31º Domingo do Tempo Comum – Ano C – Homilia
Evangelho: Lucas 19,1-10
Frei
Alberto Maggi
Padre e biblista italiano dos Servos de Maria (Servitas)
A vida é obtida dando, e não acumulando
O evangelho de Lucas iniciou com a afirmação que nada é impossível a Deus (Lc 1,37). Não existem casos desesperadores, não existem pessoas que, qualquer que seja a situação delas, a condição delas, possam ser excluídas do amor de Deus. No entanto, no evangelho há duas categorias que parecem estar excluídas do amor de Deus, da salvação. A primeira é aquela dos publicanos, os coletores de impostos, que eram considerados transgressores de todos os mandamentos; pessoas impuras para as quais não havia alguma salvação.
A outra
exclusão vem da parte de Jesus que exclui, taxativamente, a presença dos ricos na sua comunidade. Jesus disse claramente: “É
mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha, do que um rico entrar no
Reino de Deus” (Lc 18,25).
A
comunidade de Jesus é composta por senhores, não gente rica! Qual
é a diferença? O rico é aquele que tem e retém para si mesmo. O senhor
é aquele que dá e partilha com os outros.
O evangelista apresenta-nos no capítulo 19, nos primeiros dez versículos, um caso que parece ser desesperador, sem solução. Mas vejamos.
Lucas
19,1-2: «Tendo entrado em Jericó, Jesus passava pela cidade. Havia
ali um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos publicanos e muito rico.»
Ironia da sorte, pois, em hebraico, Zaccai significa puro, mas veremos que Zaqueu é a pessoa mais impura da cidade! Ele possui duas características que o excluem da salvação. Não somente ele é um publicano, um coletor de impostos, mas é o chefe deles! E, ainda mais, ele é rico! Portanto, do ponto de vista da sociedade religiosa, ele é um excluído de Deus, mas também para Jesus, ele não pertence à sua comunidade. Assim sendo, trata-se de um caso desesperador.
Lucas
19,3: «Ele
procurava ver quem era Jesus, mas não conseguia, por causa da multidão, pois
era de baixa estatura.»
Aqui, a intenção do evangelista não é dar-nos uma indicação folclorista da estatura desse personagem. O termo que ele usa para “pequeno” é o grego micros, significando que ele não está à altura de Jesus! E por que ele não está à altura de Jesus? Porque a atividade que ele desenvolve o leva a enganar e roubar os outros, fazer o mal aos demais e, sobretudo, porque é rico. Os ricos não estão à altura de Jesus!
Lucas
19,4: «Então
ele correu à frente e subiu num sicômoro, para ver Jesus que devia passar por
ali.»
Aqui está a primeira das mudanças que há nessa pessoa. Ele é o chefe dos cobradores de impostos, é uma pessoa desprezada, temida e reverenciada. E ele começa a correr. Correr nessa cultura é algo desonroso, porque ninguém jamais corre. O sicômoro é uma planta típica da região, mostro uma imagem, que se encontra na cidade de Jericó em memória deste episódio. É uma grande planta. Bem, Zaqueu pensa que para ver Jesus ele deve subir, em vez disso, Jesus o convidará a descer.
Lucas
19,5: «Quando
chegou ao lugar, Jesus olhou para cima e disse: “Zaqueu, desce depressa! Hoje
eu devo ficar na tua casa”.»
Ele pensava de acordo com a mentalidade religiosa da época, a qual achava que para se aproximar de Deus era preciso subir, mas Jesus o convida a descer. O verbo “dever” usado pelo evangelista é um verbo técnico com o qual os evangelistas afirmam a vontade divina. Portanto, essa parada na casa de Zaqueu faz parte da vontade de Deus, do plano de salvação, deste Deus que veio oferecer seu amor a todos.
Lucas
19,6: «Ele
desceu depressa e o recebeu com alegria.»
Primeiro, Zaqueu corre,
então, novamente, ele desce rapidamente. Qual o motivo da alegria? Não é
apenas pela acolhida realizada pela figura de Jesus, a alegria vem do que
ele está para fazer. Jesus, numa expressão que está contida nos Atos dos
Apóstolos, dirá: “Há mais alegria em dar, do que em receber” (20,35).
E Jesus proclamou bem-aventurados aqueles que fazem a escolha da
pobreza, da partilha.
Esta é a razão da alegria de Zaqueu.
Lucas
19,7: «Ao
verem isso, todos murmuravam, dizendo: “Foi hospedar-se na casa de um pecador!”»
Mas, à alegria de Zaqueu corresponde o mau humor dos outros. Os pecadores devem ser admoestados, censurados e, sobretudo, evitados. É impensável que uma pessoa pura entre na casa de uma pessoa impura, porque será infectada com essa sua impureza. Jesus mostra que não é verdade que o ser humano pecador deve se purificar para ser digno de acolhê-lo, mas é justamente acolher o Senhor que o purifica.
Lucas
19,8: «Entretanto,
Zaqueu se pôs de pé e disse ao Senhor: “Senhor, eu vou dar a metade dos meus bens
aos pobres, e se prejudiquei alguém, vou devolver quatro vezes mais”.»
Assim, quem era rico, já não será mais rico, porque metade do que tem, dará aos pobres. É o acolhimento da bem-aventurança de Jesus. É claro que roubou, que prejudicou alguém! Zaqueu faz muito mais do que o estipulado na lei. De fato, no livro de Levítico, no capítulo 5, lemos que o culpado tinha que devolver o que roubou com o acréscimo de um quinto. Ele faz muito mais. Diz: “Eu vou devolver quatro vezes mais”. O que aconteceu? Ele era rico, agora não é mais rico, porém está em êxtase, na felicidade e na alegria.
Lucas
19,9-10: «Jesus
lhe disse: “Hoje chegou a salvação a esta casa, pois também este é um filho de
Abraão. Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava
perdido”.»
Jesus foi indicado neste evangelho,
no início, como o salvador e pela primeira e única vez, o termo “salvação”
aparece. As pessoas achavam que, por causa de sua conduta, Zaqueu fosse um
excluído, um impuro, um maldito. Não, ele é filho de Abraão.
O Filho do Homem não espera que os
pecadores venham a ele arrependidos, mas é ele quem vai ao encontro desses
pecadores para comunicar a vida. Por que Jesus diz: “salvar o que estava
perdido”? Porque a riqueza destrói as pessoas.
A vida é obtida dando, e não acumulando.
Esta é a BOA NOVA trazida por Jesus, então para ele não existem casos impossíveis, casos sem esperança.
* Traduzido e editado do
italiano por Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo.
** Todos os textos bíblicos citados foram extraídos de: BÍBLIA SAGRADA. Tradução oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). 5. ed. Brasília (DF): Edições CNBB, 2021.
Reflexão Pessoal
Pe. Telmo José Amaral de Figueiredo
“Não
confieis na violência e não vos deixeis enganar pela rapina; se crescerem as
riquezas, não prendais a elas o coração.”
(Salmo 62,11)
A cena de Zaqueu se situa ao final da viagem de Jesus até Jerusalém, iniciada no capítulo 9, versículo 51 de Lucas. Jericó é a última cidade antes de chegar em Jerusalém. Dois episódios significativos têm lugar nessa cidade: a cura do cego (Lc 18,35-43) e o encontro com Zaqueu (Lc 19,1-10). É impressionante como Lucas insiste que, até o final de seu trajeto ao lugar de sua prisão, julgamento, morte e ressurreição, Jesus continua a aliviar os sofrimentos humanos e acolher as pessoas marginalizadas.
Portanto, o projeto de Jesus se consuma dessa
maneira:
* o
cego, aquele que não enxergava a vida, aquele que vivia à margem da
estrada e da existência “segue” Jesus (Lc 18,43); e
* o
chefe, o primeiro dos publicanos (grego: árchitelones), apegado
ao seu “deus dinheiro” e à sua riqueza, dá seus bens a quem ele roubou (Lc 19,8).
Isso é levar Jesus e seu Evangelho (= Boa Nova) a sério!
O teólogo espanhol José María
Castillo enxerga nessas atitudes de Jesus o “programa da convivência”,
isto é, o programa pastoral de Jesus não se fundamenta em ensinamento
doutrinal, nem em imposição de normas! Porque, segundo Castillo:
«O Evangelho não se ensina, nem se
impõe, mas se contagia. Quer dizer, o Evangelho se transmite por
contágio... “O Evangelho se transmite, não porque se sabe, mas porque se
vive”. Consequentemente, somente quem o vive é que está capacitado para
evangelizar.»
E a conversão de Zaqueu não se deu porque ele mudou de religião, de crenças ou práticas religiosas. Ele ser converteu porque teve a coragem e a coerência de fazer a sua opção chegar em seu bolso, em seu dinheiro, em seus depósitos! Ao final, lhe restou bem menos da metade da riqueza que possuía! Não que a religião não interesse, mas a conversão passa pelo dinheiro, pois, assim, se demonstra o quanto se leva a sério a fé!
Por fim, é de se destacar a alegria que toma conta de Zaqueu quando Jesus lhe anuncia seu desejo de ir até a sua casa. Alegria essa devido ao fato dele poder demonstrar, pessoalmente, a Jesus o quanto estava decidido a mudar de vida! A alegria é um tema caro ao evangelista Lucas! Seguramente, é neste evangelho que mais nos deparamos com essa palavra na forma substantiva (em grego chara: 9 vezes: 1,14; 1,44; 2,10; 8,13; 10,17; 15,7; 15,10; 24,41; 24,52) e na forma verbal (em grego chairō, synchairō 9 vezes: 1,14; 1,28; 1,58; 10,20 [2x]; 13,17; 15,6; 15,9; 15,32). Em geral, a alegria ou o alegrar-se é em referência à chegada do Messias, ao encontro com ele, como reação à sua atuação e às suas obras, e ao estado das pessoas diante daquilo que dele receberam. Afinal, a verdadeira alegria é realizar a vontade do Pai e de seu Filho, como experimentou Zaqueu!
Oração após a meditação do Santo Evangelho
«Ó Deus, que em teu Filho vieste buscar
e salvar os perdidos, faze-nos dignos de teu chamado: realiza toda nossa
vontade de bem, para que saibamos acolher-te com alegria em nossa casa para
compartilhar os bens da terra e do céu. Por Cristo nosso Senhor. Amém.»
(Fonte: Oração da Coleta – missal italiano)
Assista ao vídeo com a íntegra da homilia acima, clicando sobre esta imagem:
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