«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Como lidar com o sentimento de vazio?

Direcionar-se ao essencial da vida

Anselm Grün
Teólogo, Psicólogo e Escritor alemão
Monge Beneditino – Abadia de Münsterschwarzach

Vinculam-se à experiência de vazio as mais diferentes vivências e juízos, bem como, características emocionais contrastantes. Há o espanto, diante do franco abismo do nada, ou o sentimento de tédio, mas também a experimentação da serena abertura para o mistério. Tal experiência pode ser compreendida enquanto meta de um caminho espiritual, porém, em outras culturas, ela pode ter significados bastante distintos.

No budismo, a meta do caminho espiritual consiste em atingir o vazio interior. Nesse caso, o vazio tem um significado positivo. Vazio quer dizer que estou livre de meus próprios desejos, livre das ideias criadas acerca de mim mesmo e de Deus. Esse vazio é a condição para se abandonar em Deus completamente. Também Mestre Eckhart [1260-1328], poeta e místico cristão alemão, fala sobre esse vazio enquanto lugar onde Deus pode estar em nós. Não é o espaço em que mobilizamos Deus para nossa felicidade, e, sim, onde deixamos que Deus seja Deus. E esse é o lugar onde nos tornamos vazios de nós mesmos, onde nos libertamos do ego, e que Deus também ainda gostaria de ganhar para si. No vazio, não temos nada nas mãos. À medida que nos tornamos vazios de Deus, também experimentamos a abertura para o Deus que se oferece a nós por misericórdia.

Por outro lado, quando falamos sobre o sentimento de vazio, em nossa linguagem corriqueira, queremos dizer outra coisa. Trata-se do sentimento de que tudo é vazio, de que nosso coração está vazio, de que não sentimos mais nada. Não conseguimos ficar alegres nem sentir tristeza. Todos os nossos sentimentos parecem estar mortos. Não vemos nenhum sentido em nossa vida. Nada nos entusiasma. Tudo tem um caráter insosso e monótono. Nós apenas atuamos, mas, por detrás de qualquer ocupação, abre-se um enorme vazio que nos amedronta e nos impele a preenchê-lo com cada vez mais atividades. Quando, no silêncio, olhamos para dentro de nosso coração, estacamos num espaço vazio. E esse vazio nos intimida. O melhor é fugir desse lugar. Ele é insuportável.

O refúgio nas atividades em excesso devido ao trabalho também provoca um vazio interior. Igualmente muitos experimentam esse vazio durante as orações. Tudo que até agora guardavam em seu coração, está vazio. Quando meditam, não sentem mais nada. Um homem me contou eu sumiram todas as experiências boas: nos cursos de que participou, o sentimento de ser sustentado na meditação, a alegria durante a celebração da missa; tudo isso desapareceu. Tudo que sente é estar vazio de Deus. E ele sofre com esse vazio.

Numa conversa com uma mestra zen sobre espiritualidade cristã e budista, discuti com ela a respeito das experiências que temos em meditação nessas duas vertentes. Expliquei a ela que medito com a Oração de Jesus. A palavra conduz-me – como dizem os monges primitivos – ao mistério sem palavras de Deus. Mas esse espaço de silêncio é, para mim, um espaço de amor. Então ela disse: «Amor é muito desgastante». Perguntei o que ela experimentava então: «Vazio». Respondi: «Vazio é frio demais». Fomos nos aproximando no desenrolar da conversa. Ela havia confundido amor com um sentimento. Se preciso ter sempre intensos sentimentos, durante a meditação, isso é de fato desgastante. Para mim, amor é uma característica do ser, uma fonte de amor que emana do fundo de minha alma. Quando mergulho nesse espaço de amor, sinto-me seguro, apoiado, acolhido e amado.

Como podemos interligar essas duas experiências de vazio?
Se me sinto vazio interiormente, não luto contra isso. Permito o vazio. Ele me mostra que, no momento, nada me completa, nem o trabalho, nem as relações com pessoas queridas que, vida de regra, são importantes para mim. Elas não preenchem esse vazio interior. Até o reconhecimento ou o afeto das pessoas não suplanta esse vazio. Quando rezo, sinto um vazio. Permito esse sentimento de vazio. Eu digo: Nada me satisfaz. No momento não tenho nada que pudesse preencher esse vazio: nem amor, nem música, nem sucesso ou bens materiais, sim, nem mesmo a oração ou a missa. Tudo em mim é vazio. Não sinto nada.

Quando permito esse sentimento, o vazio que parece ser tão opressivo subitamente pode se transformar num vazio que me abre para o mistério de Deus. No vazio nada trago nas mãos. Assim, no vazio, posso abrir-me ao Deus inconcebível. O vazio me mostra que nada terreno é capaz de preencher esse vão em meu interior. Só Deus. Mas não o meu Deus pessoal, Ele não preenche meu vazio com bons sentimentos. Pelo contrário, no vazio liberto-me justamente de todas as ideias que criei de Deus e de mim mesmo e me entrego ao Deus, para além do vazio, ao Deus sobre o qual nada mais posso dizer, mas apenas calar. O vazio que mal posso suportar, portanto, se transforma num vazio que me conduz às dimensões mais profundas do ser, que me leva ao essencial, à minha natureza para além de cada imagem e ao Deus que excede qualquer ideia.

Todavia, muitas pessoas lidam com seu vazio de maneira diferente. Elas preenchem seu vazio com muitas atividades. Alguma coisa sempre tem de estar acontecendo, eu preciso estar sempre ocupado para não sentir o vazio interior. Entretanto, essa fuga do próprio vazio, em algum momento, acaba levando ao estresse. A pessoa precisa estar constantemente fazendo alguma coisa, envolvida com novas atividades, a todo instante, para tapar o vazio interior. Blaise Pascal [filósofo, físico e matemático francês que viveu de 1623 a 1662] enxergava isso com clareza:

«Nada é tão insuportável ao homem como estar em pleno repouso, sem paixão, sem ocupação, sem diversão, sem aplicação. Ele sente, então, o seu nada, o seu abandono, a sua insuficiência, a sua dependência, a sua impotência, o seu vazio. Sem moderação sairão do fundo da sua alma: o cimento, a melancolia, a tristeza, a aflição, a raiva e o desespero».
ANSELM GRÜN

Mas o vazio não se deixa abafar. Quando estou sozinho, deitado na cama, ele reaparece. Ou então, quando viajo sozinho de trem, ele ressurge. O sentimento de vazio também tem um sentido. Devo me familiarizar com meu sentimento de vazio e perguntar-lhe o que está querendo me dizer. Ele então me conduzirá ao essencial de minha vida. Bastante coisa me parecerá vazia quando atingir a verdade de minha vida através do meu vazio; ele me ensina a descobrir o verdadeiro gosto pela vida e a ser diligente em meu viver.

E o vazio me conduz ao inconcebível mistério de Deus, que por mim não se deixa compreender, mas quer reinar em mim.

Fonte: GRÜN, Anselm. Pequena Escola das Emoções: como os sentimentos nos orientam e o que anima nossa vida. Tradução de Bianca Wandt. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 2016, páginas 207-212.

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