quem debati por ocasião de uma palestra "quaresmal" em Paris há alguns meses: em sua opinião, é preciso cumplicidade entre cristãos, e não sobre o tema da confiança, por ela definida como "essa incrível necessidade de crer que está dentro de cada pessoa".

Que peso poderia ter sobre essa questão o Sínodo sobre a nova evangelização?

Enzo Bianchi: Acima de tudo, não se trata de insistir na diferença entre "velha" e "nova" evangelização! Eu prefiro falar, ao invés, de "evangelização e novos estilos". A evangelização, de fato, desde sempre, é um imperativo para a Igreja: mas com que estilo deve ser levada adiante? Como no tempo da irrupção dos bárbaros? Ou como no tempo da Reforma, quando ela se uniu novamente à fórmula cuius regio eius et religio [trad. livre: a região e sua religião]? Evidentemente, há a necessidade de um estilo outro, centrado na proposta de um caminho de humanização capaz de preparar o encontro entre Cristo e as culturas: que não é, por sua vez, uma mensagem culturalmente já confeccionada.

A questão crucial se torna: como redizer a fé no quadro de uma ruptura e de um obstaculização da memória tradicional? Desse ponto de vista, seria útil aprender com os judeus, que souberam cuidar da memória de seus pais, de geração em geração. Penso que é indispensável educar a uma gramática humana em que se enxerte a fé, uma operação que leve em conta como os conteúdos, na mensagem cristã, são tão importantes quanto o estilo em que são propostos.

Eis, portanto, a necessidade de um exame de consciência sobre a nossa criatividade eclesial, sobre o estilo, justamente. A Igreja, de fato, vive demasiadamente em posições defensivas, de "cidadela sitiada", e não possui a audácia do diálogo com o ser humano de hoje! É preciso elaborar uma instância narrativa, antes de uma proposta moral... porque a Igreja deve ter mais confiança no ser humano, que desde sempre é a imagem de Deus, mesmo que não seja cristão... Com uma imagem bíblica, eu gostaria de dizer que nós, cristãos, fazemos parte de Sodoma, não estamos posicionados em uma colina que olha para baixo, para a cidade de Sodoma!

Isso a 50 anos do início do Vaticano II.

Enzo Bianchi: Certamente! Quando Bento XVI decidiu convocar um Ano da Fé, alguns pensaram em uma espécie de distração com relação à memória reconciliar! Na realidade, eu estou convencido de que a proteção dessa memória preciosa representa a sua preocupação principal: o papa, de fato, gostaria que o Vaticano II fosse reproposto com grande força. Ele compreendeu que somente realizando plenamente o Concílio poderá haver uma nova evangelização!

Por outro lado, essa cúpula, que quis ser deliciosamente pastoral, não propôs nenhuma verdade dogmática nova, mas se concentrou plenamente no estilo de diálogo que a Igreja deveria assumir. Pois bem, o que caracterizou o Vaticano II foi a escolha de um estilo dialogante: com o mundo, com os judeus, com as diversas Igrejas e religiões, e até mesmo dentro da própria Igreja. Nunca havia sido assim no passado...

ENZO BIANCHI - monge italiano
Nesse contexto, como o senhor vê o futuro do cristianismo na Europa?

Enzo Bianchi: Devo admitir que sinto medo pelo futuro do cristianismo no velho continente, porque a condição de minoria sempre é uma fraqueza: um cristão sozinho, isolado, certamente é mais precário do que aquele que se encontra em uma sociedade cristã. É é o que está acontecendo, dentre outras coisas, na zona rural francesa, ou na Bélgica, até poucos anos atrás uma grande produtora de presbíteros e missionários, enquanto até mesmo a catolicíssima Irlanda está experimentando uma grave queda de crentes, que hoje são menos da metade da população em geral.

Muitas vezes se fala da Itália, a esse respeito, como um "núcleo duro do catolicismo"... Em parte, isso ainda é verdade, mas também é inegável que estão aumentando aqueles que vão embora, e sem remorso: pense-se, por exemplo, nas análises do padre Armando Matteo sobre a fuga da Igreja das mulheres "quarentonas" e sobre a fraca entrada de jovens. Mas bastaria nos determos no efeito das Jornadas Mundiais da Juventude, quando, em seu retorno, aqueles que delas participaram veem-se tendo que fazer as contas com o decepcionante cotidiano das dioceses...

À luz dessa análise, que caminho tomar?

Enzo Bianchi: Em primeiro lugar, não se trata ceder a catastrofismos ou a leituras de sabor apocalíptico, mas sim de ter consciência dos problemas. Por exemplo, no nosso país, as irmãs estão se consumindo, e isso acontece no silêncio geral: por que não se discute a respeito? Note-se que, por longas décadas, as irmãs têm representado o elemento essencial da vida das Igrejas locais, na sua vivência cotidiana! Nesse sentido, há como que uma névoa que reina sobre os responsáveis da Igreja italiana: enquanto isso, todos somos convocados a nos interrogarmos sobre como organizar essa temporada, como dizia, de diminutio eclesial.

Pende sobre cada fiel – lê-se no Instrumentum laboris do Sínodo – o dever de "uma conversão e uma renovação constantes, para evangelizar o mundo com credibilidade" (n. 37). Não é suficiente a constatação de termos nos tornado minoria! Sim, é necessário um investimento importante em um real "caminho de conversão", na fé: só assim poderá se manifestar a força de Deus na Igreja. E só assim poderemos ser induzidos a uma redescoberta do essencial, capaz de expressar de modo renovado as razões pelas quais a narração de Deus feita por Jesus pode ser – ainda hoje – um grande dom para a Igreja e para o mundo!

Tradução do italiano por Moisés Sbardelotto.

Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - Notícias - Sexta-feira, 26 de outubro de 2012 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/514920-redizer-a-fe-e-ser-minoria-entrevista-com-enzo-bianchi

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.