29º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia

 Evangelho: Lucas 18,1-8

 Alberto Maggi *

Frade da Ordem dos Servos de Maria (Servitas) e renomado biblista italiano

 

Deus faz justiça aos marginalizados

O capítulo 18 do Evangelho de Lucas começa com um ensinamento de Jesus que não é sobre oração, mas sobre fé. Não uma oração insistente, mas a fé. O que significa a fé? Confiar, acreditar profundamente, que Deus realiza o seu plano. E qual é o plano de Deus? Seu reino. Sobre oração Jesus já falara extensivamente aos seus discípulos no capítulo 12 e outros. Ele apresentou Deus como um Pai que cuida do bem de seus filhos, um Pai que não somente atende às necessidades deles, mas se antecipa a elas! Um Pai que, como Jesus disse, sabe o que precisamos.

Portanto, não há necessidade de listar nossos pedidos a ele, porque o Pai já os conhece. E Jesus, concluindo este ensinamento sobre a oração, disse: “Buscai, pois, o seu Reino, e essas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Lucas 12,31).

O reino é o objeto da oração. Tanto que Jesus na oração do Pai Nosso o inserirá com o pedido: “Venha a nós o vosso reino”. O que é este reino? Uma sociedade alternativa. Portanto, essa passagem que estamos lendo agora, capítulo 18 versículos de um a oito do Evangelho Segundo Lucas, não é um ensinamento sobre a insistência da oração para um Deus que é surdo e deve ser implorado. Este é o Deus dos pagãos, ele não é o Pai de Jesus. 

Lucas 18,1:** «Jesus lhes propôs uma parábola para mostrar-lhes a necessidade de orar sempre, sem nunca desistir:»

É um ensinamento sobre a certeza das promessas de Deus que se cumprem, mesmo que, na aparência, possa parecer o contrário. Jesus está se dirigindo aos discípulos, esses discípulos que mostraram que não têm o mínimo dessa confiança. Aqui o ensino não é sobre oração, a oração é um meio, mas o ensino é sobre a justiça.

De fato, o termo justiça, nesta passagem do evangelho, aparecerá quatro vezes. É a justiça do reino, esta sociedade alternativa que Jesus veio propor. 

Lucas 18,2: «“Numa cidade havia um juiz que não tinha temor a Deus nem respeito por homem algum.»

O retrato que Jesus faz do juiz é o de uma pessoa poderosa e soberba. E o anúncio que Maria fez neste Evangelho com seu canto nos lembra imediatamente qual é o plano de Deus para a criação, mas um plano que, para ser realizado, precisa da colaboração das pessoas. Maria havia dito que Deus “dispersou os soberbos... Depôs os poderosos de seus tronos” (Lucas 1,51b.52a). E aqui temos um poderoso que é soberbo, orgulhoso! Prossegue Maria: “exaltou os de condição humilde. Encheu de bens os famintos e despediu os ricos sem nada” (Lucas 1,52b-53). Este é o plano de Deus e é nesta confiança que Jesus insiste. Esta é a fé que seus discípulos devem ter e para a qual devem agir, colaborar. 

Lucas 18,3: «Na mesma cidade havia uma viúva, que procurava o juiz e lhe pedia: ‘Faze-me justiça contra o meu adversário!’»

A imagem da viúva na Bíblia representa a pessoa que, não tendo um homem que pense nela, está à mercê de todos, é a pessoa marginalizada, sem proteção, a mais necessitada. E Deus na Bíblia é chamado de “o defensor das viúvas” (Sl 68,5), porque Deus se preocupa com essas criaturas que são marginalizadas.

Esta é a primeira vez que aparece o termo “justiça”, que aparecerá quatro vezes nesta passagem. 

Lucas 18,4-5: «Durante muito tempo o juiz se recusou. Por fim, pensou: ‘Não tenho temor a Deus, nem respeito por homem algum, mas como essa viúva me está importunando, vou fazer-lhe justiça, para que não venha, por fim, a me agredir!”’»

O juiz reconhece que não teme a Deus. O retrato que Jesus faz do poderoso é atroz. Quando o juiz diz: “me agredir”, literalmente é “fazer um olho roxo”! A preocupação dele é que a viúva venha a prejudicar sua reputação. 

Lucas 18,6-8a: «E o Senhor acrescentou: “Escutai bem o que diz esse juiz injusto! E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que clamam dia e noite? Ele os fará esperar? Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa.»

Este é um convite aos seus discípulos. E aqui está a lição que Jesus dá. Gritar dia e noite nos salmos do Antigo Testamento é uma imagem do clamor dos oprimidos (cf.: Sl 22,2; 42,3; 77,2; 88,1). Assim, Jesus garante que o plano de Deus para a humanidade, o REINO, uma sociedade alternativa onde os falsos valores do ter, do mandar e do ascender sejam contrastados com os valores justos, aqueles que criam a fraternidade, ou seja, compartilhar, descer e servir. Este é o reino de Deus, a sociedade alternativa. Jesus nos assegura que isso se realiza.

Mas para isso, seus discípulos devem colaborar com ele rompendo com esses falsos valores da sociedade.

Se não o fizerem, este reino não pode ser realizado. 

Lucas 18,8b: «O Filho do Homem, porém, quando vier, encontrará fé sobre a terra?”»

É por isso que Jesus conclui com uma expressão que parece cheia de amargura. O Filho do Homem, isto é, Jesus, vem com a destruição de Jerusalém. Quando Jerusalém é destruída, a vinda do Filho do Homem é anunciada. E na verdade ele não encontra. O Evangelho de Lucas termina amargamente com os discípulos que, apesar de todos os ensinamentos de Jesus, apesar de tudo o que Jesus disse, ainda continuam frequentando o templo.

Aquele covil de ladrões que Jesus denunciou e cuja destruição ele anunciou ainda representa um valor para os discípulos, ou seja, eles não romperam com o passado, com a instituição e o poder.

E então se não rompem com isso, o Reino de Deus, essa sociedade alternativa não pode surgir. 

* Traduzido e editado do italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.

** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 5. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2021. 

Reflexão Pessoal

Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo 

“Quando se faz justiça, o justo se alegra, mas os malfeitores se apavoram.”

(Provérbios 21,15 – tradução Nova Versão Internacional – Português)

É impressionante os links, para empregar uma linguagem atual da informática, que o evangelista cria ao redor dessa parábola:

a) oração,

b) fé e

c) justiça.

Tudo isso está interligado, por isso os links. Na base da oração está a , que significa, segundo frei Alberto Maggi: “Confiar, acreditar profundamente, que Deus realiza o seu plano. E qual é o plano de Deus? Seu reino”. E o reino de Deus é, sobretudo, uma sociedade de justiça, uma sociedade onde predomina a partilha, a humildade e o serviço ao próximo! Portanto, uma sociedade contrária a esta em que vivemos, onde o lucro, o dinheiro, o poder e a fama estão acima de todo o resto, inclusive, dos seres humanos! 

A chave de compreensão dessa parábola do juiz injusto e desumano e a viúva explorada está na sede de justiça. Pois era essa vontade de justiça que motivava a viúva em sua luta, em sua insistência e perseverança na busca pelos seus direitos, pela sua dignidade. Esse juiz encarna, perfeitamente, os poderosos que não temem a justiça de Deus, não respeitam a dignidade nem os direitos dos pobres! Enfim, os poderosos não têm FÉ! Não creem, nem buscam realizar a Vontade de Deus, o Plano dele nesta terra! Eles já possuem os seus próprios planos e interesses, os quais visam seu benefício e sucesso pessoais! 

É preciso ficar claro que os tais “escolhidos” de Deus, que clamam por ele dia e noite (Lc 18,7), não são os membros da Igreja, mas os pobres de todos os povos, que gritam pedindo justiça. Como Jesus já lhes havia dito: “vosso é o Reino de Deus” (Lc 6,20). 

Portanto, a fé que deve nos dar alento, nos estimular ao encontro com Deus e o seu Reino é aquela que teve a viúva injustiçada, a qual é:

* modelo de indignação,

* modelo de resistência ativa e

* modelo de coragem...

... para reclamar JUSTIÇA aos poderosos desumanos desta terra! 

O renomado teólogo alemão Johann Baptist Metz (1928 a 2019), certamente tinha razão ao denunciar que:

«Na espiritualidade cristã há demasiados cânticos e poucos gritos de indignação, demasiada complacência e pouca nostalgia de um mundo mais humano, demasiado consolo e pouca fome de justiça».

Oração após a meditação do Santo Evangelho 

«Deus, fiel às promessas, quando o cansaço pesa sobre nós e o desânimo nos toma, dá vigor à nossa força. Muitas são as nossas dores, muitas as nossas expectativas, grandes as nossas esperanças: Tu, Pai, venha em nosso socorro e mostra-nos o teu amor, envia sobre nós o teu Espírito de paz e de unidade. Que ele seja a inspiração da nossa oração, o fogo da nossa esperança, o germe da nossa fé, o ardor da gratidão. Por Jesus, nosso Redentor, Tu nos curas da mais terrível lepra: a do pecado; tenha piedade de nós, dá-nos o perdão que nos liberta da opressão do mal porque sempre elevamos a ti o hino de ação de graças e o cântico da nossa gratidão, para dar testemunho aos nossos irmãos e alegrar-nos, junto àqueles que te são gratos, do dom dessa fé viva, que opera nossa salvação. Amém.»

(Fonte: Marino Gobbin. Orazione finale. 29ª Domenica del Tempo Ordinario. In: CILIA, Anthony O.Carm. Lectio Divina sui vangeli festivi: per l’anno liturgico C. Leumann [TO]: Elledici, 2009, p. 609-610)

Fonte: Centro Studi Biblici “G. Vannucci” – Videomelie e trascrizioni – XXIX Domenica del Tempo Ordinario – Anno C – 20 ottobre 2019 – Internet: clique aqui (Acesso em: 13/10/2022).

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