«Quando devemos fazer uma escolha e não a fazemos, isso já é uma escolha.» (William James [1842-1910]: filósofo e psicólogo norte-americano)

Quem sou eu

Jales, SP, Brazil
Sou presbítero da Igreja Católica Apostólica Romana. Fui ordenado padre no dia 22 de fevereiro de 1986, na Matriz de Fernandópolis, SP. Atuei como presbítero em Jales, paróquia Santo Antönio; em Fernandópolis, paróquia Santa Rita de Cássia; Guarani d`Oeste, paróquia Santo Antônio; Brasitânia, paróquia São Bom Jesus; São José do Rio Preto, paróquia Divino Espírito Santo; Cardoso, paróquia São Sebastião e Estrela d`Oeste, paróquia Nossa Senhora da Penha. Sou bacharel em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arq. de Ribeirão Preto (SP); bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da Assunção; Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma (Itália); curso de extensão universitária em Educação Popular com Paulo Freire; tenho Doutorado em Letras Hebraicas pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, realizo meu Pós-doutorado na PUC de São Paulo. Estudei e sou fluente em língua italiana e francesa, leio com facilidade espanhol e inglês.

sábado, 1 de dezembro de 2018

O que é fazer Teologia???

O mínimo que você precisa saber sobre
teologia para não ser idiota

Gilmar Pereira*

As pessoas estão acostumadas a frequentar igrejas e creem que
entendem tudo de religião, fé e teologia

Por estarem acostumadas a algo, é comum que as pessoas julguem entendê-las. Por assistir a muitos jogos, tem torcedor que se acha técnico de futebol. Por ver e ler jornais, há quem ache que sabe jornalismo. Daí se vê gente chamando artigo de opinião de fake News, porque é incapaz de diferenciar notícia de outros gêneros. Aliás, falar a palavra gênero já gera polêmica porque incautos, que nunca se dedicaram ao estudo ou reflexão mínima sobre a sexualidade, já entendem que existe uma “ideologia de gênero” que quer fazer com que menino se comporte como menina e vice-versa, o que é mentira. Mas quem fala isso acha que entende de sexualidade (por que já transou?).

O mesmo vale para a religião. As pessoas estão acostumadas a frequentar igrejas e creem que entendem tudo de religião, fé e teologia. Leram partes ou até mesmo a bíblia toda e se sentem sabedoras profundas – pasmem – da vontade de Deus, para si e para os outros. Ultimamente a ignorância vem em combo e - perdoem a palavra - os idiotas acreditam que entendem de jornalismo, religião, sexualidade, ciências sociais, educação, economia e política ao mesmo tempo. Fazem uma amálgama de boçalidade e, como têm voz nas novas mídias, gritam aos quatro cantos que estão certos até fazer valer o que querem.

Digo “idiotas” usando o sentido próprio do termo. Originando do grego antigo, διώτης (idhiótes) designava a pessoa que se apartava da vida pública – a política, a busca do bem comum na pólis (cidade) era assunto de suma importância – fechando-se nos próprios interesses.

Hoje o idiota vai à vida pública, mas continua fechado em sim mesmo e
toma a si como régua para medir e ditar o comportamento e pensamento alheios
Se você reza diferente do que ele pensa ser a única maneira certa, será execrado por isso.

O idiota é capaz de juntar outros como ele, gravar vídeos e mobilizar a Igreja até que o diferente seja excomungado. Isso tem valido para diversos campos da sociedade. Pergunte aos palpiteiros da Educação, quem leu Piaget, Vigotski, Dewey, Montessori, Paulo Freire. Esse último tem sido apedrejado por quem não só não entende da área, como nunca leu nada dele, no muito um texto de algum comentador ou um vídeo do YouTube repleto de deturpações, para dizer de forma educada.

De todas as áreas, a Teologia talvez seja uma das mais alarmantes no que tange à ignorância.  Isso se mostra por coisas bem evidentes. Basta olhar os efeitos nefastos que uma compreensão deturpada das Escrituras pode causar. No plano político, há uma legião de parlamentares eleitos para defender os interesses particulares de seus agrupamentos religiosos, compondo bancadas que querem obrigar a população a viver sua interpretação de mundo pautada nos seus equívocos teológicos. Eles usam a fé para se promoverem e manipular uma parcela da população. Além disso, há outros malefícios que se pode ler inclusive em páginas policiais, como gente que mata “em nome de Deus”; pessoas que se suicidam, adoentados pela culpa religiosa; famílias divididas porque um dos membros não partilha da mesma fé.

Por outro lado, o desconhecimento da Teologia não é um problema dos que se dizem crentes, ele toca também ateus, agnósticos e gente que não tem posicionamento certo.  Às vezes, doutores e pós-doutores são geniais em suas áreas mas, quando falam de Igreja e fé, só se ouve desconhecimento travestido de palavras bonitas. Afinal, saber muito de uma coisa não é o mesmo que saber muito sobre tudo e poucos se dedicam à História da Igreja e às questões teológicas. Um dos primeiros erros, por exemplo, é tratar a Igreja Católica como um bloco monolítico, sendo que, apesar de ser una, é plural e conta com diversas escolas de espiritualidades, correntes teológicas, etc. Não é tudo igual.

Há, sim, uma voz “oficial” expressa pelo Magistério da Igreja. Mas aí já entra uma polêmica teológica. O Magistério seria composto somente dos que que compõem a hierarquia da Igreja institucional, somente dos seus bispos e oficializada pelo papa? Alguns setores dizem que sim, principalmente os ligados a essa estrutura.  Assim, se um grupo diz que só se pode ouvir o Magistério e esse mesmo grupo disser que ele é o Magistério, não lhe geraria alguma suspeita? Perdoem-me por simplificar a questão, as linhas são poucas para detalhar algo que pode ser aprofundado num livro inteiro ou mais.

Além disso, há uma diferença que se deve fazer entre Teologia e Catequese. Essa última consiste na transmissão da fé. O catequizando apresenta questões enquanto é inserido na comunidade dos fiéis e vai obtendo respostas de acordo com a Tradição e as Escrituras à luz do Magistério que, particularmente, não seria composto só da hierarquia (entra também, por exemplo, o sensus fidei), mas que por sua compreensão do todo pode ajudar assimilar o sentido da fé. Já a Teologia, apesar de partir da fé, constitui uma área de conhecimento autônoma e não se reduz a repetir o que os documentos da Igreja dizem. Isso não é Teologia.

Se a fé é dom de Deus desenvolvido e aprendido junto a uma comunidade de fé, as fontes da Teologia são, de fato, a Escritura, a Tradição e o Magistério. Contudo, essas fontes são acessadas de um lugar existencial e social, também chamado de lugar teológico. É daí que surgem as diferentes teologias, das diferentes abordagens que se faz às mesmas fontes segundo o lugar teológico que se ocupa. Desse modo, a Teologia do Corpo entende o corpo como lugar teológico, a Teologia Feminista entende a mulher como lugar teológico, a Teologia Queer entende os LGBTQ+s como lugar teológico, a Teologia da Libertação entende o pobre como lugar teológico. Cada um interpela a fé e as fontes de sua compreensão desde seu lugar no mundo.

Assim, cada lugar teológico se utiliza das ferramentas que possui para extrair sua compreensão da fé das fontes da teologia. Os pobres, por exemplo, em sua condição de exclusão social estarão mais atentos às lutas de poder presentes nos textos sagrados e às marcas do tempo em que foram escritos, e, por isso, utilizarão do método que melhor responde às suas questões. Talvez por isso o método histórico-crítico seja muito usado nessas teologias chamadas contextuais, pois é útil às interpelações apresentadas. Acontece que utilizar teorias de gênero, método histórico-crítico, método linguístico-pragmático, semiótica, estudos sociais etc. tornou-se algo próprio de quem se envolve academicamente com a Teologia. Com isso, essa área do saber foi se distanciando da vida das Igrejas. Deste modo, há uma religião popular e outra que se atém aos debates teológicos, embora a Teologia busque responder às interpelações vindas dos fiéis e do dia-a-dia das igrejas.

Outro problema é que o cenário político cultural está afetando o fazer teológico. Aí voltam os ignorantes. Na demonização que houve da Esquerda, usar o método histórico-crítico se tornou sinônimo de ser marxista e, pela leitura fundamentalista do Magistério, algo condenável. Daí há um movimento para calar teólogos, onde se prega que não se deve pensar ou questionar nada da doutrina “oficial”, basta repetir o que os documentos da Igreja dizem.  Por trás dessa censura não estão questões de fé, mas políticas e ideológicas.

Como querem a simples repetição de documentos e o cumprimento cego de normas eclesiais, estão fechando as portas da fé aos que querem, de coração sincero, interpelar fé e vida. Acontece o mesmo que no tempo de Jesus, quando os doutores da Lei sobrecarregavam os ombros dos que queriam viver a fé, mas eles próprios eram incapazes de vivê-la. Jesus, por se ater ao espírito mais que à letra, denunciava tal postura de quem fecha as portas do Céu aos pequeninos. Escândalo não oferece quem cria uma pastoral da diversidade sexual para acolher quem quer conciliar sua sexualidade e sua fé ou quem faz teologia crítica, mas é provocado por quem quer colocar a todos sob o jugo da lei. O capítulo 23 de Mateus é para esses que “atravessam os mares e viajam por todas as terras a fim de procurar converter uma pessoa para a sua religião. E, quando conseguem, tornam essa pessoa duas vezes mais merecedora do inferno do que” eles mesmos [Mt 23,15].

Como um saber que se pergunta sobre Deus, a Teologia Cristã é possível porque Deus se revela aos homens na pessoa de Jesus. Este, por sua vez, em sua dupla natureza, não só nos ensina sobre o divino, mas sobre a própria humanidade. Assim, a Teologia não reflete somente sobre realidades sobrenaturais, mas sobre tudo aquilo que toca o humano. Pensando sobre isso, Teófilo da Silva, em seu texto A teologia e a responsabilidade para tocar as questões humanas, mostra como o fazer teológico não pode evitar questão humana alguma.

[Leia esse e os demais artigos que serão mencionados, logo abaixo,
após este texto que você está lendo.]

Felipe Magalhães Francisco, no texto A teologia não é tarefa infantil, explica como se faz Teologia, diferenciando-a de outras ciências porque nela está implicada a fé.  Em sua reflexão, o autor critica a compreensão infantil da fé que quer cercear a Teologia de modo que ela só possa repetir dogmas que compõem a fé cristã. Antes, ela interpela o dogma para que este possa fazer sentido às pessoas de cada época.

Na mesma linha, Gustavo Ribeiro discute qual é a tarefa que compete à Teologia, uma vez que ela trabalha com as fontes da Fé e experiência humana. Apoiando-se num dos maiores teólogos da contemporaneidade, o autor mostra o caráter profético que o fazer teológico deve assumir no texto Teologia: entre o sexo dos anjos e a profecia.

Boa leitura!

* GILMAR PEREIRA é mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP; bacharel e licenciado em Filosofia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CESJF); bacharel em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Também possui formação em Fotografia pelo SESI-MG/ Studio 3 Escola de Fotografia. É responsável pela editoria de Religião do portal Dom Total, onde também é colunista. Atua como palestrante há 18 anos, com grande experiência no campo religioso, tem ministrado diversos minicursos nas áreas de Filosofia, Teologia e Comunicação. Possui experiência como professor de Filosofia e Sociologia e como mestre de cerimônia. Leciona oratória na Dom Helder Escola de Direito e ministra a disciplina "A comunicação como evento teológico" na especialização "Desafios para a Igreja na Era Digital".

Fonte: Dom Total – Religião – Sexta-feira, 30 de novembro de 2018 – Internet: clique aqui.

A teologia e a responsabilidade para tocar
as questões humanas

Teófilo da Silva
Teólogo e poeta 


O ser humano é capaz de Deus porque Deus que ser alcançado
pelo ser humano e, por isso, ele se abaixa para nos elevar

Que a teologia seja uma pergunta sobre Deus, já é um pressuposto básico. O ser humano, apesar dos limites próprios de sua existência e de sua linguagem, é capaz de [alcançar] Deus. Se partirmos da ideia do Deus cristão, essa capacidade de alcance de Deus, por parte do humano, é justamente porque ele se dá, revela-se, autocomunica-se como uma proposta de relação. O ser humano é capaz de Deus porque Deus que ser alcançado pelo ser humano e, por isso, ele se abaixa para nos elevar.

Perguntamos por Deus – isto é, fazemos teologia – porque ele se permite ser encontrado em seu mistério. Mas, é preciso dizer, toda teologia é palavra penúltima, porque o mistério é inesgotável. A teologia cristã toca o mistério divino a partir da pessoa de Jesus Cristo, revelação última e definitiva do rosto amoroso de Deus. Somos capazes de Deus, porque ele se torna acessível, sobretudo, na pessoa do Filho. Com o Filho, aliás, com o qual partilhamos a natureza humana: Deus participa, por meio de Jesus Cristo, daquilo que somos.

Logo, a uma outra conclusão podemos chegar: Deus é capaz do ser humano. Aqui, abrimos mão de uma constatação rápida, ignorando, metodologicamente, a questão da onipotência de Deus, que seria argumento para a obviedade da conclusão. Essa obviedade não nos interessa. Deus é capaz do ser humano não por ser superior a ele e, ainda, seu criador. Mas o é porque o alcança desde dentro, participando de sua natureza. Deus escolheu ter uma carne humana, para revelar a real dignidade do que significa ser humano, abrindo-nos a todas as possibilidades de realização de nossa humanidade.

Ora, nesse caso, se toda teologia é uma pergunta sobre Deus, é, também e em última instância, uma pergunta sobre o ser humano. Ao perguntarmos por Deus, perguntamos também por e sobre nós mesmos. O mistério de Jesus Cristo, ao revelar plenamente o rosto de Deus, revela, de modo igualmente pleno, o rosto humano. Não é sem motivos, então, que a teologia proponha, a partir do Evento Cristo, uma palavra a respeito da origem e do destino humanos, questões fundamentais que fazemos a nosso próprio respeito, e que estão intimamente ligadas ao sentido da vida e do viver.

A teologia precisa ser responsável, pois ela traz uma palavra acerca daquilo que ela alcança, Deus, mas que não domina. O mistério humano, igualmente, extrapola todas as tentativas de dominação: somos sempre mais. A teologia, então, ao tratar a respeito do humano, precisa de sensibilidade para lidar com a complexidade que nos qualifica. O fazer teológico, nesse sentido, precisa ser um serviço de humanização, daí a dimensão da responsabilidade, tão fundamental na lida com as questões humanas. Uma teologia responsável é aquela que pressupõe a pluralidade e a diversidade que nos constitui. As palavras com tendência à universalização não podem, de forma alguma, pretender esgotar o mistério do qual somos constituídos.

A palavra teológica deve ser uma palavra qualificada para dizer o humano. É uma contribuição legítima, no grande leque de conhecimentos que constituem nossos saberes. Fazer teologia é prestar um serviço; por isso ela não deve ter qualquer pretensão de poder. O uso da palavra teológica para dominar as consciências é um uso de má-fé e uma subversão do papel teologal. Tocar as questões humanas com responsabilidade e sensibilidade é o que mais dignifica a teologia como um discurso legítimo e possível, que a faz capaz de Deus e, tão logo, capaz do humano.

Fonte: Dom Total – Religião – Sexta-feira, 30 de novembro de 2018 – Internet: clique aqui.

A teologia não é tarefa infantil

Felipe Magalhães Francisco
Teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal.
É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015)

O labor teológico faz-se levando em conta a experiência espiritual
nascida da fé e o acesso a Deus, sobretudo por meio 
das Sagradas Escrituras e da Tradição

Nos meios teológicos há uma expressão bastante comum e que carrega aspectos fundamentais desse importante ofício: “fazer teologia de joelhos”. A postura de joelhos, aqui, não significa, de modo algum, subserviência. Ao contrário, reflete uma postura de reverência frente ao Mistério divino, a respeito do qual os teólogos e teólogas refletem e tematizam com o seu labor. Significa que a teologia, antes de tudo, deve ser uma atividade espiritual ou, dito de outra forma, a teologia deve ser fruto de uma espiritualidade. Ora, esse aspecto espiritual tem uma dimensão efetiva de subjetividade, pois diz respeito a uma experiência profunda de sentido com o Mistério de Deus. Isso é o que define, aliás, ESPIRITUALIDADE: experiência de sentido. Fora disso, o labor teológico consiste em mera especulação sobre as questões divinas.

Essa questão é tão importante e fundamental para o fazer teológico que diz respeito à própria epistemologia da teologia. Explico-me: ao contrário da maior parte das ciências modernas – senão, de todas as ciências modernas – a teologia é feita numa perspectiva inside, desde dentro. Há um engajamento existencial entre aqueles e aquelas que fazem teologia e a dimensão da fé que professam. Não se faz teologia sem fé. Esse é o grande entrave para que a teologia seja reconhecida legitimamente como ciência em outros âmbitos do saber, de inspiração positivista. Contudo, apesar da fundamental dimensão de subjetividade pressuposta na criação teológica, há um dado bastante objetivo que é igualmente pressuposto: o objeto da teologia, a saber, Deus, e, em consequência, o ser humano em sua relação com Ele.

Teologia é ciência. Logo, um rigor metodológico é necessário, de modo que teólogos e teólogas a ele não podem se furtar.  O labor teológico, então, faz-se levando em conta os aspectos subjetivo – a experiência espiritual nascida da fé – e objetivo – o objeto, em seu acesso sobretudo por meio das Sagradas Escrituras e da Tradição (esta última, para o caso da teologia feita em realidade católica). É nessa tensão virtuosa entre os frutos espirituais da experiência de fé dos teólogos e teólogas e as dimensões objetivas da eclesialidade da fé, que está a superação dos riscos de uma teologia subjetivista ou, noutro extremo, especulativa. A especificidade da epistemologia teológica está nessa tensão, que deve se manter constante, para que o labor teológico não esteja em risco.

Dito isso, podemos afirmar a necessidade da liberdade e da autonomia para o fazer teológico. O ofício teologal deve estar livre de toda tutela que cerceie as possibilidades de elaboração teológica, uma vez que essa leva em conta os dois aspectos epistemológicos de nossa ciência. Uma teologia tutelada é uma teologia infantilizada. Tem crescido, em certos meios populares do catolicismo, uma tendência policialesca que não tem qualquer razão de ser. Primeiro, porque desconhece as questões epistemológicas que envolvem o labor teológico; e, depois, por revelarem uma má compreensão de qual a tarefa da teologia na missão evangelizadora da Igreja – isso quando a questão não é, propriamente, má-fé desses grupos reacionários.

Passou-se de um controle institucional – por parte da Congregação para a Doutrina da Fé –, para um controle vindo de grupos que compreendem a fé e a prática religiosa de modo infantil. O espaço acadêmico é o espaço que deve garantir a liberdade de pensamento, que está comprometida com as questões de método científico, por exemplo. Esse controle atual, por parte de grupos sem quaisquer competências ou qualificações, é estúpido e improducente. O pressuposto para tais posturas reacionárias é o de que o fazer teológico deva ser mera repetição daquilo já postulado pela religião. Desconhece-se o real significado de Tradição, em sua característica fundamentalmente dinâmica e em construção, quando a compreende como uma realidade estática e imutável, sem quaisquer influências no e do tempo histórico.

A teologia precisa ser liberta desse estado policialesco que vai tomando conta de todos os âmbitos do saber, atualmente em nosso país. Projetos tais como o da Escola sem Partido são um atentado à vocação humana de construir caminhos e de refletir, criticamente, a história e os contextos e rumos sociais, culturais, políticos e econômicos. Em se tratando de teologia, não há assuntos que não devam ser abordados e criticamente refletidos, pois não há questões que sejam verdadeiramente humanas que não sejam questões que reflitam o interesse do Deus de Jesus, que nos salva desde dentro da história e do mundo humanos.

Fazer teologia não é repetir dogmas que compõem a fé cristã.
Fazer teologia é, pois, fazer com que esses dogmas façam sentido para
os homens e mulheres de todos os tempos e lugares,
com suas questões tão próprias, urgentes e fundamentais.

O conteúdo da fé não é um bloco ao qual todos e todas devam se enquadrar. Ao contrário, o conteúdo da fé precisa ser permanentemente sistematizado, a fim de que dialogue com as pessoas, em suas questões humanas e existenciais. A teologia, em sua proposição livre e crítica a respeito de temas diversos, não é uma ameaça à fé e à religião. Trata-se, bem mais, de um serviço legítimo fundamental de fortalecimento da fé e de constante ressignificação da religião. É por isso que o insuspeito Papa Francisco recorda aos teólogos e teólogas que teologia se faz com a mente aberta e com os joelhos no chão. Não nos esqueçamos!

Fonte: Dom Total – Religião – Sexta-feira, 30 de novembro de 2018 – Internet: clique aqui.

Teologia: entre o sexo dos anjos e a profecia

Gustavo Ribeiro*

A Igreja deve, com sua convicção de fé, entrar em diálogo com o
mundo, com a perspectiva de buscar pelo bem-estar 
dos homens e mulheres de seu tempo

A teologia tem uma das tarefas mais importantes no interior da Igreja, que é a de apontar os caminhos através de uma reflexão séria e embasada nas Escrituras, no Magistério e, sobretudo, na vida de fé do povo de Deus.

Nestes tempos complexos em que vivemos, urge construir novos modos de fazer teologia. O fazer teológico tem sido questionado de muitas maneiras e as interpelações que chegam colocam em xeque velhas formas de pensar a fé e de propor interpretações dos conteúdos da fé; por isso, mais do que a dogmática, a teologia está chamada a se preocupar com o todo da humanidade. Não só a preocupação com os “novíssimos” e a transcendência, porque importa muito mais as realidades imanentes, com todas as realidades do mundo, sobretudo, das realidades humanas, porque é aí, lugar em que Deus se dá a conhecer e experimentar.

Segundo Edward Schillebeeckx, dominicano belga, importante voz da teologia católica no século XX, o labor teológico não pode ser nunca uma mera erudição de gabinete, ela deve, “unicamente, construir-se em diálogo com nossos semelhantes, sobre os problemas que todos devemos nos ocupar, com risco mortal, seja que nos fechemos temerosamente ou que acompanhemos a outros em nosso pensamento com abertura esperançosa e inquietante”.

Para Schillebeeckx, após o Vaticano II chegou-se
“à convicção de que a teologia cristã brota sempre não de uma, senão, de duas fontes,
que deverão ser mantidas continua e criticamente entrelaçadas entre si”:
uma é “toda a tradição experiencial do grande movimento judaico-cristão”; e a
outra se trata da “nova experiência humana que hoje realizam cristãos e não cristãos”.

É a experiência de estar no mundo, existindo a que deve conferir sentido ao trabalho da teologia hoje. Portanto, as experiências humanas devem balizar o labor teológico, gerando respostas que validem a fé vivida pelo homem moderno, ajudando-o a formular suas experiências de fé, oferecendo-lhe a oportunidade de purificá-las e de reconhecer, com clareza, a voz de Deus que emerge da realidade de sua vida e aponta para um horizonte aberto de salvação para todo o gênero humano e para todo o cosmos.

A Igreja deve, com sua convicção de fé, entrar em diálogo com o mundo, com a perspectiva de buscar pelo bem-estar dos homens e mulheres de seu tempo,
bem-estar este que já começa na vida terrena.

E quando a Igreja, o Povo de Deus, se põe a indagar e a procurar caminhos de diálogos com as realidades “mundanas” ela não se baseia em argumentos puramente teológicos, porém o faz por caminhos traçados por outras perspectivas, sobretudo, pelo traçado das ciências sociais. É aqui que “o ministério da Igreja aparece claramente em uma nova função, a que se poderia designar como função de “crítica social” e de “utopia social””.

Surge daí uma nova concepção e uma nova autocompreensão do ministério teológico, porque nestas situações ele deve se por em atitude eminentemente profética. Aparece aí seu vigor crítico e construtivo, e ele depende de um constante diálogo com o mundo.

A teologia está chamada a desempenhar sua tarefa profética dialogando com os problemas reais da humanidade e das sociedades em que está inserida. É sim, com este fim, que ela escuta também a “profecia exterior”, aquele chamado que vem do mundo, que vem do exterior das estruturas eclesiásticas, que a impulsiona para tomar decisões históricas de denúncia e construção de alternativas.
Edward Cornelis Florentius Alfonsus Schillebeeckx
(nasc.: 1914 - falec.: 2009)
foi um teólogo católico belga. Foi membro da Ordem Dominicana.
Seus livros sobre teologia já foram traduzidos em diversas línguas
e suas contribuições ao Concílio do Vaticano II
o tornaram conhecido mundialmente

O teólogo Edward Schillebeeckx diz que a teologia está chamada a fazer uma “experiência negativa de contraste”, porque nela “se experimenta o vazio, no oco, a falta do que deveria existir. E aparece assim, dentro do horizonte de perspectivas, o que é necessário aqui e agora: o princípio de um caminho vago, porém inegável que deve ser construído, a transformação que precisa brotar, que parte da reflexão, mas que desemboca na práxis de uma espiritualidade cristã viva e encarnada.

Tudo isto só é possível porque há esperança. As experiências negativas não seriam de contraste, e também não suscitariam um “protesto”, se não fossem feitas na firme esperança de que é possível uma mudança da realidade, de que há, sim, a possibilidade de um mundo melhor acontecer. Segundo Schillebeeckx, “consequentemente, o tom profético que brota da experiência de contraste é protesto, promessa esperançosa e iniciativa histórica”.

São estas experiências que têm impulsionado para que imperativos éticos levem os cristãos a agir e criar condições melhores de vida para seus pares, para aqueles que estão enredados nas periferias sociais.

A teologia só encontrará verdadeiro sentido de ser se se ocupar das realidades teológicas da Revelação de Deus, os lugares onde Deus continua a se “encarnar”, o motivo de sua auto-revelação-doação, a existência da vida em sua diversidade de formas.

REFERÊNCIAS:

SCHILLEBEECKX, Edward. Dios futuro del hombre. Salamanca: Ediciones Sígueme, 1971.

 SCHILLEBEECKX, Edward. En torno al problema de Jesus. Claves de una cristología. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1983.

* GUSTAVO RIBEIRO é mineiro de São Vicente de Minas, residente, por ora, em Belo Horizonte. É Bacharel em Teologia pelo Instituto Santo Tomás de Aquino; Pós-graduando em Gerenciamento de Projetos pela PUC Minas. Atua como Coordenador de Pastoral do Centro Franciscano de Defesa de Direitos e Coordenador Pedagógico da Rede Educafro Minas. E vive na tentativa de ser poeta, mas isto só quando sobra tempo, e quase nunca sobra.

Fonte: Dom Total – Religião – Sexta-feira, 30 de novembro de 2018 – Internet: clique aqui.

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