“Deus não mora mais aqui?”
Marco Rizzi
Professor de Literatura
Cristã Antiga da Università Cattolica del Sacro Cuore, em Milão
Corriere della Sera
Corriere della Sera
16-12-2018
O que acontece com a
prática religiosa na Europa?
Livraria Waanders in de Broeren Funciona dentro de uma igreja em estilo gótico na Holanda, após a venda o edifício |
No final de novembro passado na Universidade Gregoriana de Roma - a universidade dos jesuítas - se
reuniram clérigos, sociólogos e historiadores da arte para responder a uma
pergunta um tanto surpreendente para aquele local: «Deus não mora mais aqui?» Mais prosaicamente, a conferência abordava o problema das igrejas que deixaram de ser
usadas para o culto devido ao declínio na prática religiosa na Itália,
identificando novas funções que permitam conservar uma continuidade com o
passado, preservar o seu valor histórico e artístico e evitar a sua
transformação em livrarias, bares ou - até - discotecas, como aconteceu, por
exemplo, na Holanda e na França.
Quem, neste mesmo período, estivesse passeando pelo centro de Moscou, limpo e arrumado por
ocasião da Copa do Mundo de Futebol no verão passado, teria encontrado igrejas e mosteiros lotados, pessoas
fazendo o sinal da cruz (da maneira ortodoxa, tocando primeiro o ombro direito
e depois o esquerdo), enquanto passavam na calçada em frente, e mesmo aqueles
que não hesitavam em beijar e se ajoelhar diante do ícone da Trindade de Andrei Rublev, conservada no museu Tretyakov (que tomou
prudentemente medidas para protegê-la com um vidro especial).
É suficiente concluir que, como já foi dito, «na Europa
apenas os países ortodoxos ainda têm fé»?
Na verdade, uma leitura cuidadosa dos resultados da pesquisa realizada em 2017 e publicada no meio deste
ano pelo Pew Research Center de
Washington permite fazer considerações
mais sutis. Embora, em termos gerais, – ou seja, considerando o conjunto
dos indicadores, tais como a fé em um Deus, a importância da religião na vida,
a frequência na liturgia e na oração - Romênia,
Armênia e Geórgia ocupem o pódio com 50% da população que pode ser considerada
muito religiosa, e no outro extremo encontramos Estônia,
Dinamarca e República Checa, com um dado entre 7% e 8%, enquanto Portugal
aparece em linha com a Polônia, cerca de 40%, deixando assim para trás
muitas nações ortodoxas.
Se forem considerados os indicadores
individuais, o quadro parece ainda
mais complexo e, no mínimo, contraditório: por exemplo, os Países Baixos [Bélgica e Holanda] surpreendentemente ultrapassam a Rússia no que
diz respeito ao número daqueles que rezam diariamente e se coloca logo
atrás da Itália (20% e 21%, respectivamente, em
linha com a média continental que é de 22%), mesmo que as posições entre as
duas nações se invertam em relação ao percentual daqueles que creem com certeza
absoluta em Deus.
Igreja Brew Works em Pittsburgh, Pensilvânia, Estados Unidos da América Essa igreja foi dessacralizada e, hoje, é uma boate |
No total, se consideram
cristãos cerca de 7 em cada 10 europeus, que, no entanto, em sua grande maioria frequentam pouco ou nada as igrejas;
além disso, aquela apresentada pela Bíblia continua a ser a imagem mais
compartilhada de Deus para a maioria dos habitantes do Velho Continente.
Caso se queira uma interpretação
geral, pode-se afirmar que se
assiste a um processo de separação entre a prática
religiosa, fé individual e identidade pessoal, em que a tradição cristã assume mais o caráter de um marcador
cultural: por exemplo, apenas 12%
dos ingleses acredita firmemente em Deus, mas 20% frequenta a igreja pelo
menos uma vez por mês, algo que se explica pelo caráter ainda totalmente
nacional da Igreja anglicana.
Trata-se de um processo confirmado por outros aspectos da
pesquisa, entre os quais o recurso cada
vez mais frequente a apelos religiosos ou até mesmo confessionais no debate
político europeu.
Olhando melhor, no entanto, isso não é um fenômeno totalmente
novo.
O que parece estar mais em crise não é a religião ou o cristianismo
em si, mas a particular configuração que
a religião cristã assumiu na Europa ocidental a partir do rompimento
marcado pela Reforma Protestante e pela Contrarreforma, no século XVI.
A partir daquele momento as
Igrejas, católicas, protestantes ou reformadas, elaboraram em conjunto com os
Estados um sistema de normas doutrinais e comportamentais que efetivamente
regulamentava a inteira sociedade e o indivíduo, enquanto os países de
tradição ortodoxa permaneciam ligados a um modelo muito mais fluido e menos
intelectualizado. A crise daquele sistema está, portanto, reconduzindo a Europa
ocidental a formas de prática religiosa
semelhantes àquelas ortodoxas, menos
rígidas e mais ocasionais.
As igrejas
institucionais não parecem ter entendido completamente a mudança que está
ocorrendo. Uma reportagem realizada entre a Europa e as Américas pela
revista Der Spiegel, reproduzida na
Itália pela Internazionale, bastante
crítica em relação ao atual pontificado, relata a opinião de um anônimo
expoente da cúria de Mônaco da Baviera: «Quem
pensa apenas no que está nas margens, logo se depara com um buraco no centro».
Trata-se de uma crítica aberta à atenção do Papa Francisco pelas «periferias».
Observando os dados ao longo do tempo, imediatamente se
percebe como no início do século passado:
* os
católicos europeus fossem 67%,
* nas
Américas 27%, enquanto
* África e
Ásia/Oceania somavam, para o total, apenas 1% e 5%, respectivamente;
em 2015:
* a Europa
contribui para o número total de católicos na medida de 22% (era 27 na virada
do milênio),
* as
Américas com 49%,
* a África
17,
* a
Ásia/Oceania com 12%, sendo estes últimos continentes em crescimento constante.
Capela que transformada em restaurante em BRUTON, na Inglaterra |
Quando se considera como no âmbito do cristianismo mais em
expansão, aquele dos movimentos e das Igrejas livres evangélicas, que a Coreia
do Sul seja o país que produz o maior número de missionários, ainda tem sentido pensar na Europa como
centro do cristianismo?
Apesar das profecias, Deus
não está morto, porém ele está mudando de casa e mudando de rosto.
Traduzido do italiano por Luisa Rabolini. A versão original do
artigo é encontrável aqui.
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